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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário
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Valdir
Aparecido de Souza[2] |
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Resenhas Biblioteca Entrevistas Primeiras Notas CONSELHO EDITORIAL Arneide Cemin Ednaldo Bezerra Freitas Valdir Aparecido de Souza |
Resumo Este artigo busca
refletir sobre as possibilidades de compreensão das representações implícitas
na obra dos intelectuais. Estes próprios tomados enquanto objeto de pesquisa e
também a influência de suas visões de mundo na sociedade contemporânea. Para
tal objetivo elegemos a biografia e a
escrita de si como fontes destes questionamentos. Palavras-chave: biografia, escrita de si, representações, imaginário AbstractThe purpose of this article is to think about the
possibilities to understand the representations found in the intectuals’ workship,
seing as research object, themselves. By the other side, it follows closely the
influence of their world sight in the contemporary society. In order to try to
reach this objective we elect as sources of this doubts the biography and
writing himself. Key-words: biography, writing himself,
representations, imaginary Introdução Refletir sobre o
papel dos intelectuais na sociedade contemporânea é uma tarefa interessante e
desafiadora, ao mesmo tempo. Interessante em virtude do objeto em si, pois o
instrumental dos intelectuais já é a própria reflexão, eles manipulam imagens,
códigos e linguagens em sentido amplo. De outro lado, o desafio é enorme, pois
as premissas que guiam suas reflexões nunca são explícitas. O desafio é avançar um pouco além, justamente em virtude da
complexidade da temática e do nível de refinamento em que se encontra a
discussão. Estas estão ligadas diretamente à própria ambigüidade dos atores A primeira parte é extremamente
interessante, a discussão sobre o papel dos intelectuais na sociedade burguesa
e na sociedade globalizada atual, ou melhor os críticos enquanto objeto de
reflexão. A segunda parte
implica um desafio. Como falar sobre as concepções, os limites e as
possibilidades, as perspectivas de análise, as suas lógicas internas, suas
coerências e incoerências? É possível pensar os intelectuais como objetos da
reflexão? E se a resposta fosse sim, qual seriam as teorias, os métodos de
abordagem e as possíveis fontes para esse novo objeto? Estas são as questões
fundamentais para iniciarmos os nossos comentários. Problemas teórico-metodológicos da Biografia e da
Escrita de Si O artigo de Peter Burke[5]
sobre a fabricação do imaginário coletivo pode ser um ponto inicial. Neste o
autor consegue revelar de forma clara que o passado sempre é renegociado, como
no caso da estátua do soldado de bronze em Tallinn, na Estônia. Tomamos a liberdade de pegar de empréstimo as considerações de Burke e as estendemos
aos intelectuais. Pois estes atores-objetos sempre renegociam seu repertório de
imagens. Se os monumentos são a fabricação do imaginário coletivo para os
patriotas, regionalistas e partidários políticos, a escrita de si e a biografia
são a fabricação do imaginário individual do intelectual para os seus pares e
outros grupos. Da mesma forma que os
monumentos mudam de local dependendo dos contextos sociais que se encontram, os
intelectuais fabricam suas representações dependendo do contexto em que se
encontram. Elas são condicionadas aos humores do momento, se estavam no poder
ou perderam-no, se estavam em ascensão ou em crise na carreira acadêmica, se eram
reconhecidos ou desconhecidos do público, em decadência, ou arrivistas como no
caso dos membros do Partido dos Trabalhadores[6],
ou se tiveram origem nos setores empobrecidos das oligarquias como o caso dos
intelectuais brasileiros[7]. Outro
exemplo são as biografias do escritor Monteiro Lobato e da empregada doméstica Dona
Benedita Atanásio[8],
depoimentos nos quais os biografados manipularam a escrita de si diante dos
entrevistadores. Segundo Sirinelli[9], a
dificuldade destes relatos resulta de uma memória seletiva, de um imaginário
objetivado -num sentido ideológico- entre direita e esquerda no caso da França
e imprimem um sentido próprio ás suas representações. Mecanismo denominado por
Bourdieu[10]
como “ilusão biográfica”, iludindo o pesquisador, que deveria aplicar
seus métodos de averiguação tratando-a como uma fonte qualquer. Para precaver-se,
ao menos parcialmente, contra as armadilhas preparadas pelos biografados faz-se
necessário a crítica interna às narrativas. O procedimento padrão está na seguinte
premissa: nenhuma representação é pura e cristalina por excelência, ela sempre
é uma perspectiva provisória. Um método que pode
contribuir nesta tarefa é a Prosoprografia, apesar de seus limites – há que
se acostumar a eles - pois todo método, concepção teórica ou técnica sempre serão
limitadas, incapazes de produzir uma representação fiel por excelência. Este
conjunto de procedimentos de pesquisa pressupõe o acompanhamento da trajetória
dos intelectuais. Questões como: De onde e de qual meio social vêm? Quais as
experiências de vida? Quais os trajetos que ele fez para chegar à sua cátedra?
Quando chegou à Universidade, se jovem ou mais maduro? Quem estava nas salas
contíguas ao seu laboratório de pesquisa? Quais os cafés por onde passava no
trajeto da universidade? Quais os contatos que tivera fora do meio acadêmico e estes
influenciaram a sua produção intelectual e política? Era filiado a algum
partido político de direita ou esquerda, sindicato? Qual foi o seu papel na sociedade
enquanto cidadão? Como foi a sua recepção pelo grande público? A sua geração teve
influência na compreensão de sua atuação? Os fatos marcantes como guerras,
movimentos sociais e outros são ou foram fatores preponderantes na formação dos
intelectuais? Infelizmente não é possível se colocar no lugar do ator, como
deseja Corbin[11].
Estas questões, a exemplo de seu biografado Pinagot,
não respondem o que estes intelectuais pensavam, mas permite compreender as estratégias
possíveis na construção de suas
visões de mundo. Por falar em
escrita de si e biografia, estas se materializam na entrevista. No caso desta,
o texto de Bourdieu[12]
auxilia a evitar as ilusões e armadilhas em na busca desesperada por representações
“confiáveis”. Mas não se deve ser romântico, ao considerar que ela é mais
confiável. Pode-se afirmar que é de natureza diferente de um boletim policial,
de uma sentença judicial, de uma certidão ou de um registro de propriedade. A
oralidade permite um conhecimento sobre coisas que não aparecem na documentação
formal, pretensamente vazia de representações, pretensão apenas. Apesar de sua
asséptica “objetividade” questionar quais as representações implícitas nos
formulários é vital. Ao falar sobre a
sua vida pessoal, os depoentes desvelam suas representações de forma peculiar,
essas “revelações” são bem mais interessantes que a temática da entrevista. O
caso de dona Benedita, analisado por Luca[13], ilustra
bem essa perspectiva. A pesquisadora partiu da temática da Memória sobre a
escravidão, e indiretamente captou o peso da representação do papel da mulher
negra na organização das redes de solidariedade. A mulher simbolicamente e na
prática era o centro das famílias negras, em torno dela é que todos se aglutinavam,
e era ela que dirigia os seus membros. O seu imaginário sobre os “vícios” do
álcool e da sexualidade também emergiram. Ainda revelou detalhes sobre como sua
comunidade via as formas de recrutamento das elites paulistanas. Estas famílias
abastadas construíram uma rede de serviços de confiança incentivando famílias
negras inteiras a se mudar para a capital. Dona Benedita a partir de sua entrevista
reelaborou sua visão do processo pelo qual passou toda uma comunidade de várias
gerações, sua representação dessas famílias endinheiradas mudou também.
Resumindo, vai-se com uma temática e volta-se com elementos mais interessantes
do que pensava se obter, mas isto só é possível se for mantida a perspectiva
aberta da entrevista. Eram esses desdobramentos
os objetos da reflexão de Bourdieu, para ele o método se constrói no fazer da
entrevista. Ainda segundo Bourdieu toda a entrevista é uma forma de “comunicação
violenta”, resta-nos dominar os efeitos desta sem tentar anulá-los. A saída
seria uma escuta ativa e metódica, nada de fácil solução, se de um lado desvia
do dirigismo, de outro pode cair no relativismo da escuta. A interação total
não permite o estranhamento, e no outro extremo, o estranhamento total não
permite o diálogo entre entrevistador e entrevistado. O ideal seria o meio
termo entre estas duas esferas, equidade geralmente difícil de alcançar. A
entrevista em si é um artefato no qual o analista a produz sem consciência, ou
seja, é uma imposição ao entrevistado. Por isso mesmo, a
entrevista não é um primeiro encontro, e nem tampouco casual. Não há -no
sentido metodológico- uma entrevista a partir de apenas alguns encontros. A
entrevista é o ápice de uma série de encontros e de conhecimentos prévios.
Neste sentido, o risco da entrevista somente confirmar nossas próprias
representações é total. Por outro lado, se não for deste jeito corre-se o risco
do pesquisador ser enredado pelo entrevistado. Como foram os casos supracitados
de Dona Benedita, Monteiro Lobato e do exemplo analisado por Bourdieu. Até o momento
tem-se mais problemas que soluções, mas o caminho não tem mapas, para chegar ao
seu objetivo o pesquisador terá de trilhá-lo sem atalhos. O pesquisador deve se
envolver para que a entrevista possa fluir, do contrário, como adverte
Bourdieu, a pretensa “neutralidade” diante do entrevistado só irá atrapalhar.
Para Bourdieu o objetivo final de uma entrevista seria levar o entrevistado a
refletir e desvelar as falsas representações que construiu sobre sua realidade
social. Bourdieu aponta saídas temporárias para os problemas, que no limite,
sempre vão estar no método. O analista, segundo ele, influencia na entrevista,
mas sem o mesmo ela simplesmente não existiria. A perspectiva do observador
interfere na produção do conhecimento, mas sem o observador não haveria a
produção do conhecimento e da. Ao tomar o exemplo
da família Athanásio e de Lobato percebemos que as representações individuais
refletem o imaginário social, daí ser válido o método da entrevista, apesar dos
limites apontados por reflexão Levi[14] sobre
os novos usos da biografia. Em nossa conclusão é possível utilizar a biografia
e a autobiografia como representações que fornecem pistas para a compreensão,
desde que sejam discutidas de forma crítica como qualquer outra fonte. Tal
procedimento não é uma virtude e sim uma prática inerente ao cotidiano do
pesquisador. Uma idéia suscitada
a partir destas reflexões foi justamente estabelecer um possível diálogo entre Bourdieu
–herdeiro da tradição estruturalista francesa- e os micro-historiadores
italianos (barthianos). Ainda que para Levi não há escalas entre micro e macro,
ao contrário da tradição francesa. Está claro que Levi procura colocar em
diálogo a experiência singular e a ação coletiva. Para ele as escolhas dos
sujeitos são contingenciadas pelo contexto social das relações e por suas
representações. Pode-se ver, que a categoria dos intelectuais, a exemplo
dos micro-historiadores italianos barthianos, não diz nada sobre aqueles, há
que se utilizar uma metodologia mais dialógica com as formas de experiência.
Pode-se propor tentar fugir tanto de um relativismo geertiziano, tanto quanto
das leituras estruturalistas, as duas perspectivas são opostas e não contribuem
para a compreensão do indivíduo e sua relação com o grupo. Segundo Levi, um dos
caminhos a seguir é partir da experiência individual para se compreender
representações do grupo como no caso da prosoprografia, ou ao contrário,
o contexto possibilitaria entender a representação de si. Ainda há uma terceira
via, que é o caso da biografia e os casos extremos como o Menocchio de
Ginzburg[15],
ao tomar uma visão desviante para analisar o imaginário popular e sua
representação da cultura erudita. Pode-se inferir que Levi está preocupado em
buscar as fissuras, as brechas, as margens de negociação entre as estruturas
sociais que se reproduzem e o imaginário de mudança mesmo que individual
pressionando por reformas do todo. A mudança para Levi pode estar na diacronia
da representação de si em relação ao grupo, o indivíduo seria o elo frágil das
cadeias de representações sociais. Breves considerações Primeiro devo ressaltar que a leitura, a reflexão e a
posterior discussão destes autores ajudaram de forma direta a repensar meu
projeto de Doutorado. O meu objeto é justamente a construção de representações
históricas para o estado de Rondônia produzida por seus intelectuais. Há de considerar a importância deste momento de profundas
mudanças nas representações, principalmente no imaginário coletivo com a
globalização dos mercados e a mundialização da cultura. O intelectual se
encontra cada vez mais confinado a um circuito hermético restrito
exclusivamente aos meios acadêmicos. A preocupação está diretamente ligada a
atual apatia dos intelectuais, em si, esse é um bom motivo para se pensar
nestes como uma temática a mais no rol de possibilidades de compreensão da
sociedade contemporânea. Não fosse só por esse quadro de crise de representação política
questionado por Novaes[16] e
o papel dos intelectuais dentro desse contexto. Novaes encaminhou em 2006
várias questões e chamou um time de intelectuais dos mais expressivos no Brasil
e na França para refletir sobre estas questões. O modelo sartriano estaria morto?
É uma das questões centrais deste esforço. Encontramos-nos em plena crise do
ideal “coletivo” republicano em detrimento da ascensão do indivíduo e seu
predomínio. Ironicamente a maior parte dos Programas de Pós Graduação
ainda gira em torno dos intelectuais e sua trajetória na esfera cultural e no
campo das idéias. Porém, poucos programas trazem uma perspectiva crítica, ainda
não se transpôs a fase da biografia. O problema, é que também somos atores do
nosso tempo e não possuímos a capacidade de enxergar além do nosso prazer estético
e criativo. Os intelectuais são em si o nosso reflexo. Aparentemente quando
isso vir a se tornar consciente como desejava Bourdieu e houver o esgotamento do
fluxo individualista, haverá possibilidade de verdadeiras mudanças
epistemológicas na estrutura. Um pouco além dos desgastados “novos olhares”
sobre ranhuras na superfície. Essa perspectiva
suscita questões intrigantes. Como observou Corbin deve-se investigar de qual
região procede o cientista social. Qual seria o impacto da obra deste para uma
região, para um estado, para uma nação? Qual o impacto de uma obra
historiográfica na representação da identidade nacional? Apenas algumas
questões dentre muitas que podemos encaminhar em nossas pesquisas. BOURDIEU, P. “Compreender” in A Miséria do Mundo. 2a.
ed. Trad. Matheus S. Azevedo. Petrópolis, Vozes, 1998 GINZBURG, C. O queijo e os vermes. S. Paulo, Cia das
Letras, 1987. LUCA, Tânia de. “Relatos Autobiográficos: possibilidades e
perspectivas” in MALATIAN, T. (Org.). As múltiplas dimensões da política e
da narrativa. Franca, Olho d'água / UNESP, 2004 MICELI, S. Intelectuais à Brasileira. S. Paulo, Cia
das Letras, 2004. NOVAES, A. O Silêncio dos Intelectuais. S.Paulo, Cia
das Letras, 2006. VIDAL, L.
“Alain Corbin: o prazer do historiador” Entrevista a Laurent Vidal in REVISTA
BRASILEIRA DE HISTÓRIA. São Paulo Jan./Jun 2005. vol.25 no.49 Trad.
Christian P. Kasper. WHITE, H. Meta História: a imaginação histórica do século XIX. S. Paulo, Edusp, 1992 (Coleção Ponta; v.4) Notas
[1] Este trabalho faz parte do primeiro capítulo do Projeto: História e a construção da identidade rondoniense: entre práticas e representações aprovado pelo Programa de Pós-graduação em História e Sociedade da Faculdade de Ciências e Letras de Assis-UNESP [2] Professor Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia, Pesquisador do Centro de Estudos do Imaginário e Doutorando em História e Sociedade na UNESP/Assis [3] HABERMAS, J. Mudança Estrutural na Esfera Pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984. [4] Ver a classificação proposta por WHITE em Meta História. Historicismo, Liberalismo, Anarquismo e Reacionarismo. [5] BURKE, P. “Guerras Culturais” in FOLHA DE SÃO PAULO. Caderno Mais (Autores) 10 de junho de 2007. [6] Ver o artigo de Marco A. VILLA. “Conexão São Bernardo-Brasília” in O ESTADO DE SÃO PAULO. Suplemento Aliás. 13 de maio de 2007. [7] Ver a obra de MICELI. Intelectuais à Brasileira. S. Paulo, Cia das Letras, 2004. [8] Ver os capítulos de Tânia De Luca “Relatos Autobiográficos: possibilidades e perspectivas” in MALATIAN, T. (Org.). As múltiplas dimensões da política e da narrativa. Franca, Olho d'água / UNESP, 2004, p. 133-149. e “Monteiro Lobato: estratégias de poder e auto-representação n’A barca de Gleyre” in GOMES, A. C. (Org.). Escritas de si, escritas da história. R. Janeiro, FGV, 2004 p. 139-161. [9] Ver o capitulo “As Elites Culturais” in SIRINELLI, J-F. Para uma História Cultural. Lisboa, Estampa, 1998. p.259-279. [10] Ver o capítulo “A ilusão biográfica” de BOURDIEU, P. In FERREIRA, M. e AMADO, J. Usos e abusos da história oral. R. Janeiro, FGV, 1998. [11]VIDAL, L. “Alain Corbin: o prazer do historiador” Entrevista a Laurent Vidal in REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA. São Paulo Jan./Jun 2005. vol.25 no.49 Trad. Christian P. Kasper. [12] BOURDIEU, P. “Compreender” in A Miséria do Mundo. 2a. ed. Trad. Matheus S. Azevedo. Petrópolis, Vozes, 1998 p. 693-713. [13] LUCA, Tânia de. “Relatos Autobiográficos: possibilidades e perspectivas” in MALATIAN, T. (Org.). As múltiplas dimensões da política e da narrativa. Franca, Olho d'água / UNESP, 2004, p. 133-149 [14] LEVI, G. “Usos da Biografia” in Op. Cit. p. 167-182 [15] GINZBURG, C. O queijo e os vermes. S. Paulo, Cia das Letras, 1987. [16] NOVAES, A. O Silêncio dos Intelectuais. S.Paulo, Cia das Letras, 2006 |
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