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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário |
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São muitas e contraditórias entre si as imagens sobre os 'evangélicos' que circulam na sociedade. Por um lado, o barulho dos templos incomoda os vizinhos. A exigência de contribuição financeira – o dízimo – é alvo de críticas externas e também é um obstáculo que afasta potenciais adeptos. No dia-a-dia, todos se sentem sujeitos à invasão de privacidade provocada pelos “crentes” que sempre buscam a quem evangelizar. Ninguém está livre de se encontrar com motoristas de táxi tentando evangelizar passageiros ou de ser abordado em uma praça da cidade. Aos “pastores”, geralmente, sem formação escolar e teológica, reserva-se a desconfiança de charlatanismo e de “manipulação” da boa-fé popular. Aos seus seguidores atribui-se ignorância ou certa ingenuidade que – ao fim e ao cabo – desqualifica sua opção religiosa (2001, p.68).
Apesar da desconfiança por uma parte da sociedade em relação aos evangélicos, Novaes afirma que: ... por outro lado e ao mesmo tempo, donas de casa católicas buscam agências especializadas em empregadas domésticas evangélicas. Desempregados em geral se valem de sua filiação religiosa como um atributo positivo a mais na disputa por postos de trabalho. Sabe-se de jovens convertidos que deixaram de beber, de se drogar ou de comercializar drogas e atribuem esta “mudança de vida”, à conversão, ao “aceitar Jesus”. Através de pesquisas chegam notícias de mulheres evangélicas atuando nas favelas e em conjuntos habitacionais, produzindo espaços comunitários, modificando com sua prática cotidiana a cultura brasileira machista. Em igrejas evangélicas funcionam escolas, cursos supletivos, postos de atendimento de saúde. As curas e os exorcismos muitas vezes substituem médicos e psiquiatras. No futebol há atletas de Cristo e outros tantos jogadores dedicando seus gols diretamente a Deus (op. cit.). A
partir do que foi descrito por Novaes, pode-se afirmar que ser
evangélico pode atestar, perante a sociedade, um comportamento
idôneo. Por isso, muitas denominações pentecostais
e neopentecostais atuarem dentro de penitenciárias.
Também fica claro que as igrejas evangélicas atuam em
locais onde se verifica uma ausência do poder público nas
áreas de saúde, educacional e de segurança. Situações de desemprego e miséria geram sofrimento de impotência e favorecem ao alcoolismo. O uso de bebida exacerba o “machismo” que se manifesta através da violência física dos homens contra suas mulheres e filhas. O alcoolismo pode produzir ainda outros dramas familiares quando mulheres alcoólatras deixam de representar um “porto seguro” naqueles tantos lares onde não se pode contar com a presença masculina. De certa forma, o alcoolismo atinge a dignidade de todo segmento social e estigmatiza – por extensão – os pobres em geral( 2001, p.69). Nesse
contexto os dois extremos da sociedade que mais são atingidos
são as mulheres e as crianças. Estudos realizados por
Machado (2001) atestam que mulheres vítimas da violência
urbana e familiar, com idade entre 31 e 50 anos eram as que mais
procuravam os templos evangélicos e os gabinetes pastorais para
relatar seus sofrimentos e buscar soluções. A
conversão é decorrente dessa busca. Já em 1985, em um artigo publicado sobre a carreira dos 'bandidos', no bairro periférico carioca chamado Cidade de Deus, Zaluar escreveu: 'as poucas histórias de regeneração que ouvi contar passavam por sessões de cura em igrejas pentecostais ou uma conversão radical e dramática à igreja dos crentes, o que implicava o abandono das coisas do diabo (as festas, a bebida, o samba, a umbanda, os amigos assaltantes, a arma de fogo, etc...)'. Anos depois a imprensa passou a divulgar casos de conversão de chefes de áreas do tráfico. O número 1 da Revista Vinde, 'A revista Gospel do Brasil', de novembro de 1995, por exemplo, destacou em sua capa a seguinte matéria: 'José Carlos Gregório, o Gordo, ex-líder do comando Vermelho, conta como se converteu (Novaes, p. 70). Nos
cultos pentecostais são vários os testemunhos de pessoas
que dizem ter abandonado o tráfico, terem sido curados de
doenças físicas e psíquicas e também terem
obtido a solução dos seus problemas de ordem material e
familiar. O lugar que as novas denominações religiosas
ocupa na vida das pessoas è diferente do lugar ocupado pelas
religiões tradicionais, principalmente o catolicismo. Atualmente
a religiosidade passa a ser um importante elemento de auto-ajuda e
solução para os problemas cotidianos. E o testemunho dos
fiéis, sobre as graças obtidas, acaba funcionando como
importante veículo de conversão do outro. Nessa igreja, cada dia da semana há um culto direcionado para um tipo de problema específico. As orações feitas nos cultos são chamadas “correntes” : inicia-se na segunda-feira com a corrente da prosperidade; na terça com a da saúde; na quarta, a busca do Espírito Santo; na quinta, corrente da família; na sexta, corrente da libertação; no sábado, outra vez a corrente da prosperidade; e no domingo, a corrente do louvor (2001, p. 34). Em
todos os cultos, de acordo com Mariz (2001), há forte
referência ao demônio e pedidos de ofertas aos
fiéis. ... tecemos a singularidade do nosso modo de ser e de viver com os fios que herdamos do passado. Estes, por sua vez, embora possuam cor, consistência e espessura próprias não impedem nossa criatividade ao tecer o presente, dando-lhe uma nova configuração e forma. Os dogmas, as crenças e os valores herdados do passado são estruturas de longa duração que se revelam nos discursos e rituais de determinados grupos sociais. Essas estruturas são os fios que permitem a construção de uma identidade e fornecem as categorias para os homens representarem o mundo e a si mesmos (2001, p.14).
A concepção de memória coletiva que nos interessa é descrita por Davallon: (...) para que haja memória, é preciso que o acontecimento ou saber registrado saia da indiferença, que ele deixe o domínio da insignificância. É preciso que ele conserve uma força a fim de poder posteriormente fazer impressão. Porque é essa possibilidade de fazer impressão que o termo “lembrança” evoca na linguagem corrente (1999, p. 25). Nessa
perspectiva, os dogmas, as crenças e os valores só podem
ser vistas como memória coletiva se saírem da
insignificância. Para isso, eles são reconstruídos
e ressignificados no decorrer da história. Visto assim a
memória coletiva vem de longe é ressignificada e permite
a um grupo social representar o mundo e se representar no mundo.
Aí reside sua singularidade. Literalmente a palavra dízimo é uma derivação do termo hebraico azar e significa dez ou décima parte. Mas, este termo quando é analisado pela raiz, quer dizer, de acordo com essa raiz, que quando entregamos a Deus a décima parte do que recebemos mensalmente ou dos lucros de um negócio ou empresa, estamos, ao contrário do que se pensa, sendo agraciados com as bênçãos de Deus, recebendo prosperidade financeira, crescendo, acumulando bens e enriquecendo (...). Deus promete também repreender, através do dízimo, o demônio característica da miséria: o espírito devorador. Esse demônio tem sido o grande vilão na vida de inúmeras pessoas na face da terra. Não há um país que esteja livre dele. Até as nações consideradas de primeiro mundo estão cheias de mendigos e pessoas que vivem na mais terrível miséria, pois sua área de atuação é a vida financeira, causando prejuízos, desemprego, dívidas, falências, estragos nos bens e males diversos... (2002, p.8) Analisando
esse discurso religioso podemos afirmar que ele confere ao
dízimo um caráter mágico, sagrado e revelador dos
poderes e dons do Espírito Santo. Para isso ele se apropria e
ressignifica o sentido da palavra dízimo presente na cultura
judaica. Os termos “literalmente” e
“derivação do termo hebraico”, presentes no
texto, conferem um sentido verdadeiro e objetivo a palavra
dízimo, dando a ela uma origem e significado próprio. A
ligação com a cultura hebraica fica garantida com essa
afirmativa. A ressignificação da palavra dízimo
é estabelecida com os enunciados “analisando pela raiz
quer dizer acumular, crescer, enriquecer”. Esses enunciados
apontam para um outro sentido da palavra dízimo. Conferem a ela
um sentido econômico e materialista. Dá
indicação que o ato de entregar ou contribuir com o
dízimo permite a todos receberem recompensas. Eliade (2001)
deixa claro que o sagrado pode manifestar-se em pedras ou arvores, por
exemplo. Mas não se trata de venerar a pedra como pedra, nem a
árvore como árvore, mas elas são adoradas porque
revelam algo, revelam uma força que é superior ao homem.
Dessa forma o sagrado se manifesta através do dízimo,
numa relação simbólica de “dar e
receber”. Nessa manifestação o homem é
agraciado com prosperidade financeira e acúmulo de bens. Na
tradição protestante luterana, a prosperidade assim
obtida é vista como sinal da benção de Deus para
com o fiel. Em todas as religiões podem ser observadas
manifestações do sagrado, pois elas comportam um
simbolismo: revelam ao homem um poder superior. Diante desse poder
“revelado” o homem reconhece sua
“inferioridade” e “dependência”. |
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