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Bachelard - Imaginário e Modernidade: Ciência e Imaginação

Arneide Bandeira Cemin - (UNIR)

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CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro

  


Bachelard é reconhecidamente um homem de ciência, seus textos epistemológicos fundamentam-se nos dados das Ciências físicas e químicas. Homem de ciência, Filósofo da Ciência, que, entretanto, ao mesmo tempo contribuiu de forma decisiva para uma Metafísica da Imaginação, uma Filosofia da Imaginação entendida enquanto poética, no sentido de poiésis, de criação. De acordo com o desenvolvimento Filosófico da modernidade – Metafísica Crítica/Kant, e Fenomenologia/Husserl, o autor indaga acerca da contextura própria dos fenômenos Ciência e Imaginação. Mas, como procede Bachelard para abordar os domínios da ciência e da poiésis?

Faz uso de uma de suas categorias epistemológicas, a noção de “ruptura” ou “corte epistemológico” que, no caso, configura-se em corte na imagem pela qual ilustra duplamente o homem. A partir da consideração das funções psíquicas fundamentais, tais como a função do real e a função do irreal; distingue e analisa o homem da ciência, “homem diurno”, que deve atuar no domínio da consciência, locus da técnica reprodutora; e o homem da poiésis, “homem noturno”, enraizado nos domínios mais arcaicos, profundos, e ainda desconhecidos da psique, locus da criação. De modo que propõe uma psicanálise da razão e da imaginação.

Ao mesmo tempo, Bachelard, no conjunto de sua obra, potencializa a razão, purificando-a do “pré-saber”, incluindo as cosmologias tradicionais e os representantes das pulsões: intimações cósmicas e orgânicas, respectivamente, recomendando que a razão científica seja “psicanalizada” para que se torne razão consciente. No mesmo movimento, limita o projeto da razão, evidenciando que ela não vai ao ontológico, ao “lócus” de criação do ser, uma vez que atua a nível pré-consciente e consciente, quando bem conduzida.

Para que a ciência realize adequadamente sua contextura fenomenológica, ele propõe os procedimentos epistemológicos suscetíveis de orientar a razão científica: o já citado “corte epistemológico”; a “superação dos obstáculos” (resistências, inércias, imagens primeiras); e, a “vigilância epistemológica”.

Quanto à objetividade científica, ele argumenta que não há verdade com validade universal; cada ciência cria a sua verdade; assim, além dos parâmetros de validade intrínsecos a cada ciência, para além das verdades suscitadas pelas epistemologias regionais, a objetividade deve ser intersubjetiva, dizendo respeito à verificação coletiva, ao estabelecimento de critérios públicos e à circulação e confrontação de idéias no interior das comunidades científicas.

Ao discutir o confronto entre o Determinismo e o Indeterminismo, aborda a causalidade salientando que desde a teoria da relatividade sabemos que o tempo é inseparável do espaço. Sendo assim, a causa não pode ser unívoca, ela é um estado escolhido entre outros estados possíveis, e estes, por sua vez, não se inserem em um instante particular retirado de uma temporalidade absoluta, mas são, eles próprios (a multiplicidade dos estados), fundados em um instante singular.

Compreende que a Filosofia da Ciência só pode ser histórica, e argumenta que a história da ciência é feita de descontinuidades, rupturas e retificações sobre o seu “tecido de erros”. Entretanto, a ciência não vive apenas de descontinuidades; assim, a relação entre o passado, o presente e o devir não é ignorada por ele que a especifica através da noção de “recorrência epistemológica”.

Afirmando que ciência e poiésis são dois projetos distintos, deve o homem de ciência abdicar da imaginação? A resposta é não. Dissemos que Bachelard contribuiu para o prestígio da imaginação, ao considera-la como tema de reflexão, reafirmando que ela é função psíquica fundamental e definindo-a como poiésis, criação. Constituindo-se como a experiência mesma da novidade e da abertura antropológica entre o homem, ele próprio, e o mundo.

Entretanto, sua pedagogia adverte que, quando se trata de fazer ciência, as “imagens primeiras”, oriundas das solicitações pulsionais, cósmicas e socais devem ser “purificadas” pelos procedimentos epistemológicos do corte, da superação e da vigilância.

Mas com essa formulação Bachelard nos colocaria diante do dilema ciência ou poiésis? Não, se considerarmos o que decorre da pedagogia do autor, pois o que ele nos propõe é uma atitude filosófica. Um chamamento para que nos tornemos filósofos, amantes da sabedoria e, com isso, a cada vez, termos a possibilidade demiúrgica de sermos os criadores dos fenômenos aos quais nos dedicamos: conhecimento, elucidação.
A ciência, diz ele, é invenção humana, é “fenomenotécnica”, fenômeno humano, artefato cultural. E o fato científico se “conquista”, contra o senso comum – nosso e do meio; se “constrói” – não é dado natural; e, se “comprova”, através da substituição das metafísicas intuitivas e imediatas pelas metafísicas discursivas, passando constantemente da descrição ao comentário teórico.

Sendo a ciência produto do espírito humano relacionado ao mundo exterior, não se sustentam as unilateralidades postas pelo Racionalismo e pelo Idealismo de um lado; e, pelo Realismo e pelo Empirismo de outro, visto que a cultura científica ocorre entre essas duas metafísicas contraditórias, porém complementares, pois a demonstração científica se apóia tanto na experiência (empiria) quanto no raciocínio (razão).

Assim, a psicologia do espírito cientifico requer a síntese das contradições e exige que o direcionamento do vetor epistemológico vá do racional para o real. Embora, não haja positividade absoluta nem do experimento nem da razão, pois a relação entre a teoria e a experiência é tão estreita no pensamento científico contemporâneo que ele deve ser flexível, móvel para, a cada vez, reordenar os seus dados, retificando os seus erros; bem como, deve dar conta das ambigüidades.

O epistemólogo deve colocar-se entre o realismo e o racionalismo para perceber o movimento duplo pelo qual a “ciência simplifica o real e complexifica a razão”. A ciência moderna baseia-se no projeto que obriga a refletir antes de observar, construir os instrumentos de observação, levando em conta que os instrumentos são “teorias materializadas”. Sendo o fenômeno um “tecido de relações”, é preciso construí-lo por métodos múltiplos, rompendo com a crença de que o “ser é sempre o sinal da unidade”, inscrever no ser os caracteres complementares e “fundar uma ontologia do complementar menos asperamente dialética que a metafísica do contraditório”.

É preciso realizar a nível psicológico o projeto epistemológico da ciência contemporânea que é “racionalismo aberto” porque “racionalismo aplicado”, e a interação entre a prática e a teoria permite as surpresas tanto de uma nova imagem ou nova associação de imagens, quanto as surpresas criadas pelas sugestões do pensamento teórico.

Entretanto, ele argumenta que o fundamento da surpresa é a função imaginante e que a felicidade do sábio é unir o poder da ação racionalista ao poder da ação criadora, ao poder da ação poética. Indica que reconhecemos a marca do progresso através daquilo que põe na nossa razão segurança e felicidade, pois a “compreensão tem um eixo dinâmico, é um impulso espiritual, é um impulso vital”. Torna-se necessário, pois, abolir o pensamento usual, o pensamento sem esforço. Retomando Nietzsche, ele estabelece a “filosofia do não”, do porque não, pois cita: “tudo o que é decisivo só nasce apesar de. Apesar da evidência, apesar da experiência imediata.

Bibliografia

BACHELARD, Gaston. O Novo Espírito Científico. Lisboa, Edições 70, 1986.

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