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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário
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_______________________________________________________ A música
brasileira de ayahuasca e a música de feitiçaria no Brasil [1] |
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Resenhas Biblioteca Entrevistas Primeiras Notas CONSELHO EDITORIAL Arneide Cemin Ednaldo Bezerra Freitas Valdir Aparecido de Souza |
Arneide
Bandeira Cemin [i] “...
A música é uma parceira instintiva, imediata e necessária, tanto das práticas
da alta magia das civilizações espirituais, como da baixa feitiçaria das
civilizações naturais...” (Mário de Andrade). O
Livro de Beatriz Caiuby Labate e Gustavo Pacheco, A música brasileira de
ayahuasca, Mercado de Letras; apresentando a qualidade e o cuidado que
caracterizam os autores, é um feliz acontecimento editorial. A
obra, de fácil, agradável e esclarecedora leitura inicia com uma apresentação
dos autores, seguida de prefácio de José Jorge de Carvalho, que indaga: “...
será a música então, poderosa apenas quando é ritualmente permitida e impotente
quando não é chamada? (pg. 06). Na introdução os autores esclarecem que o
objetivo do trabalho é oferecer uma visão panorâmica sobre o tema, enfocando o
papel da música naquilo que concerne à experiência religiosa, bem como,
esclarecer o que há de comum e de específico às duas vertentes mais conhecidas
das Religiões ayahuasqueiras no Brasil e em outros países: o Santo Daime e a
União do Vegetal. Dedicam
um tópico sobre metodologia e ética, que além de ressaltar uma questão
importante na relação dos pesquisadores com a União do Vegetal, até então
caracterizada por exigência de controle dessa instituição sobre o que é
produzido a respeito de si; indagam acerca do quanto essa tensão pode
contribuir para os limites entre a ética dos pesquisadores e o controle
institucional dos grupos religiosos. Como equilibrar cientificidade com as
atitudes de respeito ao sigilo requerido pelo esoterismo estabelecido pela
instituição religiosa, quando organizada por graus iniciáticos que propiciam
certos conhecimentos restritos aos membros iniciados e apenas a eles? Outra
questão pertinente que os autores propõem, é sobre a dimensão da experiência
religiosa que afeta os pesquisadores em seus trajetos de pesquisa com a
ayahuasca, e que não são expostas em suas etnografias. O capítulo
que caracteriza a vertente do Santo Daime e o outro relativo à União do
Vegetal; fornecem informações detalhadas sobre as origens, os desenvolvimentos
e as características organizacionais e rituais de cada vertente, constituindo
excelente introdução aos que iniciam leituras sobre o tema, e aos
pesquisadores, fornece síntese daquilo que já se escreveu sobre o assunto,
permitindo um bom acompanhamento da evolução dos estudos. No
tópico sobre as matrizes comuns ao Santo Daime e à União do Vegetal no que diz
respeito aos tipos e usos da música, os autores situam as tradições indígenas e
caboclas, as expressões do catolicismo popular da Amazônia e do Nordeste, bem
como, a tradição esotérica européia e seu modo de dispersão sobre o campo da
religiosidade popular no país. Indicam que as músicas explicitam o modo das
relações de gênero em ambas as vertentes e remetem para a obra de CEMIN (1988;
2001); o tratamento dessa questão no CICLU/Alto Santo (AC) e no CECLU/ Porto
Velho (RO). Em
“Matrizes comuns, abordagens diferentes”, os autores elucidam o modo pelo qual
a música é instrumento de construção de valores doutrinários nos grupos
religiosos, evidenciando que na União do Vegetal, a música é usada de modo
pontual, coerente com “uma verdadeira economia simbólica da palavra” (pg.40)
naquele agrupamento, em contraste com o Santo Daime que se caracteriza como um
culto essencialmente musical, conforme registrado pelo conjunto de
pesquisadores, fato reconhecido por LABATE e PACHECO. Para
estes autores, haveria um “tom” mais emocional no Santo Daime, em contraste com
uma racionalidade maior na União do Vegetal, de tal modo que, no campo da
experiência corporal e da musicalidade e seus modos de usos, eles sintetizam essa
idéia nas categorias nativas “gravar no coração” e “gravar na memória”. Os
autores detalham os modos de recebimento dos hinos, inclusive em outras
línguas, caso dos núcleos de ambas as vertentes no exterior. Naquilo que
concerne ao Santo Daime, destacam a proliferação de hinos “recebidos do astral”;
enquanto na União do Vegetal constam poucas “chamadas” recebidas
espiritualmente, sendo largamente utilizadas músicas profanas, sacralizadas
pela escolha dos mestres que analisam suas mensagens; sendo a audição das
mesmas nos rituais, também determinadas pelos dirigentes. Em a
“A música e a experiência ayahuasqueira”, última parte do livro, os autores
iniciam por esclarecer a controvérsia acerca das classificações biomédicas, nativas
e antropológicas acerca da denominação: se “alucinógeno” ou “enteógeno; além de continuar o detalhamento das distinções
entre os dois grupos, esclarecendo aspectos técnicos da análise musical, sem
sobrecarregar o texto com conceitos inalcançáveis para os não especialistas, de
modo que a abordagem técnica não compromete a clareza do texto para o grande
público. Ficamos esclarecidos sobre as diferentes maneiras pelas quais a música
estrutura a experiência religiosa. Os autores afirmam que a análise musical
“parece explicitar que há mais continuidade entre estes grupos do que a
auto-representação de cada um deles parece querer fazer valer” (pg. 52) Enfocando
a epigrafe que abre esta resenha, considero que LABATE e PACHECO retomam, sem
intencionalidade, um projeto iniciado por Mário de Andrade. Digo sem
intencionalidade, visto que o autor não é mencionado na obra, não constando mesmo
da bibliografia. Entretanto, valeria à pena, em nova edição do texto, um
contraponto entre Mário de Andrade, em obras tais como “Música de Deus”,
“Geografia Religiosa do Brasil” e o precioso, “Música de feitiçaria no Brasil”,
(este último organizado por Oneyda Alvarenga). Nesta obra, o autor distingue e
analisa as diferenças técnicas e sociológicas das diversas expressões religiosas
no Brasil, além de elucidar o seu valor moral, desde os gregos, passando pelo
cristianismo: “ora, se a música é assim divina, e provinda de Deus que a ensina ao homem, nada mais conseqüente do que imaginá-la dotada de qualidades extra-físicas. A mais importante é a de lhe atribuir força moral...”. (ANDRADE, 1941/1983, pg. 48). A
obra de Mário de Andrade apresenta ainda, partituras das músicas de Catimbó,
além de notas etnográficas sobre os mestres interlocutores do autor em sua
pesquisa de campo; além de notas diversas. O contraponto interessa, porque Mário
de Andrade trata da tradição ameríndia também na linha da “Jurema”,
esclarecendo o que unifica a pajelança, a linha de mesa, o candomblé de
caboclo, o catimbó, entre outras expressões da religiosidade brasileira. O
que há de comum entre “A música de ayahuasca” e as obras de Andrade aqui referidas,
é a etnografia cuidadosa, o conhecimento do assunto e a conclusão, pois LABATE
e PACHECO afirmam ao final que “não é possível separar pessoa, substância e
música: os espíritos, os mestres e a ayahuasca se comunicam por meio da música”
(pg. 53). Em
cerca de cinqüenta e três páginas, (formato livro de bolso) os autores vão de
questões éticas e metodológicas, passando por sínteses de dados etnográficos
próprios e de outros pesquisadores, inovando no campo dos estudos sobre a
ayahuasca, ao tratar de modo específico das características musicais e seus
modos de usos em cada grupo e em suas extensões para fora do país, esclarecendo
similaridades, diferenças e superposições. “A música de ayahuasca no Brasil”,
vale por tudo isso, e pelo prazer da leitura pessoal, que certamente falará a
cada um em ritmo próprio; mas com certeza, em belas harmonias.
ANDRADE, M. Música de feitiçaria no Brasil, Belo Horizonte/Brasília, Editora
Itatiaia Limitada/Instituto Nacional do Livro/Fundação Nacional Pró-Memória,
1983. CEMIN, A. B. Ordem, Xamanismo e Dádiva: o
Poder do Santo Daime. Tese de Doutorado em Antropologia, USP, 1998. _____. Ordem, Xamanismo e Dádiva: o Poder
do Santo Daime. São Paulo, Terceira Margem, 2001. _____.O
livro sagrado do Santo Daime. http://br.monografias.com/trabalhos903/livro-sagrado-santo-daime/livro-sagrado-santo-daime.shtml.
Acessado em 28/11/2009. [1] Texto publicado em http://www.neip.info/html/objects/_downloadblob.php?cod_blob=526 e no Blog http://www.bialabate.net/news/site-do-neip-publica-resenha-livreto-musica-brasileira-de-ayahuasca [i] Doutora |
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