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Centro de Estudos do Imaginário

Labirinto - Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário

  

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Imaginário e alteridade: canibalismo e  “willkomen” na obra de  Hans Staden[1]
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Daiana Nascimento dos Santos, [2]   

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Primeiras Notas






CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Valdir Aparecido de Souza

  

                       

Resumo

O presente trabalho tentará, a partir da bibliografía sugerida e também dos libros de Hans Staden, abordar a perspectiva de um Hans Staden narrador de um relato de aventuras do século XVI que narra sua vivência com os índios tupinambás no Brasil. Ao mesmo tempo, percebe-se o protagonista Hans Staden com sua própria aventura, apresentando seu relato de cativeiro e as imagens do caníbal, que o manteve  cativo por nove meses e não o devorou, a este fato se tratará os motivos que ajudaram a sua sobrevivência. Desta maneira, Staden constrói uma imagen de si mesmo como cativo e cria um perfil da alteridade dos tupinambás analisadas enquanto ele esteve cativo.

Palavras-Chave: Hans Staden, tupinambás, canibal, cativeiro

Resumen

El pretendido trabajo intentará, a partir de la bibliografía sugerida y  también de los libros de Hans Staden, abordar la perspectiva de  un Hans Staden narrador de un relato de aventuras del siglo XVI que narra su vivencia al medio de los indios tupinambás en Brasil. Al mismo tiempo, se percibe  el protagonista Hans Staden  con su propia aventura, presentando  su relato de cautiverio y las imágenes del caníbal, que lo mantuvo cautivo por nueve meses y no lo devoró, a este hecho se planteará los elementos que lo ayudaron a sobrevivir. De esta manera, Staden construye una imagen de sí mismo como cautivo y traza un perfil de la alteridad de los tupinambás analisadas por él mientras estuvo cautivo

Palabras-Clave:  Hans Staden, tupinambás, caníbal, cautiverio

Introdução

O presente trabalho tratará das razões que fizeram com que  a prisão de Hans Staden se transformasse num “willkomen”, o que fez com que ele não fosse devorado pelos tupinambás e conseguisse viver com eles por nove meses, no ano de 1549, período em que estivera aprisionado por esses índios. Por que falar de um “willkomen”? Porque faz uma referência irônica ao comportamento que os tupinambás apresentaram ante seu prisioneiro. O conceito do “willkomen”, parafrasea irónicamente a expressão de boa-vinda, que no caso de Hans Staden  tem um caráter contrário ao que de fato significa e que será tratado no decorrer do texto.

Partindo dessa base, apontarei os fatores que ajudaram Staden a manter-se vivo e apresentarei seu  comportamento enquanto esteve cativo. Clicie Nunes (2001, p.05) no seu artigo “ Isla de Vera Cruz, Tierra de Santa Cruz, Brasil”, afirma que não apenas Hans Staden esteve e escreveu sobre os indígenas, Andrés Thevet, Jean de Lery e Claude d’Abanville também relataram suas experiências. No entanto, a situação de Staden foi encarada de maneira diferente, devido a sua condição de prisioneiro, distanciando dos outros anteriormente citados que tiveram uma experiência de observadores do sujeito tupinambá, más desde outra experiência. Nas seguintes páginas, desenvolverei as particularidades que marcaram a experiência de Staden. Sobretudo porque sua situação é considerada quase inédita, pois o objetivo do cativeiro estava quase sempre destinado a prática de antropogafia. Neste termo, segundo Valéria Rodrigues da Costa (2004, 123-137), no seu artigo “Entre lo diferente y lo semejante”, a antropofagia se caracteriza pelo fato de seres humanos comerem carne humana.

Nesse caso, Staden não foi devorado devido a alguns elementos, tais como: seus embustes, seu comportamento um pouco covarde e também a percepção dos tupinambás sobre a origem de Staden.

No presente trabalho apresentarei o perfil de Hans Staden, sua experiência entre os selvagens e por fim abordare sobre sua situação de cativo e relatarei sua sobrevivência e o que significou o “willkomen” .

1.A aventura de Hans Staden no Brasil

Hans Staden, o artilheiro alemão, foi contratado pelos portugueses em sua primeira viagem ao Brasil entre os anos de 1547 e 1550, depois pelos espanhóis com destino ao Rio de la Plata, mas por causa de uma tempestade a rota foi desviada até o Brasil. Essa viagem de Staden está marcada por seu cativeiro entre os tupinambás, tribo de canibais que habitava o Brasil no século XVI. Sua aventura está relatada no livro Viagem ao Brasil, que foi publicado em 1557 em Malburg, Alemanha. O livro apresenta um Hans Staden narrador, que, ao longo de seus escritos, relata sua experiência como cativo e traça sua auto representação como protagonista de uma aventura. Desta maneira, a obra de Staden apresenta-se, na primeira parte, como um relato de seu cativeiro e de rituais antropófagos; na segunda, Staden preocupa-se em descrever os indígenas e também a alteridade apresentada pelos tupinambás. Depois de um longo período entre os selvagens, Staden por fim, consegue voltar para sua terra, com ajuda dos franceses que comercializavam com os tupinambás e que o trocaram por presentes, visto que os franceses mantinham boas relações comerciais com os tupinambás e também porque Staden já havia mencionado anteriormente sua situação com um desses franceses que lhe havia prometido ajuda na hora oportuna.

Pode-se dizer, que este livro é de grande importância para o entendimento da cultura tupinambá e também da cultura brasileira referente ao século XVI, sendo considerado o primeiro livro sobre o Brasil e um dos primeiros sobre o Novo Mundo.

2. Hans Staden entre os selvagens

Os tupinambás foram tribos que ocuparam grande parte do litoral brasileiro, possuídores de experiências com outros povos étnicos, portugueses e franceses, além de outros grupos tribais que estavam em constante guerra. Entretanto, eles se destacavam por seu costume de comer carne humana. A prática da antropofagia é citada ao longo de Viagem ao Brasil (2007) de Hans Staden, segundo as observações e percepções que ele fez do “outro” representado pelo índio tupinambá nos seus escritos. No entanto, esta referência ao sujeito antropófago é tratado por Pigafetta de uma maneira que facilita o reconhecimento do sujeito que come a carne humana de seus inimigos e isso é facilmente observado por Staden, quando afirma que eles faziam isso para vingar-se e não para matar a fome.

A prática da antropofagia no século XVI era muito recorrente no Novo Mundo,  afirma Valéria Rodrigues da Costa ao citar que tal prática já era percebida por Vespúcio, antes de Hans Staden (2004, p.127) Ao mesmo tempo, Fonseca (1995) fala das impressões que o sujeito colonial possuía do ameríndio, sobretudo dos seus costumes e de sua prática antropofágica tão observada pelos viajantes e cronistas do século XVI.

A narrativa de Staden apresenta um narrador  preocupado em louvar e agradecer a Deus por não haver sido devorado, no entanto, o relato faz uma representação importantíssima, ao relatar aspectos significantes sobre a temática da antropofagia praticada pelos tupinambás:

Entonces vino aquél a quien él había sido dado para ser muerto y le pegó en la cabeza de modo que saltaron los sesos. Después lo dejaron tirado ante la choza y querían comerlo. Yo dije (que) no lo hicieron ( pues como él) había sido un/hombre enfermo enfermarían ellos también. Entonces ellos no sabían qué hacer pero salió uno de la choza en la cual yo estaba y gritó a las mujeres que hicieren un fuego al lado del muerto y le cortó la cabeza. Pues él (el esclavo) tenía un solo ojo y tenía mal aspecto por la enfermedad que había tenido ( por eso el salvaje) tiró la cabeza y chamuscó la piel de cuerpo sobre el fuego. Después lo despedazó y se repartió con los otros como es su costumbre y lo comieron excepto la cabeza e intestinos; a éstos les tenían asco porque él había estado enfermo (STADEN, 1944, 80)

Clicie Nunes (2001, p. 05) parafrasea o texto Viagem à terra do Brasil de Jean de Lery, em que o autor francês narra suas experiências no Brasil com os índios e faz referência ao cativeiro de Hans Staden e as coincidências observadas por eles sobre o sujeito ameríndio, posteriormente, narrados em ambos textos.

3. Hans Staden ,o cativo

Quase sempre o objeto de cativeiro é destinado à prática da antropofagia, mas o caso de Staden revela-se como uma exceção. Clicie Nunes (2001, p.05) novamente  aponta o caso  de Staden como uma relação distinta de cativeiro, pois ele consegue sobreviver, ainda que tenha sofrido no seu período de prisioneiro com a incerteza de ser ou não ser devorado. Tal fato relaciona-se com o posicionamento que os selvagens mantinham frente ao prisioneiro Hans Staden, pois em todo momento eles o ameaçavam em devorá-lo, gerando assim em Staden uma insegurança em relação ao seu futuro.

Apesar dessa sensação de insegurança, é importante apontar que, graças a este medo e incerteza, Staden teve condições para que ele pudesse observar melhor o sujeito tupinambá. Nesta perspectiva, Kim Beauchesne (2004, p. 107) afirma que o medo despertou em Staden o sentido para uma observação atenta dos atos desenvolvidos pelos tupinambás, especialmente de caráter canibal.

Dessa maneira, pode-se construir hipoteticamente a imagen do sujeito canibal, parafraseando Pigafetta no seu texto “Primer viaje en torno del globo” quando narra suas impressões sobre os selvagens comedores de homens encontrados por ele em sua breve estadia no Brasil, entre os anos de 1519-1522. Pigafetta (2004, p. 72) constrói a imagen do canibal que come carne humana, que é valente e que age desse maneira por vinganca.

Ao mesmo tempo, a construção da imagen do canibal feita por Hans Staden apresenta-se numa perspectiva do branco-europeu, como pagão, revestido de bestialidades e muito distante da cultura européia. Todas essas impressões percebidas por Pigafetta são comprovadas por Staden na sua experiência de cativeiro. Bolaños afirma que os traços típicos do canibal estão comumente relacionados com a falta de ordem civil, ao passo que constrói uma imagem que trata da condição destes comedores de carne humana, que para ele são uma mistura de humanos, mas não civilizados, e de bestas porque comem carne humana. Este aspecto é observado por Staden:

Y este Conian Bebe tenía delante de sí un gran cesto lleno de carne humana, comió de una pierna, me la tuvo delante de la boca (y) me preguntó si yo quería comer también. Yo dije:

– Un animal razonable difícilmente come al otro ¿comería entonces un ser humano al otro? Él mordió en ella (y) dijo:

-               Yo soy un tigreanimal. (STADEN, 1944, p. 92)

Nesse sentido, Todorov traça a imagen do canibal parafraseando as palavras de Montaigne:

Recordemos  el famoso retrato de los “caníbales” que nos ha dejado Montaigne. Es una nación, le diría yo a Platón, en la cual no hay ninguna especie de tráfico; ningún conocimiento de las letras…Así, pues, nos enteramos de lo que estos “caníbales” no son, de aquellos de lo carecen; pero, ¿cómo son, en forma positiva? Lo que Montaigne nos dice de ellos es bien pobre para alguien que se jacta de haber trazado un retrato de los “caníbales” a partir de las narraciones de testigos oculares.(TODOROV,2003,p.306)

Considerando tal comentário, percebe-se que Hans Staden é uma testemunha ocular e ninguém melhor que ele, um sobrevivente, para falar dos canibais, apresentando suas impressões e imagens estabelecidas por ele sobre o sujeito antropófago.

Assim, a figura do cativo Hans Staden ocupa um grande espaço na narrativa com expressões de sofrimento e  angústia, apresentadas pelo infortúnio vivido pelo protagonista segundo a construção de sua imagen de prisioneiro:

Ellos estaban parados en mí alrededor y me amenazaban de cómo iban a comerme. Ahora cuando yo estaba así en gran angustia y desconsuelo, pensé sobre lo que antes jamás consideré, es decir (sobre) el triste valle de penas en el cual vivimos aquí. (STADEN, 1944,p. 49-50)

Clicie Nunes acrescenta ainda que a visão de Staden é produzida sob o ponto de vista da vítima, a do possível sacrificado. Por esta razão, o ritual é narrado nesta perspectiva, privilegiando a posição do cativo que poderia ser sacrificado a qualquer momento. Esta atitude gera em Staden uma incerteza de ser ou não ser devorado e o coloca em constante conflito com seus pensamentos e acontecimentos que passam ao seu redor.

4-A ironia do “willkomen”

Desta maneira, Staden consegue manter-se vivo devido a vários embustes que favorecem sua sobrevivência e ao mesmo tempo contribui para que ele tenha uma vivência com os índios por nove meses.

Existem vários elementos que ajudaram Staden a não ser devorado, tais elementos são mentiras artificiosas utilizados por ele para enganar os tupinambás, seu comportamento covarde e também sua origen alemã.

Os embustes utilizados por Staden consistem em elementos da natureza usados para confundir os tupinambás, que mantinham uma relação muito forte com a mãe- natureza. Os índios acreditavam nos sinais da natureza e sabiamente Staden os aproveitava a seu favor.

Yo estaba triste y miré la luna y pensé entre mi mismo: oh, mi Señor y Díos, ayúdame en esta desventura a un fin bien aventurado. Entonces me preguntaron porque yo miraba tan continuamente la luna. Les dije entonces: yo reconozco en ella que está enojada. (STADEN, 1944, p.65)

Ao mesmo tempo, o comportamento apresentado por Staden em alguns momentos frente aos tupinambás contribuiu para que ele pudesse se salvar. Tal comportamento é apresentado por um Staden que, apesar de seus embustes, mostra-se também como um medroso e covarde para o valente guerreiro tupinambá:

Comencé a cantar con ojos lagrimeantes desde el fondo de mi corazón el salmo: desde profunda mi angustia clamo a Ti, etc. Entonces dijeron los salvajes: vean como él grita, ahora está descontrolado. (STADEN, 1944, p.49-50)

Desta maneira, Staden consegue sobreviver devido aos elementos utilizados por ele para  esse fim, mas simultâneamente faz-se evidente que sua prisão estabelece uma relação distinta do que na verdade seria um cativeiro. Na sua obra, Staden apresenta outros cativos que tiveram uma sorte diferente da sua, pois os outros foram devorados:

Entonces llevaron a los cautivos –cada uno el suyo– a su choza pero a los gravemente heridos los arrastraron a tierra y los mataron en seguida y a su costumbre los cortaron en pedazos y asaron su carne. Entre los que fueron asados en la noche hubo dos mamelucos que eran cristianos. Uno era un hijo de un capitán portugués llamado Jorge Ferrero. A ése lo había engendrado con una mujer salvaje. El otro se llamaba Jerónimo; a ese lo había cautivado un salvaje que era de la choza en la cual yo estaba y su nombre era Paraguá. (STADEN, 1944, p. 88-89)

O cativeiro de Hans Staden transforma-se em um tipo especial de prisão, pois ele não é devorado pelos selvagens e sua situação de prisioneiro vai mudando ironicamente, pois os tupinambás mantinham outro tipo de relação com Staden.

Assim, com o tempo, a relação dos selvagens com Staden ganha outro tom, parodiando a “boa-vinda” dos tupinambás em relação ao seu prisioneiro que passa a ter um comportamento contrário de um verdadeiro cativo. Ele começa a circular livremente entre os nativos, desenvolvendo um comportamento com elementos distintos daquele que tinha  quando foi aprisionado.

Desta maneira, o “willkomen”, ou seja, a boa-vinda, pode ser observado em várias situações apresentadas por Staden ao longo de sua obra. Pode-se caracterizar inicialmente este “willkomen” quando os tupinambás perceberam que Staden não era português, como pensavam anteriormente. Tais elementos estão relacionados com o vínculo de amizade que Staden mantinha com seu Deus, assim como a cor da barba, diferente dos portugueses, que as tinham quase sempre de cor negra, Staden por sua vez, a tinha de cor ruiva, e também, pode-se acrescentar a amizade com os franceses, por isso a situação de Staden estava mudando e os nativos já não pensavam nele como um português:

Así también ya hemos tenido y comido algunos portugueses pero su Dios no se enojó tanto como el tuyo. En este conocemos ahora que tú no debes ser un portugués. (STADEN, 1944, p. 70-71)

Dessa forma, ao dar-se conta que Staden não era português, pensaram então que, na verdade, ele poderia ser francês. É importante dizer que, para os tupinambás, apenas existiam portugueses e franceses. Os portugueses viviam em constante guerra com os tupinambás e os franceses por outro lado, mantinham uma boa relação comercial e de aparente amizade com eles. Desta maneira, Staden aproveita essa boa relação dos franceses com os tupinambás para fazer de seus planos uma realidade:

Y dije entonces (que) yo había ordenado a mi hermano que él viere de escaparse de los portugueses y fuere a nuestra patria y trajese un buque con muchas mercaderías y me buscara pues vosotros eráis rectos y me tratabais bien lo que yo quería premiar cuando viniese el buque. Y en todo el tiempo tuve que hacerles creer así lo mejor y esto les afectó mucho. Después decían entre ellos: él debe ser de seguro un francés, de aquí en adelante tratémoslo mejor. (STADEN, 1944, p. 79)

Ao mesmo tempo, os tupinambás pensavam que Staden mantinha uma relação íntima com seu Deus, pois quase sempre as orações de Staden eram seguidas coincidentemente por alguma expressão da natureza, interpretada pelos índios como uma intervenção de Staden diretamente com seu Deus:

Yo había hecho una cruz de un palo y (la había) erigido delante de la choza en la cual yo estaba; ante ella hice muchas veces mi oración al Señor y yo había ordenado a los salvajes que no la sacaran; de ello podría sobrevenir alguna desgracia pero ellos despreciaron mi plática… Poco después comenzó a llover mucho y duró varios días. Ellos vinieron a mi choza y pidieron (que) yo hiciere con mi Dios que la lluvia cesara porque si no cesaba, impediría realizar sus plantaciones pues era su tiempo de plantación.(STADEN, 1944, p. 94-95)

Além disso, Staden começa a participar de algumas atividades desenvolvidas pelos tupinambás na sua vida cotidiana, demonstrando que os nativos já começaram a vê-lo de outra forma: Estuve parado con uno que también era uno de los principales, llamado Paragua que había asado el Jeronimo. Este y otro más y yo estábamos parados y pescábamos. (STADEN, 1944, p. 95)

É necessário dizer que durante seu infortúnio, Staden pôde desenvolver suas observações, traçando ao mesmo tempo um perfil do canibal, que Todorov apresenta sob a perspectiva de Vespucio e que se repete em Staden:

La sociedad de los salvajes, según Américo Vespucio, se caracteriza por cincos rasgos: carencia de vestimentas; ausencia de propiedad privada; ni jerarquía ni subordinación; inexistente de prohibiciones sexuales: carencia de religión; y todo eso se encuentra resumido en la fórmula: “Vivir conforme a la naturaleza. (TODOROV, 2003, p. 308)

A medida que o perfil do canibal foi construído, são apresentados os elementos que fazem referência a antropofagia e ao sujeito cativo, neste caso, exemplificado por Hans Staden.

Ainda que tenha sobrevivido, sua história deixa um vazio, ao tratar do tema da antropofagia, pois no seu caso, houve cativeiro, mas não a prática da antropofagia em si, já que sabemos que ele pôde voltar para a sua terra e relatar seu infortúnio.

De todas as maneiras, os elementos relacionados ao “willkomen” de Staden lhe ajudaram a sobreviver e fazer de si um sujeito heróico, um sobrevivente que apesar dos sofrimentos, pôde voltar às suas origens e relatar suas impressões e experiências no Brasil do século XVI.

Conclusão

Ao terminar este trabalho, faz-se claro que efetivamente a prisão de Hans Staden o manteve como um “willkomen” ironicamente considerado na perspectiva de que não houve a prática da antropofagia em si. O presente trabalho intentou traçar um perfil do canibal de acordo com as impressões de Staden, baseadas nas considerações de Todorov e Pigafetta que tratam desta temática, aclarando o tema e apresentando elementos que são justificados ao longo da trajetória de Staden.

Ao mesmo tempo, tratou-se das inquietações que se apresentaram na sua posicão de cativo e da diferença entre sua situação e a de outros prisioneiros que tiveram um fim diferente do seu, por isso é que o caso de Staden gera tantas discussões e o caracteriza como uma exceção ao tratar de cativeiro. Assim, o caso do “willkomen” que sucedeu com Staden contribuiu para que ele conseguisse sobreviver, visto que o “willkomen” estava baseado na mudança de sua situação de prisioneiro, apresentando a idéia de que alguns elementos que foram tratados ao longo do texto foram de grande ajuda a sobrevivência de Staden, assim como o caso do “willkomen” em si.

Desta maneira, pode-se caracterizar o uso irônico do termo, num novo olhar que os tupinambás dão à sua vítima, pois é assim que começa o fio de esperança de Hans Staden em sobreviver a seu infortúnio entre os selvagens brasileiros e, por fim, voltar para a sua terra natal e poder escrever sua aventura vivida entre estes nativos do Brasil do século XVI.

Além disso, pode-se dizer que este trabalho contribui efetivamente para o estudo da prisão de Hans Staden, traçando os supostos motivos que fizeram dele um sobrevivente e uma exceção no tema de cativeiro no cenário geral do século XVI. Assim, pode-se acrescentar informações sobre os primeiros habitantes do Brasil Colonial e sua trajetória como um povo valente, forte, canibal, mas com uma postura capaz de proporcionar um “willkomen”, gerando, nessa perspectiva, futuros estudos sobre sua idiossincrasia como protagonistas de um “willkomen”, apesar de ser, na prática, antropófagos no passado.

Bibliografia

Primaria

STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. Sao Paulo: Martins Claret, 2007.

STADEN, Hans. Vera historia y descripción de un país de las salvajes desnudas feroces gentes devoradoras de hombres situados en el nuevo mundo de América. Buenos Aires: Coni, 1944.

Secundaria

BEAUCHESNE, Kim. La política del comer en Jean de Lery. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana. Año XXX, N.60, Lima-Hanover, Semestre de 2004, 99-119.

BOLAÑOS, Álvaro Félix. Antropofagia y diferencia cultural: construcción retórica del caníbal del nuevo Reino de Granada. Revista Iberoamericana (Pittsburgh). Vol. LXI. Enero-Junio 1995. n. 170-171. Número especial dedicado a Literatura Colonial: “Identidades y conquista  en América”.

COSTA, Váleria Rodrigues da. Entre el diferente y lo semejante: un viaje antropológico. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana. Año XXX, n. 60, Lima-Hanover, 2do Semestre de 2004, 123-137.

FONSECA, Pedro. Primeiros encontros com a antropofagia ameríndia: de Colombo a Pigaffeta. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana. Año XXX, n. 60, Lima-Hanover, 2do Semestre de 2004, 123-137.

NUNES, Clicie. Isla de Vera Cruz, Tierra de Santa Cruz/Brasil. Revista Acta Literaria. Año 2001, N. 26, Concepción, 131-143.

PIGAFETTA, Antonio. Primer viaje en torno del globo. Madrid:  Espasa, 2004.

TODOROV, Tzevetan. Sobre las buenas costumbres de los otros. Em: “Nosotros y los otros”. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003. 305-318.

 

Biografia da autora:

Nasci em Ibirataia, Bahia, sou graduada em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus, Bahia. Atualmente sou aluna do Mestrado em Literatura da Universidad de Chile em Santiago, Chile. Tenho trabalhos apresentados em alguns eventos nacionais e internacionais; ainda não tenho artigo publicado; más tenho resumos publicados nos anais dos eventos que participei em Cascavel, PR (Seminário Nacional de Literatura e História), Valparaiso, Chile (Conferencia Internacional La literatura y las ciudades), Santiago, Chile (Jornada internacional de estudiantes de postgrado en Humanidades). Sendo que os dois primeiros eventos apresentei o seguinte trabalho: El caso del “willkomen” de Hans Staden entre los indios tupinambás en Brasil. No último evento apresentei um trabalho sobre minha proposta de dissertação: La loz y el martillo en la escritura de Jorge Amado. Falo inglés, español e um pouco de alemão. Desenvolvi um projeto voluntário de leitura em Ibirataia, Bahia, chamado “Garagem da Leitura”.

Santos.daiana@bol.com.br ; daianacold@gmail.com
Daiana Nascimento dos Santos
San Sebastian, 2909,depto. 507, Las Condes
Santiago- Chile

Notas


[1] Trabalho apresentado como proposta final do curso “La reinvención de América Latina en la literatura de viajes” do Programa de Mestrado de Literatura  da Universidad de Chile

[2] Graduada em Letras pela Universidade de Santa Cruz em Ilhéus, Bahia, Brasil e aluna do Programa de Mestrado em Literatura da Universidad de Chile

                                                           



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