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Reflexões sobre a
Memória e o Imaginário. | |||
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Como
poderemos utilizar a memória e o imaginário para que fique clara a
concepção desses conceitos, que perpassam um ao outro, encontram-se
imbricados na intersubjetividade, na relação que temos com nossa
sociedade, na maneira de vermos e compreender o mundo, que procuramos
forjar para que dêem sentido às nossas ações, e mesmo assim são
distintos um do outro? Não
há memória em que o imaginário não se faça presente, assim como não
há imaginário sem que possamos encontrar nele a memória dos indivíduos,
grupos ou sociedades. Sem memória, jamais poderíamos
formar/forjar/construir nosso imaginário, do mesmo modo que o imaginário
sobre algo ou alguém é essencial para formação de nossa memória. Nossa
percepção não identifica o mundo exterior como ele é na realidade, e
sim como as transformações, efetuadas pelos nossos órgãos dos
sentidos, nos permitem reconhecê-lo. Assim é que transformamos fótons
em imagens, vibrações em sons e ruídos e reações químicas em cheiros
e gostos específicos. Na verdade, o universo é incolor, inodoro, insípido
e silencioso.(OLIVEIRA,
2003) Ora,
desse mesmo modo nossa memória é armazenada levando-se em conta tanto a
importância dada a certos aspectos pela pessoa que a armazenará, quanto
a idiossincrasia, seu modo de ver e se relacionar com o mundo a sua volta. Assim
podemos notar, que diversos assuntos sempre são repassados de maneiras
diferentes e em alguns casos divergentes, dependendo do ponto de vista e
da importância dada a certos detalhes pela pessoa que nos relata um
determinado acontecimento – ponto de vista esse sempre em diálogo com
os segmentos sociais aos quais pertence. Como exemplo podemos citar as
bombas jogadas em Hiroshima e Nagasaki pelos estadunidenses no final d
Segunda Guerra Mundial, alguns dão destaque à sua necessidade para
terminar as sangrentas batalhas, outros ao fato de aquela Guerra já estar
praticamente acabada, tendo sido esse ataque muito mais uma forma de
terrorismo, afinal foi desferida contra alvos civis, com o objetivo de
intimidar a União Soviética demonstrando o poder bélico de seus até
então “companheiros” nas lutas e futuros adversários. No
sentido de tentar legitimar seu ponto de vista, bem como justificar
determinadas ações de seus grupos/sociedades, as pessoas são levadas a
representar suas memórias, como podemos notar mais claramente na
atualidade nos estudos, discursos e manifestações em prol do
reconhecimento de culturas diferentes, contra a discriminação, seja ela
sexual, do gênero, racial, etc. Em
toda memória representada – encontradas em discursos, textos e imagens
– perpassam idéias/ideais ligadas, por um lado pela subjetividade de
quem a articulou e, por outro, dos grupos aos quais, quem a realizou, mantém
contato. Nas miríades das concepções de determinada sociedade é onde
se articulam as memórias, pois essas, sejam acerca de uma pessoa ou de um
acontecimento, são concatenadas com outros fatos ocorridos, visando dar
uma coerência a ela e à sua expressividade, assim como
legitimar/justificar visões com as quais se identifica. A
memória representada, desse modo, não é apenas um relato inócuo sobre
algo ou alguém, visto carregar em seu seio pontos de vista/visões de
mundo que seu autor tenta dar visibilidade, inserindo-a nas relações,
nos campos de força/luta sociais, ansioso pela aceitação de seus
valores como reconhecidos e assimilados por outros. As
lembranças, recordações sobre acontecimentos, pessoas, odores, locais,
imagens, tudo isso forma nossa memória a partir do momento em que são
gravadas em nosso cérebro. Mas se fossem simplesmente talhadas na psiquê
em seu estado bruto, ou seja, sem serem relacionadas e ordenadas, sem a
influência de nossa idiossincrasia e nosso ethos, não teriam
sentido, seriam milhares e milhares de imagens sem nexo, pois sem relação
alguma para o que denominamos de realidade. Para
dar sentido a essas miríades de lembranças é que em nosso cérebro elas
são relacionadas com nosso imaginário: nossos sonhos, utopias, nossa
maneira de ver o mundo, sendo emoldurado, criado e recriado constante e
incessantemente. De
acordo com estudos da neurociência, embora haja locais no cérebro
destinados a diferentes sentidos/sentimentos/raciocínios, existe
interconexões entre as distintas localidades, sendo que os neurônios
aglutinam essas diferentes informações que irão formar nossos
pensamentos por meio de descargas elétricas e químicas. É
interessante ser essa uma explicação para o motivo de às vezes termos
receio de passar por um local onde tenha acontecido algo que nos tenha
deixado com um certo trauma. Ou seja, muitas vezes nosso imaginário grava
em nossa memória que tal local é perigoso, embora tenha sido mais o
acaso que tenha propiciado a ocorrência desse. Isso
também ocorre nas relações intersubjetivas quando, não gostando das
atitudes de determinadas pessoas ou grupos sociais, evitamos o contato,
visando não termos uma situação de conflito. Ademais, tal fato nos leva
a justificar nossas visões contrárias a desses indivíduos/grupos,
tentando estigmatizá-los, justificar
nossa posição contrária a eles e assim sermos aceitos. Do mesmo modo,
formamos nossa memória de uma tal maneira que dê sentido a nossa concepção
de mundo e como nos relacionamos com ele. O
imaginário, a maneira como as pessoas percebem seu grupo, sua sociedade,
seu modo de ver o mundo, influencia atos, atitudes e posicionamentos sócio-político-culturais.
Sendo que as representações desse imaginário servem para justificar ou
lutar pela alteração de um determinado projeto, seja ele político,
social ou cultural. As representações têm tanta importância como as
lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe,
ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os
seus, e o seu domínio. (CHARTIER, 1990: 17) Caso
não fosse o imaginário, o ataque ao Word Trade Center (WCT) em 11
de setembro de 2001 seria apenas uma recordação de dois aviões batendo
nas torres gêmeas (WCT) e um monte de ferro distorcido após o
desabamento das mesmas. O que nos faz compreende-los como um ataque
terrorista, como uma ação em resposta à política externa
estadunidense, como afirmam alguns (inclusive eu – embora, deva
ressaltar, ser um ato inaceitável); ou como um ataque à “Civilização
Ocidental” como um todo, tentando destruir a democracia, como afirmam
outros; é o imaginário. Nesse
sentido podemos notar nos pronunciamentos do Governo dos estados Unidos da
América (EUA) a tentativa de legitimar um ataque a outros países como
uma forma de combater o terrorismo (tão inaceitável quanto aquele
ataque, em meu ponto de vista). Sendo esta uma forma de tentar inculcar no
imaginário das pessoas a “necessidade” de tais investidas,
justificando, assim, seus atos perante a opinião pública e desejoso de
obter apoio de outras nações. O
que é valorizado ou não, o que é lícito ou ilícito, são
posicionamentos que se alteram, sendo constituídos historicamente e,
portanto, passíveis de serem interpretados (CASTORIADES, 1982:176). Tais
concepções do que deve ser valorado, tornado ilícito ou mesmo temido, são
forjadas e defendidas ou não, de acordo com interesses dos vários
segmentos sociais que compõem uma determinada sociedade. Por
exemplo, quando vimos o “Risco Brasil” (nada mais que um símbolo
interiorizado pelo mercado econômico como um índice válido para termos
noção dos riscos corridos ao aplicar em certos países – embora, tenha
de afirmar, esse símbolo possuir sempre algum aspecto ligado a
acontecimentos ocorridos nos estados Nacionais) disparar na véspera das
eleições presidenciais de 2002, o que aumenta, sensivelmente, a dívida
brasileira e gera lucros para especuladores financeiros, podemos notar o
interesse em estigmatizar (seja interna ou externamente) o, outrora,
candidato Luís Inácio Lula da Silva, relacionando-o com uma possível
ruptura radical com o modelo econômico (o que não ocorreu), tentando
fixar no imaginário de outros o temor da possibilidade de Lula assumir a
Presidência da República do Brasil. Além
de diminuir os investimentos no País (o que ocorreu naquele período),
essa representação abriu espaços (já não seriam previsíveis?) para
outros candidatos atacarem a imagem do candidato titular do Parido dos
Trabalhadores, com vistas a desestabilizar sua campanha política – o
que acabou não se efetivando, visto Lula ser o atual presidente. Assim
sendo, a memória representada deve ser compreendida como o modo pelo qual
um indivíduo/grupo/sociedade relata – seja por meio de entrevistas,
testemunhos, matérias em periódico, discursos proferidos ou mesmo obras
literárias e arte plástica – sua maneira de ver algo ou alguém –
podendo ser seu próprio grupo, um país, um acontecimento, ou mesmo o
sentido de um termo como a revolução – sempre o remetendo
(conscientemente ou não) às lutas para legitimação de idéias/ideais,
ou seja, na luta pela (re)definição de nossas identidades, ou melhor, à
processos de identificação. (MAFFESOLI, 1999:301) As
memórias representadas são, assim, os locais propícios para estudarmos
a memória, o imaginário e a constante (re) formulação das identidades.
Vale dizer que o processo pelo qual a identidade é redefinida altera-se
constantemente, de acordo com as relações de força entre o “eu” e o
“outro”, visto esses se encontrarem no eterno conflito de
aceitar/rejeitar, ceder/enrijecer, unir/separar, lembrar/esquecer
existente no bojo da sociedade. Nesses conflitos são
forjadas/criadas/moldadas as identidades, sempre em contraposição a
outras e em luta por sua aceitação. Afinal, não há como existir o
“eu” sem o “outro”, assim como as identidades não podem se manter
estáticas, dada à diversidade existente na sociedade e pelo fato de não
existir uma origem pura e com total coerência. A verdade e seu reino
originário tiveram sua história na história. (FOUCAULT, 2003) Mister
nos é afirmar não termos a ilusão de encontrar a história pronta e
acabada nas visões do passado, bastando a nós captá-las e descrevê-las.
Devemos criar condições para dar sentido à nossa narrativa histórica,
enfrentando sendas ainda não abertas, escolhendo rumos nas diversas
encruzilhadas, decifrando labirintos por nós mesmos criados – esse é o
trabalho do historiador. A
História é uma narrativa, nós a construímos, embora se distancie da
literatura por sua ânsia, ou melhor, seu compromisso, para com a
veracidade, seu embasamento teórico e seu tratamento dispensado às
fontes. A
História é uma narrativa, nós a construímos, embora se distancie da
literatura por sua ânsia, ou melhor, seu compromisso, para com a
veracidade, seu embasamento teórico e seu tratamento dispensado às
fontes. Assim,
em nossas narrativas históricas damos sentido para relações sócio-político-culturais,
que influenciam na formação, tanto de uma memória coletiva, quanto de
imaginários sociais. Estes,
por sua vez auxiliam na formação de grupos que apóiam ou se lançam
para modificar idéias/ideais/sistemas de governo/crenças ou mesmo o
significado de certos termos, como o de revolução, independência e
soberania. Como
pudemos notar, memória e imaginário são como o corpo e a sombra de um
mesmo pensamento, embora não nos seja possível distinguir até onde se
encontra a massa e seu reflexo, nem mesmo suas diferenças e características
próprias, vistos se encontrarem entrelaçados em nossas representações.
Nesse sentido, vale destacar resultados
obtidos por pesquisadores do Royal Holloway College (Londres/Inglaterra) e
da Universitá degli Studi di Trento, (Rovereto/Itália), que sugerem que
a sombra e o corpo formam parte de um mapa desenvolvido por nosso cérebro,
no qual não há a distinção entre um e outro, desse modo, nosso cérebro
reconhece nossa sombra como parte integrante de nosso corpo.
Assim
como nosso cérebro não distingue a diferença entre nossa massa corpórea
e sua sombra, não há como diferenciarmos sistematicamente a memória do
imaginário, visto esses serem partes integrantes da maneira como
visualizamos nosso mundo, nossa realidade, dando sentido tanto para nossas
percepções, quanto para nossos atos e ações. BibliografiaCHARTIER,
Roger. A História Cultural –
entre Práticas e representações,
Lisboa: Difel, 1990. CASTORIADES,
Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Tradução de
Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2ª edição, 1982. Cérebro
vê sombra como parte do corpo.
In: http://www.ciencia-shop.com.br/shop/.
Acesso em 16 de dezembro de 2003. FOUCAULT,
Michel. Microfísica do Poder. In:
http://www.sabotagem.cjb.net. Acesso
em: 20 de março de 2003. OLIVEIRA,
Jorge Martins de. Percepção
e Realidade. In: http://www.epub.org.br/cm/n04/opiniao/percepcao.htm
Acesso em: 14 de setembro de 2003 MAFFESOLI,
Michel. No fundo das aparências. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 1999. NOTAS
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