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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário
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Resenhas Biblioteca Entrevistas Primeiras Notas CONSELHO EDITORIAL Arneide Bandeira Cemin Ednaldo Bezerra de Freitas Valdir Aparecido de Souza |
RESUMO: O objetivo deste texto é analisar como o poeta João Manuel Simões incorpora e resgata em seus poemas as imagens da infância, percorrendo o universo imaginário numa viagem em versos. João
Manuel Simões nasceu em Mortágua-Portugal e, há anos, vem servindo
a cultura e a literatura paranaense (Curitiba). Possuidor de uma
linguagem de referencial erudito, sua poesia tem se destacado por um fazer
poético que transforma as palavras em étimo das imagens. A lírica de Simões apresenta uma precisão vocabular, pela riqueza das imagens, pela síntese poética, pelo teor de intertextualidade e vocação poética transportados para a poesia na arte de construção da linguagem poética. Tais características povoam a poesia de Simões com várias marcas da modernidade, buscando atingir o estado de síntese pela escolha das palavras e das imagens que aguçam a imaginação do leitor. A
imaginação é o vetor da criação
poética, ela embriaga qualquer criação
artística de qualquer época ou
“período” literário. A grande missão
do poeta consiste em atrair essa força poética que se
acha contida no imaginário e convertê-la em descarga de
imagens. A experiência poética é
criação do homem pela imagem e pela linguagem; é o
abrir das fontes do ser. Por meio da imaginação o ser
humano consegue dar forma as coisas mais tênues e se auto-afirmar
enquanto ser no mundo. O poema apresenta-se como possibilidade aberta
de significação, já que ele só se anima ao
contato, à participação de um leitor que, durante
a leitura, dará margem à imaginação,
movimentando as imagens poéticas e alimentando-as com suas
experiências. Sem leitor a obra só existe pela metade. O
poeta cria o poema, mas “o povo, ao recitá-lo, recria-o.
Poeta e leitor são dois momentos de uma mesma realidade”
(PAZ, 1982: 47). A
imaginação constitui a faculdade de formar imagens que ultrapassam a
realidade, é fonte de equilíbrio e cria a fantasia poética, fazendo do
poeta/leitor sonhador de palavras. O processo imagético e onírico é
perene no ser humano e, ao longo da história da arte, a imaginação faz
parte do processo criador. Poesia e imaginação são dotadas de uma magia
encantatória que desperta no homem a cosmologia da imagem, transformando
as palavras em símbolos que transmitem sonhos e memórias partilhadas. No
dizer de Bachelard, é pela imaginação que se dá forma às imagens,
pois na fenomenologia do devaneio poético, qualquer imagem, por mais
simples que seja, é capaz de revelar o mundo. A
poesia é o fio condutor das imagens e da imaginação; ela suscita a
tomada de consciência dos fenômenos que ocorrem na alma do sonhador. O
poeta está na condição de sonhador que, ao sonhar, oferece
mundos que nascem de uma imagem cósmica elevada à potência máxima de
exaltação. Conhecer a essência da imaginação implica lançar vôo no
devaneio cósmico que alimenta as imagens poéticas. Bachelard afirma que
compete ao poeta “o dever de ensinar-nos a incorporar as impressões de
leveza em nossa vida, a dar corpo a impressões quase sempre
desprezadas” (BACHELARD, 2001: 199). Os
poetas trazem para o espaço do papel a cosmicidade das imagens que evocam
recordações e devaneios, canalizando memória e imaginação na essência
das imagens poéticas. Assim, a poesia passa a ser “uma força de síntese
para a existência humana” (BACHELARD, 2001: 119), pois une a imaginação
e a memória, revelando estados da alma e, ao mesmo tempo, sendo convite
ao devaneio poético: “o poeta dá à imagem um destino de grandeza”
(2001: 168). O
poder da imagem simbólica reside na “transfiguração de uma
representação concreta através de um sentido para sempre abstracto
(sic). O símbolo é, pois, uma representação que faz aparecer um
sentido secreto, é a epifania de um mistério” (DURAND, 1995: 12.
Grifos do autor). Neste sentido, a poesia é repleta de símbolos que
constituem a cifra de um mistério, de um enigma que remete para um
sentido que não está plenamente visível; são sinais que conduzem a um
sentido, cuja metade (significado) encontra-se numa espécie de obnubilação,
enquanto a outra metade (signo) é visível. De acordo com a classificação
feita por Durand, o símbolo seria um “signo que remete para um indizível
e invisível significado” (1995: 16) e, deste modo, só pode ser captado
dentro de uma imaginação simbólica. A
imaginação é uma rede complexa de relações e aparece como o “denominador
fundamental onde se vêm encontrar todas as criações do pensamento
humano. O imaginário é esta encruzilhada antropológica que permite
esclarecer um aspecto de uma determinada ciência humana por um outro
aspecto de uma outra” (DURAND, 2002: 18. Grifos do autor). No domínio
da imaginação, a imagem não pode ser degradada, pois ela é portadora
de um sentido que não deve ser procurado fora da significação imaginária.
Neste sentido, Durand
compartilha da mesma concepção de seu mestre Bachelard, afirmando que a
imaginação é dinamismo organizador, “é potência dinâmica que
‘deforma’ as cópias pragmáticas fornecidas pela percepção, e esse
dinamismo reformador das sensações torna-se o fundamento de toda a vida
psíquica porque ‘as leis da representação são homogêneas’”
(2002: 30).
Para
Gaston Bachelard, é pela
imaginação que damos formas
às imagens; ela não é “a faculdade de formar imagens da realidade; é
a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam
a realidade” (2002: 18). A poesia constitui a matéria-prima para uma
fenomenologia da alma, pois suscita imagens cósmicas que pertencem ao
universo anímico da consciência humana. A imaginação faz a correspondência
entre as imagens e as palavras e, nesta associação, o poema é uma fonte
de evocação da memória e da recordação. Estudar as imagens da infância
pela obra literária e pela palavra poética é uma forma de adentrar
neste universo misterioso da imaginação simbólica, pois a arte é
portadora de vozes que repercutem ecos ontológicos, voz que ecoa os tons
da natureza e do homem: espelho da humanidade. As
imagens da infância, presente nos poemas de João Manuel Simões, apenas
confirmam a manifestação uma infância permanente, uma infância imóvel
e, neste sentido, os devaneios poéticos são a continuidade dos devaneios
de infância. Mas, para que as imagens de criança retornem com a mesma
beleza, a alma e o espírito devem estar em comunhão, já que os dois não
possuem a mesma memória. Somente quando entram em harmonia é que a
imaginação e a memória atingem a plenitude do devaneio –
“imaginamos reviver o passado". Os poetas lançam um convite à
imaginação, a imaginar esta
infância perdida, a inventar o passado, como se o devaneio voltado para a
infância devolvesse vida às vidas que não aconteceram, mas que
foram imaginadas na infância. O devaneio poético resgata estas
imagens que ficaram na memória, esboçando a profundidade do
tempo e da alma de criança num passado desaparecido. Neste
sentido, “a poesia é uma força de síntese para a existência
humana” (BACHELARD, 2001: 119), já que a poesia possibilita analisar a
infância de forma tão mágica, que traz para o espaço do poema o mesmo
maravilhamento da infância vivida. Desperta a cosmicidade da infância
unindo imaginação, memória e poesia. Os poetas põem o leitor/ouvinte
em presença de lembranças que revelam estados de alma,
convidando-os a mergulhar nas profundezas da lembrança até
encontrar a paz e reencontrar as imagens de seu passado. Assim, lembrança,
poesia e imaginação caminham
juntas quando se trata de devaneios voltados para a infância. As
estações da infância marcam a memória com signos indeléveis; são
lembranças revividas somente no devaneio e que permite canalizar memória
e imaginação na essência das imagens poéticas. No poema “Infância”,
o poeta equipara a infância a um rio sereno e puro, que corre no curso da
vida como doces lembranças que se projetam para o futuro:
Rio
sereno e puro (música
a sua voz!) a
deslizar, alado, por
entre verdes margens. Ah!
pudéssemos nós (breves,
sutis miragens) fazer
desse passado futuro! (Suma
Poética, 1983: 30) Nota-se
neste poema, a riqueza das imagens poéticas, que em consonância ao título,
ganham grande poder enunciativo, uma vez que a presença da infância vem
como um sentimento de uma recordação comparada à “sutis miragens”,
que, além de provocar saudade, vem com um sentimento calmo, sereno, como
uma voz que ecoa no íntimo do ser, alçando vôo na imaginação, e
projetando no sujeito lírico uma viagem rumo ao passado ou à infância
via imaginação. A presença da infância viva estende-se à vida adulta,
já que o desejo do eu-lírico é “fazer desse passado futuro”,
deixando que o rio da imaginação corra até os confins do seu ser,
percorrendo “verdes margens”. No entanto, estas memórias da infância
são breves e sutis, pois duram apenas os instantes em que o sujeito lírico
encontra-se navegando o rio do devaneio e por entre margens e florestas de
símbolos. É
com relação a estes instantes de fluidez e imaginação que a poesia
corresponde a um breve prelúdio, no qual o poeta se deixa conduzir pela
corrente da alma, ou como afirma Staiger, “há um discreto inflamar-se
do mundo no sujeito” (1997: 34), pois o poeta abandona-se à criação
pela “disposição anímica”. Há uma unidade entre o trabalho e a
inspiração, entre o mundo e o sujeito, em que a forma e o conteúdo estão
ligados pela sonoridade das palavras. Estas, por sua vez, sugerem a
disposição da alma do poeta, que se deixa conduzir pela imaginação e
recordação e, ao fazer isso, transfere para o poema o mesmo encantamento
de sua alma. A
poesia lírica é dotada de alma, pois constitui uma fluidez da imaginação
na recordação. O poeta lírico não tem destino próprio, não cria história,
ele deixa-se conduzir pela inspiração, pela “recordação”. No poema
“Evocação da Infância”, o sujeito lírico faz uma volta à infância,
através da recordação ou evocação, em uma espécie de tentativa de
buscar explicações para transformar a existência e o viver: para
entender o mistério da sua existência.
No fim do mar, muito longe, ficaram, no espaço azul secreto da distância, doces ilhas pretéritas: a casa, a igreja, a escola, a infância. Vejo-as com olhos de alma, indistintas, desta maturidade que é meu porto. Mas quem será que as vê, de fato? O adulto ou o menino morto? (Canto em Mi(m), 1982: 28)
A
(re)aparição e recordação da infância distante suscitam no eu-lírico
a saudade de um tempo que já passou, mas que deixou marcas indeléveis na
alma. Mais que isso, o eu-lírico recorda com os olhos da maturidade, de
uma maturidade que é seu porto e que permite resgatar a memória tão
viva e presente, de tal modo que este sujeito lírico já não distingue
quem realmente vê: se o menino ou o adulto. É como se no adulto
existisse a presença incrustada do menino que ele foi, que não existe
mais, mas que teima em voltar, sempre vivo em sua memória e recordação.
De
algum modo, a infância direciona a vivência adulta, seja através da memória,
lembrança, seja através dos ensinamentos ou da magia que envolve a infância.
A beleza pura e simples do olhar de criança, que vê em tudo o lado mágico,
belo e feliz, ou no dizer do poeta, esta infância que ficou “no fim do
mar” e faz com que o eu-lírico projete no mundo o mesmo encanto da infância
e abstraia deste encantamento os ensinamentos necessários à vida, para
fazer de sua maturidade um porto seguro. Nestas doces “ilhas pretéritas”
da reminiscência esconde uma infância sempre viva, imóvel e permanente,
sobre a qual borbulha os “olhos indistintos” da imaginação. A
temática do tempo e da memória, na lírica João Manuel Simões,
revelam-se canais que ajudam a entender o fenômeno que ocorre na consciência
humana. É possível rever o mundo com as cores da primeira vez, com as
lembranças indeléveis da infância, atravessar as idades sem envelhecer.
A infância está na origem dos maiores devaneios, das maiores imagens,
uma vez que a beleza das imagens reside no fundo de cada memória. Como um
retrato antigo sempre novo, a memória vai
construindo no presente a história do futuro, ajudando a moldar a
história da humanidade. Assim, a poesia é o fio condutor das imagens e
da imaginação, ela suscita uma tomada de consciência dos fenômenos que
ocorrem na alma do sonhador. Por isso, ela é força capaz de dar sentido
a vida e clarificar a própria história. A poesia promove o encontro do
homem consigo mesmo por meio da imaginação. Nos
versos de João Manuel Simões, as palavras transmudam-se em imagens que
assumem a grandeza dos símbolos. Deixam de ser simples “moléculas de
dicionário” para se revestirem de um dinamismo criador de sonho, de
ritmo e beleza – de imaginação. João Manuel Simões nega-se a
praticar o que ele chama de “mero halterofilismo verbal”, afirmando
que a poesia é muito mais do que “um
prodígio encantatório que vivifica e aliena, faz ascender aos céus e
precipita nos abismos, mais, muito mais do que tudo isso, é vida. Vida e
fonte de vida. Será isso muito? É muito e é tudo” (SIMÕES, 1978:
67). A
poesia é uma matéria viva que traz em seu bojo o futuro do homem, as
respostas, ou pelo menos, as
insígnias que abrem as fontes do ser e da existência humana. Nos versos
de João Manuel Simões, o poeta conduz o homem a uma viagem rumo ao
infinito mistério do ser e da imaginação, não só pela evocação da
infância, mas por toda a riqueza de imagens que despertam na memória do
leitor a imaginação simbólica. BIBLIOGRAFIA BACHELARD,Gaston.
A água e os Sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria.São
Paulo: Martins Fontes, 2002. ________.
A Poética do Devaneio. São Paulo : Martins Fontes, 2001. DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Trad. Carlos Aboim de Brito. Lisboa: Edições 70, 1995. ________.
As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à
arqueologia geral. 3
ed. Trad. Hélder Godinho. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. PAZ,
Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982. ________.
A outra voz. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1993. SHELLEY.
Defesa da Poesia. In:
LOBO, Luiza. Teorias poéticas
do Romantismo. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1987. SIMÕES,
João Manuel. Suma poética. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1983. ________.Canto
em mi(m) ou A secreta viagem. Curitiba: Coleção Academia Paranaense
de Lertras, 1982. ________.
Clareza e mistério da criação literária: ensaios. Curitiba:
Editora Lítero-técnica, 1978. STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
Notas [1] Aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – Área de Concentração em Linguagem e Sociedade – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel – PR. suelicost@hotmail.com [2] Orientador e Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – Área de Concentração em Linguagem e Sociedade – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel e Professor do Curso de Letras, Campus de Marechal Cândido Rondon. donizeti@unioeste.br
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