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Primeiras Notas
CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Valdir Aparecido de Souza
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1. Amigos vamos
zarpar/ Paz ou alegria/ Um eco divino nos protegerá/ Amigos,
vamos zarpar/ Desafiando o destino/ Memória e prodígio
nos acompanharão// Sigamos sobre as vagas da alegria e do pesar/
A rota mais romântica/ Do navio que vai/ O navio que vai/ Vamos
partir, partir/ O navio que vai.
É sob esta cantata que, em julho de 1914, um grupo de
admiradores da maior cantora lírica de todos os tempos, Edmea
Tetua, parte da Itália, a bordo do Gloria N. rumo à ilha
de Érima. O objetivo da viagem? Assistir ao funeral da cantora
que, segundo vontade expressa em testamento, determinou a
dispersão de suas cinzas naquela que fora sua ilha natal. Uma
rota romântica, como diz a canção.
Quem segue nesta viagem e quem são os personagens desta rota?
Vamos descobri-los imediatamente após a cena da partida. Estamos
no interior do navio. A câmara se movimenta da cozinha, lugar de
agitação, barulho, fumaça, calor e
confusão, para a ampla sala do refeitório, limpa e
silenciosa, na qual já se encontram, em volta das mesas,
afetados passageiros.
Orlando, o jornalista-narrador, começa por apresentá-los.
Ali se encontram os diretores do Scala de Milão e da Opera de
Roma, um médium clarividente, um tenor, uma colunista social, um
baixo, duas sopranos, dois professores de canto, um barão
inglês e sua esposa, um egípcio (suposto amante de Edmea
Tetua) e seu harém, a cantora que disputa o lugar de sucessora
de Edmea Tetua, um russo... Por último, são anunciados,
com pompa e sob ovação, o grão-duque de Herzog,
sua irmã Lerimia e as pessoas do grupo palaciano. Outros
personagens serão apresentados ou aparecerão depois. Eles
compõem o círculo social mais elevado, são os
passageiros da primeira classe.
A segunda classe é composta pela tripulação que
priva da companhia destes passageiros, os oficiais. Depois vem a
terceira classe, a dos marinheiros, a do pessoal de copa e cozinha, a
dos serviçais. E, na base de tudo, isolados dos demais, os
operários navais que alimentam as caldeiras e controlam o
funcionamento da maquinaria sem a qual o navio não vai.
Trata-se de uma ordem vista com absoluta naturalidade. Quando os
artistas visitam a casa de máquinas, segundos antes dos
operários lhes pedirem uma canção para
minorar-lhes o sofrimento, trava-se o seguinte diálogo:
- Aquela é a caldeira principal – diz o oficial para uma das ilustres passageiras.
- Quanto tempo eles ficam aqui? – pergunta ela.
- Estão tão acostumados que ficam doentes quando saem.
Finalmente aparecem, no terceiro dia de viagem, aqueles que
estão à margem da sociedade ocidental. Uma espécie
de quarta classe, eles participam incidentalmente da viagem. São
os sérvios que, alojados no convés, foram resgatados do
mar como refugiados da guerra que havia eclodido após o atentado
ao arquiduque austríaco em Sarajevo. Camponeses, pastores,
ciganos...e estudantes perseguidos pela polícia.
Eis, portanto, na película E la nave va, de Federico Fellini, o resumo da sociedade no momento em que a Primeira Guerra envolve o centro do mundo, a Europa.
2. O tema abordado pelo genial cineasta italiano em 1983
não é propriamente original. Na literatura americana,
Katherine Anne Porter deixou-nos o fantástico Ship of fools, um romance publicado originalmente em 1962.
O romance de Porter, escrito entre 1941 e 1961, trata da viagem dos passageiros e tripulantes do navio Vera
que parte do porto de Veracruz, no México para alcançar o
de Bemerhaven, na Alemanha, no período compreendido entre agosto
e setembro de 1931.
Nas páginas iniciais, a autora faz o rol dos personagens a bordo
do navio: alemães, suíços, espanhóis,
cubanos, mexicanos, americanos, nas primeiras classes, separam-se das
oitocentas e setenta e seis almas que viajam na terceira classe, espanhóis,
homens, mulheres e crianças, trabalhadores dos canaviais de
Cuba, recambiados para as Canárias e vários portos da
Espanha (e seus lugares de procedência), após o crash do mercado de açúcar. (Porter, 1964: XIII)
Qual a situação que se encontraria na Alemanha, ao final da viagem do Vera?
Simone Weil escreveu sobre as suas primeiras impressões do
país em 1932, na qual tudo parecia excessivamente normal;
vivia-se uma calma que tinha algo de trágico. O desemprego
generalizado afetava a moral dos trabalhadores. A crise econômica
havia rompido a possibilidade de cada um resolver por si seu
próprio destino. O problema era o bloqueio do caminho coletivo
pela atmosfera de derrotismo dominante entre os operários. A
profunda divisão no movimento operário era ainda agravada
pelo fato de que a maioria dos operários comunistas, ao
contrário dos social-democratas, estava desempregada. Era
evidente a necessidade de uma frente política entre comunistas e
social-democratas, posição também defendida por
Krakowski, um jovem comunista polonês no ensaio “O perigo
de uma nova barbárie na Europa”, escrito na primavera de
1932.(2) Apelos em
vão. O resultado da cisão no movimento operário
foi o de deixar a política nacional exclusivamente nas
mãos das facções partidárias burguesas. Mas
as disputas entre estas facções ficaram obscurecidas pela
complexidade das relações da burguesia com o partido
nacional - socialista. Que acabaria por ser chamado ao governo e
tomaria o poder, de modo violento, em 1933.
3. A imagem simples e quase universal do navio do mundo é parte de uma alegoria muito antiga, como nos informa Katherine Anne Porter em breve apresentação:
O título deste livro é a
tradução do alemão “Das Narrenschiff”,
uma alegoria moral de Sebastian Brant (1458? - 1521), publicada pela
primeira vez em latim sob o título Stultifera Navis, em
1494. Eu a li em Basiléia no outono de 1932 quando ainda tinha
bem vívidas na memória as impressões de minha
primeira viagem à Europa. Quando comecei a pensar em meu
romance, apropriei-me dessa imagem simples e quase universal do navio
do mundo em sua viagem para a eternidade. Não tem ela nada de
novo, pois já era bem velha, perdurável e familiar e
muito querida quando Brant a usou; e serve exatamente ao meu
propósito. Eu própria sou uma passageira dessa nau. (Porter, 1964: VII)
De fato, esta imagem da sociedade humana descrita no poema de Brant,
era, de acordo com Tolnay, um tema já explicitado desde meados
do século XIV.
O terrível século XIV, como o denominou Barbara Tuchman em sua obra Um espelho distante,
começou com um período de chuvas e de frio, quebra das
safras agrícolas, crise de subconsumo, alta de preços
e... fome. Epidemias de fome, quer dizer, altas taxas de mortalidade. A
cisão dentro da Igreja Católica e a transferência
do papado para Avinhão, na França, marcaram, no plano
espiritual, a época com o sinete da decadência, à
qual a epidemia de peste, iniciada em 1347, emprestaria as cores negras
do juízo final. Estima-se que, por volta de 1350, quando cessou,
a peste tenha eliminado um terço da população
européia. A devastação, paradoxalmente, fortaleceu
o campesinato em suas disputas com os senhores feudais e o clero.
Também entraram para a história as revoltas do incipiente
proletariado urbano, em Florença, no ano de 1378(3)
e do campesinato na Inglaterra, em 1381. Foi John Ball, pároco
rural quem, neste último ano, melhor exprimiu o sentimento
contra a opressão, em seu famoso sermão sobre o tema da
desigualdade (Guimpel, 1977: 187): Quando Adão cavava a terra e Eva fiava, onde estava o fidalgo? (4)
Esse foi igualmente o período da mais longa guerra
européia, a Guerra dos Cem Anos, entre a Inglaterra e a
França. A tentativa inglesa de conquistar a França
começou em 1337. A recuperação francesa aconteceu
após 1360, mas a invasão de Henrique V, em 1415, deu
novamente o controle dos territórios ao norte à
Inglaterra. Finalmente, em 1453, as forças inglesas
remanescentes foram expulsas. Quando o conflito acabou, a
geopolítica européia também se definiu ao leste,
com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. A expansão
ibérica para o ocidente já iniciara com os portugueses e
em breve os espanhóis os seguiriam. Também por volta
deste ano, o império chinês retraiu-se dos mares,
voltando-se para seu próprio território. A hora da
burguesia havia soado e a Idade Moderna começou.
4. Este conjunto de experiências coletivas de grande
dramaticidade provavelmente fixou-se em diferentes expressões
artísticas, dentre as quais interessam-nos aquelas associadas
à narração alegórica da “barca dos
loucos”.
Foucault dedica um capítulo de sua História da loucura na idade clássica ao aparecimento, na paisagem imaginária da Renascença, do estranho barco que desliza ao longo dos calmos rios da Renânia e dos canais flamengos.
A ascensão da loucura através das imagens
fantásticas da Nau dos Loucos – as quais tem uma
correspondência no costume de expulsar os loucos, de
embarcá-los para longe dos muros das cidades – não
nos interessa aqui senão na medida em que se faz metáfora
da sociedade. A navegação entrega o homem à
incerteza da sorte, diz Foucault. A incerteza que nasce com a aurora da
modernidade, tempo em que intervêm as obras dos pintores da
Renascença do norte, Dürer e Bosch.
Sabe-se que Albrecht Dürer (1471-1528) fez gravuras para uma das
edições do livro de versos de Brant que Edith Simon
(1980) apresenta em seu livro. As gravuras mostram os disparates
humanos: um barqueiro cuida da vela enquanto o barco se desagrega a
seus pés, um bufão apaga o fogo da casa do vizinho
enquanto a sua casa arde.
A Nave dos Loucos, atribuída a Jeronimus Bosch (c.
1453-1516) é, sem dúvida, a mais bela e famosa
criação da “narragonia” e confere a esta
representação pictórica o sentido temporal da
experiência coletiva da humanidade, que somente a
invenção do cinema, séculos depois (e mesmo assim,
sem tal poder de síntese) poderá exprimir com tamanha
profundidade. Na pintura de Bosch, camponeses, clérigos, um
músico e um nobre, uma mulher (alcoviteira?), um bufão e
outros personagens, num total de doze – aos quais é
servida uma refeição de morangos, a fruta da
voluptuosidade – divertem-se despreocupadamente enquanto a nave
na qual se encontram segue à deriva, circundada pelas figuras
nuas de um homem e de uma mulher. Tudo resultará num enorme
mal-estar, pois, como afirma José-Augusto França, este
deve ser o sentido de um passageiro que, na proa da nave, vomita como
se seu próprio ser estivesse a se desagregar. A nave é um
microcosmo da sociedade representada simbolicamente: no mastro central,
assemelhado a uma árvore, símbolo da vida, mas igualmente
do apetite sexual, um assado está amarrado e, na
“copa”, após a bandeira na qual se inscreve o
símbolo do crescente, uma caveira espreita entre a folhagem.
Para José Roberto Teixeira Leite, as ramagens ao alto do mastro
não são de autoria de Bosch e teriam sido acrescentadas
posteriormente para ocultar algum dano. Mas assim destruíram
a sensação de oscilação, de precariedade
que o pintor certamente desejou imprimir ao barco. O sentido moralizante e religioso da obra aparece na bandeirola. Segundo esse autor (Leite, 1956:72),
O crescente que nela se vê, é indiscutivelmente
uma alusão à Heresia, e herejes são pois os
passageiros do absurdo naviozinho, sem velas e sem leme, a derivar
pelos mares.
Poder-se-ia igualmente supor que o número de personagens alude
aos 12 apóstolos de Cristo, ou seja, à Igreja
Católica, e a barca representaria o desgovernado mundo da
cristandade que, em breve, seria denunciado pelos reformistas. Importa,
contudo, o sentido explícito na obra. A Nave dos Loucos
apresenta-nos a folia dos homens numa barca à deriva, sem
destino, pois o leme foi abandonado pelo piloto tão louco como
os passageiros. Segundo José Augusto França, os versos de
Brant dizem
nossas viagens não tem fim,
que ninguém sabe onde abordar.
Diz ainda França (1994: 45)
É muito provável que outros painéis
tenham completado este que chegou até nós, porque se
conhece um desenho (na Akademie der Bildenden Kunst de Viena) em que se
vê o mesmo barco, bizarramente carregado, arder no mar. Assim, a
folia dos homens, aqui denunciada, teria seu castigo transcendente um
pouco mais longe, no seguimento de uma história moralizadora.
Assim, nesta última versão, ao
tempo humano que dá origem às crônicas – um
tempo cheio de contradições e peripécias, mas
também um tempo de vanglória – opõe-se o
tempo cosmológico, um tempo imperscrutável, numa
oposição dialética também representada na
“narragonia” de Brant. Mas a viagem não é
eterna.(5) Seu desfecho virá com o Juízo Final.
5. O folheto avulso ou cordel Auto da barca do inferno
de Gil Vicente, publicado em 1515, é uma
representação cômica de viagem com semelhante
desfecho. Na peça do dramaturgo português, os homens ainda
tentam negociar, com o Anjo e o Diabo, o julgamento divino dos seus
atos e pecados, a fim de escapar da condenação. Os homens
são personificações de tipos sociais, de
“classes”: o fidalgo, o parvo (bobo), o sapateiro, o
onzeneiro (agiota), o frade, a alcoviteira, o judeu, o corregedor e o
procurador (os burocratas), o enforcado (escrivão
testa-de-ferro) e os cavaleiros. A morte, destino comum de todos os
homens, submete-os, contudo, à vontade de Deus. É
importante notar que neste momento acontece uma inversão da
ordem terrena e um questionamento à doutrina católica da
salvação, seja de ricos ou de pobres, pela fé e
pelas suas obras. Gil Vicente proclama, em sua peça teatral, que
a verdade está entre os pobres. Apenas os simples, os que
não exploram e são devotos da verdade cristã,
é que podem entrar na barca do Paraíso. Os demais
são, como as denomina o Anjo almas embaraçadas, obrigadas
a tomar o batel sob o comando do Arrais do Inferno.
Há em Gil Vicente uma intenção moralista comum
à época. Contudo, o mais interessante é que, tanto
na representação simbólica de Bosch quanto no Auto
vicentino, percebemos na visão simplificada da sociedade uma
espécie de categoria subjacente – a de totalidade.
Trata-se, na verdade, de uma representação coletiva, quer
dizer, da alegoria do theatrum orbis terrarum.
Todos, soldados, camponeses, comerciantes, padres, alcoviteiras, reis,
desempenham um papel num cenário, participam do grande
espetáculo do mundo, um espetáculo que nós,
séculos depois, ainda podemos admirar.
6. Voltemos, então, ao filme de Fellini. Mesmo se
a viagem do navio parece ter um destino a conferir sentido à
vida dos passageiros e tripulantes, descobrimos que não é
bem assim. O jornalista-narrador, na solidão de sua cabine,
confessa:
Isso não é nada. Apenas reflexões que
anoto ao caso. Uma espécie de diário. Sim, eu escrevo,
conto coisas. Mas o que posso contar? Uma viagem de navio? A viagem da
vida. Mas isso não se conta...se faz...e é só.
É banal, não? Já disseram isso? Melhor assim. Tudo
já foi dito...e feito.
Na alusão ao que já foi dito: talvez Fellini quisesse recordar a passagem célebre do monólogo de Macbeth, de Shakespeare: a vida...é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muita barulheira, que nada significa.
(Shakespeare, 2000) A vida é uma tragicomédia, um
conjunto de representações mais ou menos bem sucedidas,
ou aceitas. Em conseqüência, todos os atos – mesmo os
mais nobres e prodigiosos – são vistos com ironia, ou
mesmo sob um tom jocoso.
Os episódios da viagem envolvem o conde Bassano, fã de
Edmea, um tipo ambíguo que, a pretexto de fundar um museu em
memória da cantora, é sustentado por ela há anos.
Ou o pervertido barão inglês Sir Reginald, que participa
da viagem apenas por ter financiado uma apresentação de
Edmea em Londres. E a entourage
do grão-duque Herzog, um tipo imbecil que em matéria de
política "tem oito anos". Há episódios
tragicômicos como a competição entre os cantores,
diante da platéia dos operários próximos à
caldeira principal, momento onde o maravilhoso irrompe. Também
aí pequenos gestos e sinais de estupidez insinuam-se. Tampouco a
ciência é poupada, como na cena na qual os passageiros e
tripulantes são chamados para assistir ao evento da hipnose...de
uma galinha.
O sentimento de loucura vai aumentando ao longo dos dias. Um cheiro
insuportável faz descobrir a existência, no porão
do navio, de um rinoceronte que está doente. Então, no
terceiro dia da viagem, acontece o resgate de náufragos. A rota
que parecia romântica vai, doravante, evoluir para a
catástrofe. Após noite enlouquecida por uma dança
que "invoca os espíritos que governam o crescimento das
sementes" – um verdadeiro frenesi de vida, uma sorte de sabor de
catástrofe a mover tripulantes e passageiros de todas as classes
– tem início a tragédia, com o aparecimento de um
navio de guerra da frota austro-húngara. O comando do navio
militar exige a entrega dos refugiados sérvios. E como o
capitão do Gloria N. recusa-se, desenrola-se uma demorada
negociação na qual o grão-duque de Herzog tem o
papel decisivo. Pois ele compromete-se a entregar os sérvios
à sorte de seus opressores e, deste modo, obtém a
trégua para o Gloria N. lograr o seu objetivo. As cinzas de
Edmea são dispersas na proximidade de sua ilha natal. Ato
contínuo, os sérvios são entregues, sob o comando
do grão-duque de Herzog, ao comando do navio militar. Os
artistas, reunidos no convés do Gloria N., cantam:
As trevas já invadem o espaço marítimo
Enquanto tocam os acordes de uma valsa de Strauss, os gritos Guerra! Guerra! Guerra! anunciam
o atentado "terrorista" contra o navio militar pelos estudantes
sérvios, ao qual se segue o ato final da catástrofe, com
o afundamento dos dois navios.
No Gloria N. o conde Bassano assiste a um filme no qual a grande
cantora aparece fazendo brincadeiras, enquanto a água invade a
câmara. Mais um e derradeiro ato de loucura. Não
há, porém, pessimismo na agonia. Ama, crê, espera, diz a canção enquanto o Gloria N. afunda no oceano.(6)
Vemos, na cena final, num barco à deriva, o jornalista-narrador
na companhia do rinoceronte. Ele dá então a última
e decisiva informação:
Sabiam que o rinoceronte dá um leite formidável?
Na obra felliniana, o navio afunda como conseqüência da
guerra. Mas salvam-se, num bote à deriva no oceano, o narrador e
o rinoceronte (o "capitalismo"). Podemos imaginar nesse
naufrágio o fim de uma cultura que estava associada ao movimento
socialista constituído em fins do século XIX.
Em abril de 1915, no curso da guerra fratricida, em meio à
ditadura militar e à censura à imprensa, ao denunciar o
chauvinismo da social-democracia na Alemanha, Rosa Luxemburg ainda
sonhava com a revolução que viesse resgatar a humanidade:
No nosso navio, transportamos os mais preciosos tesouros da
humanidade, confiados à guarda do proletariado, e se bem que a
sociedade burguesa, difamada e desonrada pela orgia sangrenta da
guerra, continue a precipitar-se para a própria perda, é
necessário que o proletariado internacional se corrija, e
fá-lo-á, para reunir os tesouros que num momento de
confusão e fraqueza, no meio do turbilhão desencadeado
pela guerra mundial, deixou escorregar para o abismo. (Luxemburg, s/d : 13)
O nosso navio, diz ela. A imagem dos operários da casa de
máquinas, em aliança com parte dos tripulantes, dirigindo
um motim para assumir o controle do navio, vêm-nos imediatamente
à mente: é como se o movimento operário
social-democrata alemão, com sua grande rede de sindicatos,
movimentos de jovens e de mulheres, círculos de leitura, escolas
e clubes desportivos, à cabeça do qual se colocava, com a
imprensa de um lado e a tribuna parlamentar de outro, o partido,
estivesse prestes a desprender-se da sociedade burguesa.
O turbilhão da guerra mundial no qual o partido social-democrata
alemão submergira com sua postura chauvinista, gerou, contudo,
no outro lado da trincheira, ao leste, na Rússia, a
possibilidade deste desprendimento: milhares de soldados voltaram as
armas contra seus próprios oficiais e depuseram, em seguida, a
autocracia czarista. Entre fevereiro e outubro de 1917, o país
oscilou entre dois poderes, o da democracia burguesa que se transformou
em Assembléia Constituinte e o da democracia
operário-camponesa, organizada nos conselhos de deputados
(sovietes). A insurreição militar sob a liderança
bolchevique decidiria o rumo da revolução em favor dos
sovietes e do socialismo.
Rosa escreverá, um ano depois, na prisão: a revolução russa significou a reabilitação do socialismo internacional. (Luxemburg, 1969: 89)
Sim, os preciosos tesouros da humanidade foram confiados à
guarda do proletariado russo, mas sob as mais terríveis
condições.
Uma imagem de grande impacto emocional capaz de
resumir a memória desta experiência revolucionária,
compartilhadas por milhões de pessoas, foi-nos legada por
Antonio Gramsci numa carta datada de 18 de abril de 1927. Nesta, para
explicar à esposa, Julija Schucht, seu estado de espírito
no Cárcere de Milão, recorre a uma metáfora
concreta, a narrativa da viagem de Nansen(7) ao pólo Norte. Novamente aparece a imagem da sociedade como um navio, agora já desprendido da sociedade burguesa:
Nansen, tendo estudado as correntes marinhas e áreas do
Oceano Ártico, depois de observar que se encontravam nas praias
da Groenlândia arbustos e detritos que deviam ser de origem
asiática, pensou que poderia alcançar o Pólo ou
pelo menos suas proximidades, fazendo com que a nave fosse transportada
pelo gelo flutuante. Assim, deixou-se aprisionar pelo gelo e durante
três anos e meio sua nave se movimentou apenas quando,
lentissimamente, deslocavam-se os blocos. Meu estado de espírito
pode ser comparado aos marinheiros de Nansen durante esta viagem
fantástica, que sempre me tocou por sua ideação,
verdadeiramente épica. (Gramsci, 1978: 62-63)
A imagem da nave carregada pelas correntes marinhas,
avançando lentamente em meio aos gigantescos blocos de gelo
é de uma grandeza de fato heróica. E trágica. Se
tivermos em mente o propósito político desta
metáfora de grande força, na qual ele próprio se
vê como um marinheiro, entenderemos Nansen e os marinheiros como
o partido revolucionário que, com o único apoio da
Internacional Comunista, conduz uma faminta e desesperada Rússia
a caminho para o socialismo, uma nau flutuando ao sabor das
águas densas, geladas e mortais do oceano ártico,
expressão do cerco que lhe fazem as potências do mundo
capitalista.
O abismo. Conhecemos o desfecho trágico da
revolução alemã, em 1919. Sabemos do isolamento e
da liquidação da maioria da classe operária na
Rússia socialista, faminta e cercada por um mundo capitalista
hostil, entre 1918 e 1920. A classe operária foi a grande
derrotada da Primeira Guerra Mundial. Mais de uma década depois
do assassinato de Rosa Luxemburg e Karl Liebcknecht a mando dos
socialistas de direita Friedrich Ebert e Gustav Noske, na Alemanha
quase completamente controlada pelo nacional-socialismo sob a
liderança de Adolf Hitler, o escritor Thomas Mann comenta, em
carta dirigida ao jurista Eugen Fischer-Baling, datada de 4 de
fevereiro de 1933, as passagens do livro deste autor sobre os
acontecimentos revolucionários de 1918-19:
...no tocante à minha pessoa, teria desejado que o seu
autor se comportasse de maneira menos “justa” nos pontos
relativos à revolução e que dispensasse,
retrospectivamente, um maior reconhecimento às exigências
e propostas dos adversários socialistas de Ebert e Noske.
Estaríamos nós onde estamos hoje se a
revolução tivesse se imposto com mais fé em si
mesma?(8)
Nesta observação em que se ouvem ecos da crítica
leninista ao voluntarismo da Liga Espártaco sob a
liderança de Rosa e Liebcknect, por não ter
lançado mão da organização e
técnicas revolucionárias capazes de assegurar o
êxito da insurreição armada, podemos dar-nos conta
de que o rumo da história mundial esteve ali enfeixado, nos
febris meses de novembro de 1918 a janeiro de 1919. Mas a
crítica peca no essencial: a revolução
alemã foi derrotada porque o movimento operário que lhe
deu suporte, em Berlin e outras cidades, era minoritário. A
maioria ainda estava sob a influência do socialismo de direita,
acreditava em objetivos a serem alcançados no interior da ordem
capitalista. (Loureiro, 1995)
Os partidos social-democratas tradicionais, a exemplo do partido
alemão, deram lugar a uma burocracia reformista e integrada que
se desenvolveu, porém, numa atmosfera de oposição.
O paradoxo desta integração econômica e social
diante de uma cultura e ideologia contestadora se explica, segundo
Lucien Goldmann (1972), na recusa à exploração da
força de trabalho. Um paradoxo que nasce da
contradição real entre a integração
econômica e social fundada nos acordos sindicais com o patronato
e mesmo na participação na produção
capitalista e a resistência à condição de
força de trabalho totalmente disponível para o capital.
Esta contradição impulsionou o movimento
revolucionário no século XX. Mas as experiências da
revolução espanhola e da Frente Popular na França,
entre 1936 e 1939 e, mais tarde, das greves de 1968 na França,
Itália e Alemanha, demonstraram que o proletariado não
dispunha de força suficiente para superar a ordem capitalista.
Isto significa que não há mais lugar para a
oposição entre capital e trabalho? Não.
Capitalismo implica na exploração da força de
trabalho. Kominsky e Andrade (1996: 70) citam Henri Lefebvre que aponta
para as astúcias da história, perceptíveis nas
cisões no movimento operário, nas greves
“selvagens” e nas aspirações “da
base”:
Pode-se perguntar se essa classe não declina, depois de
uma breve e trágica epopéia, sem ter atingido o estatuto
de 'sujeito político', de 'classe dominante' ou
'hegemônica'. Entretanto, ressurgimentos não são
impossíveis, longe disso. A pretendida integração
da classe operária ao capitalismo não passa de um engodo
(...) Que a classe operária entre no funcionamento e na
circulação geral da sociedade existente (...), é
um fato geral. Que não haja mais resistência, nem
reticência, essa é uma afirmação
dogmática.(9)
A história não acabou, mas uma época histórica certamente chegou ao fim.
O século XX terminou com o colapso do sistema socialista e com o
aparente esgotamento das energias utópicas no mundo. O triunfo
do capitalismo foi seguido de retrocessos nas conquistas sociais e de
aumento da violência e da alienação. Mais
importante ainda é que, nesse processo, a figura social do
antagonista ao capitalismo parece ter desaparecido do cenário
social. A nova dinâmica da acumulação de capital
afetou profundamente as bases materiais da coesão de classe do
operariado: a segmentação do mercado de trabalho, o
trabalho precário e o desemprego estrutural dispersaram o
núcleo mais combativo do operariado; a concorrência a que
se viram sujeitos os trabalhadores, afetou a capacidade de
organização e de luta do conjunto. Com a
retração da política de caráter social e,
no limite, das regulações sociais do mercado pelo Estado,
destruiu-se, segundo Marilena Chauí, outro “referente
empírico” por meio do qual os operários conseguiam
identificar-se como uma classe social.
Então os trabalhadores estão vivendo um momento
de crise profunda, porque agora eles têm de, por um lado,
reencontrar as balizas para a referência de classe e, por outro
lado, têm de encontrar por onde passa a contradição
principal do sistema. Nós não estamos sabendo por onde
ela passa.
Como assinala a filósofa, em cada fase do
desenvolvimento do capitalismo sempre há uma
redefinição da força de trabalho pelo capital, a
implicar também a reformulação da divisão
social. Mas não está claro como isto acontecerá.
(Chauí, 2000:50)
Entretanto, o presente contínuo tornou-se a
apercepção do tempo social: submetidos a uma
exploração aparentemente sem limites, os trabalhadores de
todo o mundo têm sido sistematicamente expostos, nas duas
últimas décadas, à idéia de que nada pode
ser diferente do que é: o possível é o real, e a
realidade é o status quo. Não se trata
apenas de conservadorismo, mas, segundo John Bellamy Foster (1999),
também de um renovado tipo de autoritarismo que supõe
obediência à autoridade humana e sua
reificação. Quer dizer, visa ressaltar o triunfo eterno
das instituições capitalistas. Vivemos sob o signo de um
presente contínuo que invade o passado e
“canibaliza” o futuro.
7. As cenas finais do filme E la nave va são
apresentadas ao espectador nos estúdios, num clima
nostálgico. Nosso olhar perde-se naquele mar ondulante e
artificialmente criado na Cinecittá. Sentimos uma estranheza
diante daquele desfecho, como se algo de vital nos escapasse sempre.
Podemos rir de nossas misérias. Sabemos, porém ser o riso
uma arma para eludir a nossa impotência em controlar o destino,
as forças que nós mesmos desencadeamos. Participamos do
navio que vai, mas o nosso destino é escamoteado, apesar da
direção clara e precisamente estabelecida. O tema de
fundo de nosso ser social encerra um dilema – o da alienação.
Um famoso historiador expressou bem esse
dilema. Pouco antes de morrer, perguntado sobre o futuro do mundo num
colóquio internacional convocado em sua homenagem, Fernando
Braudel(10)
referiu-se à falência dos modelos explicativos no contexto
de uma crise de longa duração e ao peso das
macro-estruturas da história na determinação do
porvir. Retomou o mesmo tema ao responder a uma pergunta do
público presente ao colóquio. A questão dizia
respeito à influência da memória social sobre o
devir e, na resposta de Braudel, aparece a metáfora da nau:
Mas o que se entende por devir pessoal, devir de uma
sociedade, ou devir de um país? Quando se trata de um grupo
humano suficientemente grande, apesar de seu voluntarismo, apesar de
seus esforços, apesar do seu desejo de agir bem, apesar de suas
idéias de reformas, apesar de suas explosões
revolucionárias, é como uma jangada levada pela corrente
de um rio. O rio não se desloca depressa. Se ele se deslocasse
depressa, há muito tempo teríamos observado a realidade
de uma história subjacente. Não a notamos porque o
deslocamento é quase imperceptível. (Braudel, 1989: 128)
BIBLIOGRAFIA
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WARTENWEILLER, Fritz. Nansen, explorador do Pólo Norte. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1959.
WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Obra organizada por Ecléa Bosi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
NOTAS
1. Pesquisador da Escola Nacional de Saúde
Pública, da Fundação Oswaldo Cruz.
Sociólogo, historiador e doutor em Ciências da
saúde. stotz@ensp.fiocruz.br
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2.
Krakowski era um dos pseudônimos adotados por Isaac Deutscher no
Partido Comunista Polonês, segundo ele próprio declarou
numa entrevista concedida à revista Les Temps Modernes, em
março de 1958. DEUTSCHER, Isaac. El marxismo de nuestro tiempo. México: Ediciones Era, 1975.
Volta
3.
A revolta dos Ciompi, como ficou conhecida, foi relatada por Maquiavel
em sua História de Florença. Simone Weil introduz e
reproduz a passagem relativa ao levante, no texto "Um levante
florentino em Florença no século XIV", publicado em 1934.
WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Obra organizada por Ecléa Bosi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
Volta
4. A citação é feita por Jean Gimpel extraída de M. Mollat e P. Wolff. Ongles Bleus, Jacques et Ciompi. Les révolucionaires en Europe aux VIV et XV siécles. Calman-Lévy, Paris, 1970. GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
Volta
5. Na tela de Bosch, um crânio (símbolo da morte) encima o mastro da barca.
Volta
6.
Com esta despedida, é possível que Fellini tenha
pretendido falar do fim do cinema como arte individual,
substituída pela indústria cinematográfica. Mas
também manifestar sua percepção sobre o fim de um
tipo de sensibilidade, de uma relação que sacralizava
como arte toda e qualquer manifestação dos artistas.
Volta
7.
Fridtjof Nansen (1861-1930), norueguês, naturalista, professor de
Oceanografia, explorador do Pólo Norte nos anos 1882 a 1907.
Ativo organizador da proteção aos refugiados de guerra
desde 1920 até a sua morte, foi o primeiro Alto
Comissário para os Refugiados da Liga das Nações.
Pela sua ação na repatriação dos
prisioneiros de guerra e na luta contra a epidemia de fome na
União Soviética recebeu, em 1922, o Premio Nobel da Paz.
A biografia se encontra em WARTENWEILLER, Fritz Nansen, explorador do Pólo Norte. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1959.
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8. Uma carta inédita de Thomas Mann. Mais! Folha de São Paulo, 9 de setembro de 2001.
Volta
9.
A citação se encontra no volume IV, p. 428-9, da obra De
l'État, Paris: Union Générale d'Éditions,
1976-1978. KOMINSKY, Ethel V. e ANDRADE, Margarida M. de. O Estado e as classes sociais. In: MARTINS, José de Souza (org.) Henri Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Editora Hucitec, 1996.
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10.
As Jornadas Fernand Braudel realizaram-se de 18 a 20 de outubro de
1985, no centro de reuniões de Châteauvallon
(Toulon-Ollioules).
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