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A IMAGOLOGIA E SEUS TEÓRICOS


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CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Valdir Aparecido de Souza

  


Resumo
O presente artigo tem por objetivo apresentar a teoria imagológica, pouco utilizada no Brasil, por meio de seus principais teóricos alemães e franceses.

Palavras-chave: Literatura Comparada; Imagologia.

Os estudos imagológicos encontram-se dentro de um campo maior denominado Literatura Comparada, a qual tem por base a comparação, mas principalmente a relação entre duas ou mais literaturas e/ou culturas, sendo o elemento estrangeiro revelador do estágio da cultura de cada um dos países relacionados.

Os estudos imagológicos tiveram início na Alemanha com Lessing e Göethe, os irmãos Schlegel e Mme de Staël, que acreditavam conseguir, por meio do estudo das obras representativas de uma determinada literatura, aprofundar seu conhecimento sobre a psicologia do povo em questão.

Após anos em descrédito, retomam-se, nos anos de 1950, os estudos sobre imagologia, ou, melhor dizendo, sobre psicologia dos povos. Marius-François Guyard publica um pequeno manual de Littérature comparée, com prefácio de Jean-Marie Carré, no qual se insere um capítulo com um título sugestivo: L'étranger tel qu'on le voit. No que consistiria sua proposição? Seria basicamente o estudo das imagens nacionais, na literatura comparada, sendo essas utilizadas para melhor se autoconhecer por meio do reconhecimento de suas próprias ilusões. Até esse momento, portanto, as imagens eram estudadas como se fossem funções de relações coletivas de cunho histórico-social que veiculam caracteres nacionais; não há uma preocupação com reflexões teóricas a propósito da problemática envolvida, limitando-se, assim, a um exame puramente descritivo (fonte e influências), pois o principal objetivo era traçar o perfil psicológico exato dos povos.

Em 1953, no entanto, René Wellek anuncia a “crise” da Literatura Comparada. Segundo esse autor, o estudo das imagens/ miragens proposto por Carré e Guyard extrapolava, em muito, o campo da Literatura Comparada, pois o objeto de estudo desta havia sido delimitado de maneira artificial, assim como de sua metodologia, colocando-a em risco, uma vez que poderia se tornar simplesmente uma ciência auxiliar a serviço das relações internacionais. Para Wellek, a obra de arte em si deveria ser o centro de toda a análise. Ela passaria a ser considerada uma estrutura estratificada de signos e significados totalmente distinta dos processos mentais do autor no momento da criação e, conseqüentemente, das influências que se podem ter em mente.(2).


A partir dessa “crise”, firmam-se duas tendências, uma francesa, seguidora da tradição l'étranger tel qu'on le voit, e outra americana, que nega o estudo das imagens e miragens. Ou seja, essa divisão baseava-se naqueles que eram contra ou a favor da teoria estética da pesquisa literária pregada por Wellek, que considera a obra de arte como um foco de análise em si.

Hugo Dyserinck, em 1966, retomou a questão da importância dos estudos imagológicos, acreditando que a polêmica da década anterior tinha sido improdutiva. Os estudiosos deveriam se preocupar em saber se o estudo das imagens tinha um sentido que não social, psicológico, nacional ou político, para a pesquisa em Literatura e Literatura Comparada em particular. Dessa forma, a imagologia comparada seria a renúncia à pesquisa das influências, considerada insatisfatória, em favor de uma investigação da maneira como se reage, na literatura de um determinado país, à literatura e à cultura de um país estrangeiro.

Ao escrever, em 1966, O problema das “images” e “mirages” e sua pesquisa no âmbito da literatura comparada, Dyserinck procura mostrar que a função da imagologia é identificar e analisar as configurações das imagens, o modo como se estruturam, assim como estudar sua evolução e efeito na literatura e verificar o papel que tais imagens desempenham no encontro de culturas. Em suas palavras,

[...] a imagologia não faz parte de nenhum pensamento ideológico, mas é, isso sim, uma contribuição à desideologização. Pretende-se, a partir da análise das imagens, chegar ao modo como funciona o pensamento e as estruturas. Assim, ela participa da destruição dos estereótipos/ imagotipos, ao mesmo tempo em que ajuda a dar conta da influência, do poder e da manipulação de correntes ideológicas e políticas na formação de um país(3).

Para esse autor, então, a imagem do outro é formada, antes de tudo, a partir do estar em relação com e, sem dar preferência a nenhuma das literaturas e/ou culturas envolvidas na análise, deve-se estudar tanto uma quanto a outra, a auto-imagem e a hetero-imagem, para então se compreender a estrutura do pensamento de cada um terminando com a desideologização.

Do outro lado do Reno, Daniel-Henri Pageaux dava seus primeiros passos nos estudos sobre imagologia publicando, no início da década de 1980, “Une perspective d'étude en littérature comparée: l'imagerie culturelle”(4). É interessante ressaltar que, apesar da contemporaneidade com Dyserinck, Pageaux parece caminhar em uma via paralela. Nesse artigo, Pageaux apresenta idéias que serão mais bem elaboradas em trabalhos posteriores, tais como: La littérature générale et comparée(5), ou ainda Da literatura comparada à teoria da literatura(6), escrito em colaboração com Álvaro Manuel Machado, dentre outros.

Para esse teórico, a imagem do estrangeiro deve ser estudada como fazendo parte de um conjunto mais amplo e complexo: o imaginário, mais especificamente, o imaginário social, e, dentro deste, a representação do outro.

A imagem é entendida como uma tomada de consciência do eu em contraposição ao outro; é a expressão, literária ou não, de um distanciamento significativo entre duas ordens de realidades culturais, ou, ainda, é a representação de uma realidade cultural por meio da qual, aqueles que a elaboraram, revelam e traduzem seu próprio espaço cultural e ideológico. Nesse sentido, percebe-se que essa idéia é contrária ao processo de formação e de significação da imagem para Dyserinck, para quem estar em relação com era a condição primeira para a elaboração de uma imagem e o objetivo final do estudo imagológico seria a desideologização, uma vez que a imagem não faria parte de processo ideológico algum.

O estudo da imagem, de acordo com Pageaux, deve se apegar menos ao nível de “realidade” de uma imagem, de sua fidedignidade, do que de sua conformidade com um modelo, um esquema cultural que lhe é preexistente na cultura que observa e não na cultura observada, da qual é importante conhecer os fundamentos, as composições e a função social.

O momento histórico e a cultura determinam aquilo que pode ser dito sobre o outro. Os textos imagológicos são, em parte, programados, alguns mesmo codificados e decodificados quase que instantaneamente pelo público leitor da época em que está inserido.

Para finalizar, há o trabalho de Jean-Marc Moura, “L'Imagologie Littéraire: tendances actuelles”, publicado em Perspectives comparatistes(7), que traça, assim como se buscou fazer aqui, um breve histórico da Imagologia, descrevendo, de maneira sucinta, as várias gerações de trabalhos imagológicos existentes desde os anos de 1950, com Jean-Marie Carré, até os dias de hoje, detendo-se, em seguida, em uma conceituação da imagem e seus meios de análise transcritos a seguir:

[...] pour l'imagologie, toute image étudiée est image de... dans un triple sens: image d'un référent étranger, image provenant d'une nation ou d'une culture, image créée par la sensibilité particulière d'un autre. Trois niveaux d'analyse se voient définis: le référent, l'imaginaire socio-culturel, les structures d'une oeuvre... (Moura, 1999: 184)

O primeiro tipo de análise seria o que privilegia o referente, insistindo no realismo da imagem. O segundo caracteriza-se por considerar a imagem como pertencente àquilo que chamamos imaginário social, privilegiando, assim, tanto os textos literários quanto os não literários. O terceiro define a imagem do estrangeiro como mito pessoal do próprio autor, o que seria hipostasiar a literatura, tirando-a de seu contexto sociocultural com o qual mantém estreitas relações. O autor finaliza essa parte do texto com a seguinte afirmação:

Il apparaît donc nécessaire de situer d'emblée l'étude au niveau de l'imaginaire social, pour reconnaître ce simple fait: l'appréhension de la réalité étrangère par un écrivain n'est pas directe, mais médiatisée par les représentations imaginaires du groupe ou de la société auquel il appartient. À partir de ce point central de la démarche imagologique deviennent possibles des travaux sur le référent (lecture d'une réalité historique à travers un texte conçu comme document) ou, cas plus fréquent pour les littéraires, sur la création d'un auteur dont la singularité a d'abord été mesurée dans l'horizon imaginaire de son époque. (Moura, 1999: 186)

Jean-Marc Moura, em particular, tenta apreender a diversidade das práticas sociais imaginativas a partir de duas vertentes: a da ideologia e a da utopia. Para o autor, que segue a linha da hermenêutica de Paul Ricoeur, a ideologia possui uma função integradora, sendo uma interpretação idealizada por meio da qual um grupo se representa, reforçando assim sua identidade e coesão. A utopia, por outro lado, visa a questionar a ordem social, a subvertê-la.

Ainda seguindo Ricoeur, admite, então, que o imaginário social se caracteriza pela tensão entre uma função de integração e uma função de subversão, ou seja, entre um pólo ideológico e um pólo utópico, possibilitando assim uma tipologia das imagens do estrangeiro. O princípio geral desta última constitui-se pela distinção entre ideologia, que representa o estrangeiro segundo esquemas dominantes, e utopia, que o caracteriza segundo formas excêntricas, tornando-o sua alteridade, ou pelo menos não o restringindo a ser mito pessoal de um autor.

Esta distinção coloca uma série de problemas, principalmente no que tange à articulação entre o literário e o social, que só pode ser resolvida na prática. Moura, no entanto, não se preocupa em desenvolver esta questão ao longo de seu artigo. Para finalizar, discorre sobre a Imagologia nos dias atuais, ou melhor, sobre cinco tendências críticas importantes na complementação, ou como auxiliares na pesquisa imagológica. São elas: os Cultural Studies, teoria literária norte-americana; a crítica pós-colonial, a mitocrítica, os estudos de recepção e as pesquisas sobre a noção de espaço literário.

Na verdade, Moura não se aparta da teoria expressa por Daniel-Henri Pageaux, trazendo-lhe alguns pormenores que tornam ainda mais operacional o conceito de imagem.

Assim, são se pretendeu abarcar, neste artigo, todos os comparatistas que trabalharam com Imagologia, mas somente aqueles basilares para se entender o desenvolvimento de tais estudos dentro da Literatura Comparada e chamar a atenção para essa “teoria metodológica” chamada Imagologia que é tão pouco utilizada pelos pesquisadores brasileiros.

Bibliografia

MACHADO, A. M.; PAGEAUX, D.-H. Da literatura comparada à teoria da literatura. 2a. ed. rev. e aum., Lisboa: Editorial Presença, 2001.

MOURA, J. M. L'Imagologie Littéraire: tendances actuelles. In: BESSIÈRE, J.; PAGEAUX, D.-H. Perspectives comparatistes. Paris: Honoré Champion Éditeur, 1999, p. 181-192.

PAGEAUX, D.-H. Une perspective d'études en littérature comparée: l'imagerie culturelle. Synthesis. N. VIII, 1981. p. 169-185.

______. La littérature générale et comparée. Paris: Armand, 1994.

WELLEK, R. A crise da literatura comparada. In: COUTINHO, E.; CARVALHAL, T. (orgs.). Literatura comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p.108-119.

Notas

1. Doutora em Língua e Literatura Francesa pela FFLCH-USP. E-mail: kaily@uol.com.br.
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2. Cf. WELLEK, R. A crise da literatura comparada. In: COUTINHO, E.; CARVALHAL, T. (orgs.). Literatura comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p.108-119.
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3. A tradução deste texto nos foi cedida, em manuscrito, pela Profa. Dra. Celeste Ribeiro de Sousa (FFLCH-USP).
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4. PAGEAUX, D.-H. Une perspective d'études en littérature comparée: l'imagerie culturelle. Synthesis. N. VIII, 1981. p. 169-185.
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5. PAGEAUX, D.-H. La littérature générale et comparée. Paris: Armand, 1994.
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6. MACHADO, A. M.; PAGEAUX, D.-H. Da literatura comparada à teoria da literatura. 2a. ed. rev. e aum., Lisboa: Editorial Presença, 2001.
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7. BESSIÈRE, J.; PAGEAUX, D.-H. Perspectives comparatistes. Paris: Honoré Champion Éditeur, 1999, p. 181-192.
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