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Primeiras Notas
CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro
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1 - Introdução
A instigante tarefa que alguns estudiosos da Geografia
científica tem se lançado nos últimos tempos tem
sido a discussão acerca das influências que o
imaginário social tem revertido no seu correspondente
geográfico. Portanto, reflexões sobre a temática
do imaginário tem se constituído em um desfio ao
geógrafo sobretudo aquele que se dedica aos estudos culturais.
Em outro plano os estudos sobre o imaginário têm ganhado
grande conotação no cenário científico
atual, haja vista que os paradigmas científicos com base na
racionalidade imperativa, não conseguem explicar toda
complexidade do homem, das suas relações sociais e dos
espaços por estes produzidos. A este respeito observa-se, que
progressivamente, o imaginário, que a modernidade poderia
considerar como sendo da ordem do supérfluo ou da frivolidade,
tende a encontrar um lugar de escolha na vida social” (MAFFESOLI
1995; 41)
A discussão dos conceitos de imagem,
imaginação e imaginário tem sido largamente
difundida e apreciada pelos geógrafos em suas pesquisas
acadêmicas, sobretudo nos estudos fenomenológicos da
Geografia Cultural. Este fato assinala que os propósitos de uma
ciência comprometida com o estudo da natureza e do homem
transcendem a linha de pesquisa que se baseia no ser objetivo e
racional, compreendendo agora a valorização subjetiva do
ambiente e do indivíduo.
Os estudos de cunho subjetivo na Geografia foram duramente criticados
por não se aportarem em métodos que resultassem em uma
comprovação lógica, fato esse
intransponível, pois ao se analisar algo que é da ordem
do invisível não haveria objetivamente
constatações concretas e quantificáveis a serem
obtidas. Assim sendo diante do mundo em que nos encontramos, cabe a
nós geógrafo destinar uma considerável parcela de
atenção a força dos símbolos, das imagens,
dos mitos e dos imaginários construídos pela sociedade.
Apesar da ciência nos últimos séculos ter adquirido
através da racionalidade uma visão mais objetiva e
linear, as representações simbólicas e o
sentimento expressado pela terra deram valiosas
contribuições aos estudos científicos.
Aportando-se na análise da relação homem/meio a
Geografia tem na terra a base das representações
simbólicas socialmente, sendo ela portanto desde os tempos
longínquos, fonte de símbolo e significado. A terra em
essência representa mais do que o espaço de morada,
é na verdade um registro simbólico. Nesse sentido os
estudos geográficos direcionam o “olhar”
científico sobre uma dimensão subjetiva da terra, onde
estão entrelaçadas as vivências e
experiências humanas com o espaço.
A Geografia em seu trajeto como disciplina acadêmica assim como
as demais ciências sociais esteve encarcerada na
“sombria” razão iluminista. Entretanto por
privilegiar a razão como única fonte de conhecimento,
desprezava-se toda tentativa de romantismo ou pensamento irracional que
aflorasse. Baseando-se em verdades absolutas o pensamento racional
pretendia abarcar toda forma de conhecimento produzida na époque iluminist,
refutando evidentemente aqueles preceitos que não se
enquadrassem nos seus postulados. A ruptura com os parâmetros da
razão pura fez surgir a possibilidade de contemplar os estudos
sobre a imaginação, a poética espacial, bem como
os sentidos que os lugares adquirem para uma determinada sociedade.
A Geografia Humanística com os estudos na área da
Geografia Cultural esquadrinhou com propriedade as novas propostas de
abordagem, sobretudo no que concerne ao espaço geográfico
enquanto espaço de vivencia dotado evidentemente de sua carga
subjetiva. Aportada nos pressupostos fenomenológicos, a
Geografia Humanística traçou um novo percurso
metodológico, onde se privilegiou a coisa em sí, ou seja,
parte-se da análise de como as coisas se apresentam, como elas
estão dispostas no mundo e como fazemos a
representação das mesmas.
Diante deste cenário que se forma nas ciências sociais e
mais especificamente na Geografia, observa-se que são levantadas
questões instigantes que de certa forma ampliam o quadro de
conhecimento da disciplina e ainda propõem novos desafios a
investigação científica, pois abordam temas da
ordem do “invisível”, da dimensão do vivido
na sociedade, as quais foram fortemente refutadas pelo pensamento
científico do século XVIII até os tempos atuais.
Entretanto, apesar das críticas destinadas a essas abordagens,
de cunho irracional, constata-se a retomada vigorosa dos temas do
imaginário e da imaginação por grandes pensadores
como Bachelard e Sartre no século XX onde reforçaram o
caráter revitalizador e substancial de tais temas em
relação a realidade social.
Os pressupostos que regem uma geografia do imaginário perpassam
indubitavelmente pela discussão dos conceitos de imagem,
imaginação e imaginário. É sabido que tais
conceitos são emprestados das ciências sociais, como a
Antropologia, Psicologia, que notadamente diligenciaram calorosos
debates no âmbito das suas teorizações. Desse modo
o geógrafo que se propõe a analisar as estruturas do
imaginário em uma dada sociedade, bem como sua expressão
e influência no espaço geográfico, deve
debruçar-se sobre tais conceitos de forma que articule as
reflexões produzidas por outras áreas do conhecimento,
com os propósitos que encerram os estudos geográficos do
imaginário.
2 - Por uma Geografia do Imaginário: notas iniciais
A instigante tarefa que muitos geógrafos culturais tem
se detido no meio científico atualmente, tem sido a analise do
imaginário no espaço geográfico. Contudo é
sabido que tal tarefa se torna um desafio, pois as reflexões que
se tem processado no âmbito das discussões sobre o
imaginário são em suas maioria proveniente de
áreas como a Antropologia, Psicologia, História entre
outras. Assim sendo, diante disto cabe ao geógrafo que pretende
navegar pelo mundo imaginário articular os conhecimentos
específicos de sua área com as demais ciências,
como forma de desvelar o incrustado campo imagético de uma
sociedade.
Ao investigar como ocorre o processo de construção
imagética de uma sociedade o pesquisador estará
interpretando os símbolos que são evocados para compor o
imaginário social, os quais estão intrinsecamente
relacionado com o lugar, ou seja com o seu componente
geográfico. Como mesmo afirma CASTRO (1997, p.178)
“reafirmamos, como desdobramento das discussões acima, que
todo imaginário social é também um
imaginário geográfico, porque, embora fruto de um
atributo humano – a imaginação – é
alimentado pelos atributos espaciais não havendo como
dissociá– los”. Desse modo pretende-se neste ensaio
esquadrinhar uma leitura onde o componente do imaginário
geográfico torna-se conteúdo e continente para delinear
uma reflexão a cerca da dimensão geográfica do
imaginário. Diante deste quadro de referência,
buscar-se-á delinear reflexões para compor o que se
chamaria de uma Geografia do Imaginário, assim caberia indagar
que pressupostos e/ou teorias seriam evocadas para diligenciar uma
leitura do imaginário social.
As evidências não palpáveis que se fixam no
inconsciente coletivo representam os símbolos produzidos e
construídos socialmente os quais por sua vez denotam a
idéia representativa de uma realidade. “As imagens mentais
podem se tornar símbolo, quando se tornam familiar dentro de uma
sociedade a ponto de ultrapassar seu sentido geral e imediato”
(ELIADE;1996,157). Assim sendo, isso nos leva a pensar que ao
representar uma sociedade estaremos nos referindo aos símbolos,
não a própria realidade em si. Por exemplo, quando nos
referimos ao Rio de Janeiro como “a cidade maravilhosa” do
Pão de Açucar, Corcovado, Copacabana, Carnaval,
são imagens e representações mentais evocadas que
não são o Rio de Janeiro, más que falam por ele.
Assim uma dada realidade é reconstruída pelo
imaginário através de seus recursos simbólicos.
Para JUNG, (1964: p.20) “o símbolo é um termo, um
nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida
diária embora possua conotações especiais
além do seu significado evidente e condicional”. Os
símbolos podem evocar diferentes olhares e entendimentos
diversos, pois estão relacionados com a subjetividade, podendo
tanto ser causadores de contentamento, como de desprezo ou repulsa.
Portanto os símbolos têm essa característica de
aflorar sentimentalidade que na verdade são reflexos de nossas
experiências com os objetos simbólicos. Por exemplo, a
cruz de madeira para um cristão católico tem um
significado, uma áurea mística que para um budista ou um
protestante não teria. Entretanto, apesar do fato de atribuirmos
uma valoração simbólica a um objeto ele não
deixa de ser na verdade o que de fato é, dois pedaços de
madeira sobrepostos se tomarmos o exemplo acima de forma simplificada.
É relevante destacar que os símbolos religiosos
não são representações individuais, mas
coletivas e mesmo com a interferência do homem não se
tornaram símbolos de uma hora para outra, para serem de fato
aceitos passaram por inúmeras transformações.
O maior objetivo dos símbolos religiosos é dar sentido a
existência do homem, transcendo os limites da vida e dando-lhe a
oportunidade de alcançar a plenitude. Eis então o sentido
do símbolo não só religioso, que possibilita ao
homem representar o seu mundo e que ao fazer isso ele estará
ultrapassando a dimensão do real, dando então uma
significação a existência humana. Dentro deste
quadro de referência pode-se inferir que um nome ou uma imagem
torna-se simbólico quando ultrapassa o limite do seu significado
imediato e adquiri um caráter inconsciente. Uma vez entendidos
como representações do inconsciente pela mente do
indivíduo, não se torna particularizados, ou seja eles
não são representações individuais, mas
coletivas. Para Jung “as origens do inconsciente estão
além da história em si e dentro da evolução
do homem (... ) o inconsciente mantêm-se com o passar dos tempos,
sendo reserva dos elementos que caracterizam o homem não como
ele é no momento em que vive” (JUNG,1993:p. 14)
O citado autor revalorizou o imaginário em seus tratados
psicológicos ao resgatar as capacidades imaginativas do
inconsciente e ao discutir em seu método terapêutico os
arquétipos, em outras palavras seriam aquelas imagens
psíquicas do inconsciente coletivo que seriam herdados pelo
indivíduo. O discípulo de Freud propôs um novo
percurso teórico estabelecendo novos elementos para
compreensão e análise do imaginário social. Em
linhas gerais Jung em seus tratados teóricos sobre o
imaginário evidencia que o inconsciente coletivo estaria como o
elemento caracterizador do homem histórico e complementar ao
conteúdo consciente, sendo constituído por uma linguagem
rica em imagens e símbolos.
Diante da construção simbólica produzida pela
sociedade cabe interpelar então qual seria o lugar do
imaginário, ou seja, que relações teriam o
imaginário com os simbolismos gerados coletivamente. Ao evocar
imagens e símbolos para representar um determinado fato social
um grupo estará por sua vez alimentando o imaginário, o
que implica dizer que este se expressa por meio de símbolos para
reconstruir o mundo real. O imaginário mantém uma
flexibilidade na manipulação das imagens, de tal forma
que distorce, (re)cria , metamorfoseia ao representar a realidade.
“O pensamento imaginário nada mais é do que
construir uma imagem do ambiente fazendo ele correr mais depressa que o
ambiente” (GEERTZ; 1978: p.185).
A constituição do imaginário ainda perpassa pela
formação e influência das
instituições sociais, religião, uma
organização econômica, um sistema de direito ou um
poder instituído. Elas por si já constituem um todo
simbólico, não se reduzem a isso, mas notadamente se
nutrem de tal condição imaginária onde possuem uma
grande rede de significados. É notório o fato de que
estamos cada vez mais articulados a um sistema de
significações que constitui o imaginário social.
Entretanto, tem-se que ressaltar que tais simbologias estão
não somente atreladas à dimensão humana, mas que a
dimensão geográfica também influencia na
formação desse imaginário, já que é
sobre uma base física que se dão as
relações sociais e onde a história da humanidade
se desenvolve.
Os objetos geográficos têm uma significativa
contribuição para a afirmação do
imaginário, haja visto que se incorpora na vida cotidiana e
coletiva de forma tal que as práticas sociais lhe conferem um
valor simbólico. As paisagens naturais com todos os seus
elementos físicos assim como as paisagens artificiais, aqueles
frutos da construção humana, consubstanciam em imagens e
representações da alma coletiva. Os lugares estão
carregados de afetividades e simbologias para um determinado
indivíduo, que também fazem parte do imaginário
coletivo. A cidade de Meca para os mulçumanos representa de fato
a ligação do homem a sua terra, a genitora da vida
humana, mas também uma imagem que foi socialmente
construída pela religião islâmica de uma terra
abençoada pois foi naquele local onde Alá revelou o livro
sagrado o Alcorão ao profeta Maomé. Há portanto no
imaginário uma geograficidade pela relação concreta que se estabelece entre o homem e a terra.
A terra em essência representa mais que um espaço de
morada , é na verdade um registro simbólico. Como base
para as representações imagéticas a terra se
constitui também em um componente do imaginário social,
pois embora fruto de atributos humanos a capacidade imaginativa se
alimenta também de atributos espaciais, estando ambos portanto
indissociáveis. Portanto, “O imaginário reporta-se
a espaços, produz uma topografia que lhe é própria
e reflete, embora transformando as relações que o homem
estabeleceu com o espaço onde o passado trouxe suas
inscrições, dando assim uma materialidade a
memória coletiva” (BALANDIER apud CASTRO;1997 p. 177).
O espaço dessa forma seria tanto conteúdo quanto
continente do imaginário social, em outras palavras poder-se-ia
afirmar que tanto a própria morfologia da paisagem se
inscreveria como atributo para leitura do imaginário
geográfico quanto às relações que se
estabelecem nesses espaços seriam significativas na
construção do imagético. A
constituição do imaginário social se dá
tanto no campo do emaranhado humano quanto no da racionalidade geométrica
, sendo a simbiose entre o visível e o invisível , o
cristal e a chama, o valor e o não valor, o sonho e a realidade.
Para Castoriadis o termo imaginário refere-se :“a quando
queremos falar de alguma coisa, “inventada” quer se trate
de uma invenção “absoluta” uma
história imaginada em todas as suas partes ou do deslizamento,
de um deslocamento de sentido, onde os símbolos são
investidos de outras significações, normais ou
canônicas”(CASTORIADIS;1982,154)
O imaginário reporta-se aos simbolismos para exprimir-se, isso
quer dizer que as representações sociais ou as imagens
mentais dos indivíduos se expressam por meio de símbolos
que chegam até o consciente como imagens, formando-se no
inconsciente coletivo o que permite a comunicação com o
imaginário. Obviamente que tais aparatos imagéticos dizem
alguma coisa sobre um determinado fato ou objeto, tendo, portanto uma
função simbólica. Mas o simbolismo também
incita uma capacidade imaginária permitindo ver em uma coisa o
que ela não é, ou seja os atributos simbólicos
têm o poder de modificar a apreensão da realidade pois
realizam uma outra leitura do mundo. Ainda discorrendo sobre as fontes
de criação do imaginário Castoriadis coloca
então um imaginário radical, origem de um
imaginário efetivo, o qual teria a capacidade elementar de
evocar imagens.
Assim sendo faz-se necessário incursar pelos labirínticos
campos de discussão sobre o que venha a ser imagem,
imaginação e imaginário. Segundo FERREIRA (2001;
373) imagem refere-se “aquilo que evoca uma determinada coisa,
por ter com ela semelhança ou relação
simbólica; símbolo (...) produto da
imaginação consciente ou inconsciente;
manifestação do sensível”. Dessa forma a
imagem estaria associada a representação do mundo real,
expressando-se através da capacidade que o homem tem de
construir figurações a partir de objetos da realidade.
Sartre preconiza quanto a discussão da imagem que não se
deve coisificá-la, criticando por sua vez a teoria
clássica da imagem miniatura e contra a doutrina bergsoniana da
imagem recordação. Na tentativa de evitar a
“coisificação” da imagem Sartre apregoa o
método fenomenológico que não deixa aparecer do
fenômeno imaginário mas do que intenções
purificadas de qualquer ilusão de imanência.
Segundo SANTAELLA & NÓTH (1985;15) o campo de imagens se
divide em duas dimensões, uma em que exerce o domínio das
imagens como representações visuais, desenhos, gravuras,
pinturas entre outros. Tais imagens são por sua vez, objetos
materiais, signos que representam o nosso ambiente visual. A outra
dimensão estaria relacionada ao domínio imaterial das
imagens de nossa mente. Neste domínio imagens aparecem como
visões, fantasias, imaginações, esquemas modelos.
Ambos os tipos de imagens não são excludentes, mantendo
uma forte ligação desde sua origem, pois
“não há imagens como representações
visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que
as produziram do mesmo modo que não há imagens mentais
que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos
visuais” (SANTAELLA & NÖTH:1985;15). Deteremos mais
nossa atenção nas imagens fantasiosas, aquelas que
habitam as mentes humanas e que são fruto do devaneio,
ilusão da imaginação.
O conceito de imagem desemboca em outros conceitos como de signos e
representações, que são expressão do lado
perceptível e o lado mental das imagens. Infere-se, pois que
signos e representações são sinônimos
referindo-se a uma mesma base imagética consubstanciada pelo
mundo real, assim como também pelo mundo irreal. Mas até
que ponto poder-se-ia afirmar que algo é da ordem do real ou do
imaginário, se a própria realidade pode não ser
tão real como se pensa, não passar de uma ilusão.
Portanto como mesmo afirma MERLEAU-PONTY (1971; 8) “o real
é tecido sólido, não espera nossos juízos
para anexar os fenômenos mais surpreendentes nem para rejeitar
nossas imaginações mais verdadeiras”, o que implica
refletir que independente de nossas aspirações ou
concepções o mundo está aí para formularmos
nossas representações.
Por muito tempo a imagem foi relegada a arte de persuadir dos
pregadores, dos poetas, dos pintores como resultado do devaneio e da
ilusão. Apesar dos inúmeros estudos produzidos na
área das ciências humanas, acerca da
imaginação e da imagem, muito se tem a discutir e ainda a
apresentar sobre tais conceituações, sobretudo quando
interpretadas como fabulosas invenções sem
significância para o mundo moderno. Eis então o desafio a
ser vencido pelo cientista que se propõe a deleitar-se nos
caminhos por vezes insondáveis do imaginário.
Os sentidos humanos são inundados por imagens que se articulam
na mente formando a engenharia da imaginação
representando “a máquina” de forma imagens que
transcende o mundo real. “A imaginação não
fornece apenas imagem da realidade, ao contrário é a
faculdade de formar imagens que ultrapassem a
realidade”(BACHELARD apud CORRÊA; 1999;219). Ao capturar as
imagens por meio dos dados sensoriais a imaginação
desempenha o papel de metamorfosear sem reproduzir mimeticamente,
produzindo novos significados, haja visto que esta possui uma
capacidade metafórica de gerar tais resultados.
A imaginação não é somente fruto dos
estímulos do ambiente que nos chegam pelos sentidos, nem
só o intelecto que nos separa dela. A imaginação
ou o conhecimento da imagem é proveniente do entendimento.
“É o entendimento, aplicado a impressão material
produzida no cérebro, que nos dá uma consciência da
imagem (...) que possui a propriedade estranha de poder motivar as
ações da alma” (SARTRE apud CORRÊA; 1999: 219)
O pensamento humano se centra muito em termos de uma vontade que
controla, más não o suficiente em termos de uma
imaginação que libera. Seguindo a filosofia liberalista
da imaginação poderemos compreender a centralidade dessa
filosofia em gerar novos significados para o mundo e assim entenderemos
as relações entre imaginação individual e
coletiva e suas implicações geográficas; os modos
de a imaginação aproximar do mundo natural, os
conflitantes temporais da ação humana, o passado e o
futuro no âmbito da imaginação cultural, a natureza
crítica da imaginação.
O mundo dos significados está repleto de símbolos que se
alojam no imaginário coletivo, afirmando a identidade de uma
dada comunidade. Suplantado pelos apetrechos teóricos da imagem
e da imaginação, o imaginário estaria no plano
irreal. Sendo fonte de (re) construção do real a partir
das imagens, símbolos e signos estariam por sua vez (re)
construindo as bases constituintes da vida social.
Na medida em que o homem passa a utilizar sua capacidade imaginativa
metaforicamente, a partir de suas interações com o mundo
real, ele passa também a criar seu imaginário - na
verdade trata-se de uma visão ou visões de mundo. Vivemos
em um mundo dotado de imagens não somente visuais, mas
também mentais. As representações do mundo feitas
pelos homens refletem os seus valores e escolhas em um dado momento da
existência, o que incide sobre o caráter subjetivo da
imaginação, bem como do imaginário. “A cada
instante sonho em torno das coisas, imagino objetos ou pessoas cuja
presença não se misturam ao mundo, estão diante do
mundo, no teatro do imaginário” (MERLEAU-PONTY; 1971: p. 8)
O imaginário estabelece uma conexão obrigatória
com o mundo real onde se constitui toda a representação
humana; esta conexão se realiza necessariamente no
espaço, lugar por excelência e fonte inesgotável de
signos e símbolos do imaginário social. Ao expressar o
mundo, ao fazer uma representação do mundo estarei
expressando o meu eu, pois o homem mantém uma
ligação profunda com a terra, não se expressando
somente com o telurismo, mas referindo-se a uma relação
de consubstanciação onde ambos se fundem em um mesmo ser.
Trazemos em nossas mentes tanto experiências do real quanto do
imaginário que se incorporam em nossas estruturas cerebrais
alocando essa fonte energética que é o imaginário,
o qual se formaliza individual e coletivamente, materializando-se em
ações mediadas por imagens e símbolos. Como fonte
vital para existência de uma sociedade o imaginário se
alimenta de um espaço, que obviamente contém
símbolos, signos e imagens, quando não muito é ele
a própria representação. É
incumbência dos cientistas que estudam os labirínticos
caminhos teóricos do imaginário desvelar por meio de
métodos que contemplem a intersubjetividade, a busca das
essências, da interpretação das
representações mentais, das imagens, o substrato das
ações concretas dos atores sociais tanto no tempo quanto
no espaço.
Tecida uma sucinta discussão sobre os desdobramentos do
imaginário social cabe ressaltar a afirmação de
BALANDIER apud CASTRO (1997; 169) onde o “imaginário
permanece mais do que necessário, sendo de algum modo o
oxigênio sem o qual toda a vida pessoal e coletiva se
arruinariam”. Talvez seja exagero do autor supracitado em colocar
o imaginário como “pedra angular” de onde
provém todas as fontes que regem e dinamizam a vida, mas
é provável que esta dimensão imaginária
seja o fluído vital para nossas ações no cotidiano.
3 - Do território ao lugar: percorrendo os meandros do imaginário geográfico
Ao se apropriar de um determinado espaço a sociedade
transforma-o em território, onde passa a estabelecer
relações de poder sobre a base física. Esse
processo de territorialização é mediado pelas
práticas sociais que controlam, gerenciam e atuam ativamente
sobre o território. Entretanto percebe-se que o
território envolve não só uma
relação de poder e posse sobre um espaço, mas
há nessa unidade físicas dimensões subjetivas,
onde o indivíduo expressa um elo muito forte com o ambiente onde
vive, conferindo-lhe outros significados.
“O território envolve não somente um
“ter” mediador de relações de poder
(político-econômico) sobre parcelas do espaço, ele
compõe também o “ser”. Ao mesmo tempo
prisão e liberdade, lugar e rede, fronteira e
coração, o território de identidade pode ser uma
prisão que esconde e que oprime ou uma rede que se abre e se
conecta e um coração que emana poesia e novos significados” (HAESBART apud CORRÊA; 1999:p. 186)
Assim constata-se que o território produz uma forte carga
subjetiva de onde emanam todas as relações de apego com
uma determinada terra. Esse telurismo exacerbado que se desenvolve na
população é fruto do contato cotidiano que o homem
mantem com o solo. . A esse respeito o termo topofilia formulado
por TUAN evoca bem os laços afetivos dos seres humanos com o
ambiente natural, por sua vez é fonte geradora das imagens. O
autor citado nos alerta que “o meio ambiente pode não ser
a causa direta da topofilia, mas fornece o estímulo sensorial
que, ao agir como imagem percebida, dá forma às nossas
alegrias e ideais” (TUAN; 1980; 129).
Quanto ao contato físico com a terra, atenta-se para o fato de
que o agricultor ou homem do campo mantém um intrínseco
envolvimento com a natureza e a paisagem se apresenta não
só como um instante cênico, mas como uma parte de seu ser.
O apego à terra do pequeno agricultor ou camponês
é profundo. Conhecem a natureza porque ganham a vida com ela
(...) para o trabalhador rural a natureza forma parte deles – e a
beleza, como substância e processo da natureza pode-se dizer que
a personifica. Este sentimento de fusão com a natureza
não é simples metáfora. Os músculos e as
sicratizes testemunham a identidade física do contato. A
topofilia do agricultor esta formada desta intimidade física, da
dependência material e do fato de que a terra é um
repositório de lembrança e mantém a
esperança. A apreciação estética
está presente mas raramente é expressada (TUAN; 1980:p 111)
As construções simbólicas que se processam no
território são em essência imagens que projetadas
nas mentes dos homens tomam significados
diferentes, pois estão intrinsecamente relacionadas a
dimensão subjetiva do indivíduo, que notadamente recebe
influências do meio e da sociedade a qual encontra-se inserido.
Isso nos leva a pensar que “os nossos territórios
existenciais são imagéticos. Eles nos chegam e são
subjetivados por meio da educação dos contatos sociais,
dos hábitos, ou seja da cultura2 que nos faz pensar o real como totalização das abstrações”(ALBUQUERQUE;1996:27)
A sociedade produz um imaginário como condição
fundamental para seu funcionamento. Para tanto tal
produção se dá em uma base cultural que obviamente
mantêm seus rituais, cerimônias, objetos culturais.
“A cultura é meio pelo qual os indivíduos
transformam o fenômeno cotidiano do mundo material num mundo de
símbolos e significados, ao que dão sentido e atrelam
valores” (STUART HALL apud CORRÊA;1999:25). A cultura
muitas vezes é interpretada como uma realidade
“superorgânica” ou seja, que está contida nos
espaços antes mesmo da existência humana, o que é
na verdade uma forma de reificá-la. A cultura para GEERTZ (1978;
20) “é este documento de atuação
pública que tanto pode passar de uma piscadela burlesca a uma
incursão fracassada de carneiros. Embora uma
ideação não existe na cabeça de
alguém, embora não física é uma identidade
oculta”. Isso nos leva a pensar que a cultura enquanto
invólucro das simbologias produzidas pelo homem não
é, pois a raiz do imaginário, mas pode ser compreendida
como um elemento mediatizador no processo de construção
das imagens.
Ao incursar-se pelos meandros da dimensão imaginária da
sociedade estamos de certa feita penetrando também nos
incrustados veios do mundo real. Não se interprete aqui o real e
o imaginário como dimensões excludentes onde a mente
humana funcionaria como uma ponte destinada a ligar estas duas
superfícies da vida social. Deve-se, portanto partir do
pressuposto de que o imaginário e o real integram um mundo
só, são uníssonos. Isto resulta afirmar que ambos
devem ser analisados como interdependentes, onde um serve de
sustentação para explicar o outro.
A experiência com o mundo nos permite formular as primeiras
imagens que armazenamos em nossas mentes ainda quando crianças,
ela conota uma posição de passividade, pois nos achamos
sempre sujeitos a sofrimentos ou a situações inovadoras,
que resultaram em um aprendizado ou não. “Assim a
experiência implica a capacidade de aprender a partir da
própria vivência. Experienciar é aprender,
significa atuar sobre o dado e criar a partir dele” (TUAN;
1983;10). A experiência envolve as várias formas em que
uma pessoa conhece e constrói a realidade, quer seja
através dos sentidos mais passivos e diretos como tato, olfato,
paladar e visão, quer pela simbolização indireta.
Os órgãos sensoriais se constituem na verdade na primeira
apreensão do lugar, que nos permite posteriormente formularmos
uma imagem ideal que se associa ao sentimento que determinado lugar
proporciona. A respeito da experiência com os lugares TUAN
exemplifica com muita propriedade o seguinte:
“Quando residimos por muito tempo em um determinado lugar,
podemos conhecê-lo intimamente, porém a sua imagem pode
não ser nítida, a menos que possamos vê-lo de fora
e pensemos em nossa experiência. A outro lugar pode faltar o peso
da realidade porque conhecemos apenas de fora – através
dos olhos de turista e da leitura de um guia turístico. É
uma característica da espécie humana, produtora de
símbolos que seus membros possam apegar-se apaixonadamente a
lugares de grande tamanho, como uma Nação-Estado dos
quais eles só podem ter uma experiência direta limitada”(TUAN:1983:96)
Entretanto se faz necessário ressaltar que a
espacialização que o homem faz do mundo a nível
experiencial parece estar exclusivamente limitada a ação
pragmática e a dimensão perceptual. Em se tratando de um
exemplo poderíamos pensar que um determinado número de
pessoas que moram em um bairro reconhecem profundamente sua
área, porém é possível que
desconheçam uma área ocupada em outro bairro. Entretanto
é fato notável que ambas reconhecem uma dimensão
maior como a cidade, o estado, a região
À medida que adquire definição e significado o
território transforma-se em lugar, onde jazem as
experiências íntimas e onde encontramos
condições para realizarmos nossas necessidades
fundamentais de existência. O lugar é em ultima
análise “uma pausa em movimento” (op. cit. 1983:
153), o que significa dizer que a pausa permite pensar a localidade
como uma centralidade, onde tudo converge para um mesmo ponto, é
o encontro de todos os lugares em um só. O sentimento com o
lugar se afirma quando são resgatados instantes do passado
atraentes e que evocam imagens representativas, como mesmo afirma o
autor supracitado “a história é responsável
pelo amor à terra natal” (op. cit. 1980: 115). Essas
imagens podem não só dar conta da totalidade concreta mas
referir-se a coisas efêmeras e familiares, com as
experiências ou acontecimentos mais simples que se transformam em
um sentimento profundo em relação ao lugar.
A memória por sua vez se torna imprescindível para
entendermos também a constituição de um lugar,
pois ela aqui não é entendida como um instrumento para
explorar o passado, mas um meio para entender como se deram as
vivências em um determinado lugar. “A memória tece
as alegrias mais intensas e nos mantém a sua mercê
através das ninharias, algum som, o tom de uma voz, o odor do
piche e das algas marinhas do cais (...) este certamente é o
significado de um lugar onde cada dia é multiplicado por todos
os dias anteriores” (op.cit. 1983: 160)
O sentido do lugar muitas vezes pode estar relacionado com o uso que as
pessoas fazem dele ou então da permanência de uma persona que
por caracterizar o ambiente com suas práticas e afazeres
diários, da-lhes características inerentes a
personalidade do indivíduo. O lugar torna-se mítico no
sentido de que imaginamos que está associada a algo imaterial
como a personificação. Temos sempre um personagem que se
destaca no imaginário social, seja aquele sujeito que é
tido como pouco tolerante, ou então aquele que vive infurnado em
uma igreja e fora mantém uma vida pecadora, ou então
aquela senhora que dizem se alimentar de fígado de doces
crianças, quando na verdade ela apenas é uma misantropa;
um elemento de grande carisma por fazer caridade curando os males dos
enfermos de espírito, enfim figuras que se destacam no
cenário cotidiano. Essas pessoas tornando-se mitos e mitificando
os lugares. “O espaço mítico é uma
área imprecisa do conhecimento deficiente envolvendo o
empiricamente conhecido (...) é um componente espacial de uma
visão de mundo” (TUAN;1983: 97)
O território e o lugar se configuram como categorias conceituais
que apregoam o caráter subjetivo do espaço, onde o
território existencial se apresenta como imagético e por
sua vez serve de base para afirmar uma identidade coletiva. A
territorialidade foi construída notadamente pelas
práticas sociais que se efetivaram no espaço as quais
inseriu-se em um determinado espaço/tempo simbólico. O
lugar por sua vez como uma pausa em movimento representa o encontro de
todos os momentos em um só local, refere-se também ao
sentimento que desenvolvemos ao se relacionar cotidianamente com as
pessoas e com os objetos. A interconexão dessas espacialidades
denota as dimensões físicas e abstratas que se eternizam
na vida social.
4 - Considerações finais
Navegar pelo mundo do imaginário é antes de
tudo revelar o substrato da vida cotidiana social, diante disto se faz
necessário investigar como se forma o processo da
construção imagética de uma sociedade.
Ao viver em coletividade o homem passa a estabelecer
relações com o seu meio e seus semelhantes e para manter
tal relação ele necessita incorporar a sua vida elementos
simbólicos e signícos que notadamente funcionarão
como códigos identificadores do grupo. Tais códigos
evidenciam experiência que cada povo manteve com o mundo.
Desenvolvendo esses símbolos codificadores a sociedade apregoa
um dos sustentáculos da vida social: a linguagem, sendo um
sistema de códigos simbólicos que é uma das fontes
motrizes do imaginário social
A capacidade que o homem tem de criar e dar significado aos
símbolos está entre um de seus atributos desde suas
evidências mais remotas na terra, basta lembrar os registros
iconográficos deixados nas cavernas ou ainda os imponentes
templos destinados aos Deuses da natureza que são na verdade
resquícios de um estágio da evolução do
homem. Entretanto esses fatos se centram mais em evidências
materiais, mas o que nos interessa são justamente as não
materiais que se fizeram presentes no imaginário coletivo com o
passar dos tempos e para os quais a ciência moderna custou a
abrir os olhos.
Entender as linhas imaginárias que a sociedade imprime sobre sua
existência é resgatar um pouco da produção
simbólica, evidenciando que o imaginário se exprimi por
ela e que ao se tornar simbólico uma imagem ou um nome
ultrapassa seu significado adquirindo um caráter inconsciente. O
inconsciente coletivo estaria impregnado na história do homem
não tendo portando uma referência para o seu surgimento,
assim explica-se o seu caráter eterno, pois perpetua suas
estruturas que dão significado a existência humana. O
simbolismo, mas do que nunca se edifica como a fonte basilar para
produção imagética de um dado grupo. A cultura por
sua vez seria o invólucro que não só conteria toda
produção imagética como também estaria
contida dentro deste, delineando a rede de valores e significados que a
sociedade institui ao longo de sua existência. Assim em linhas
gerais esboça-se o cenário no qual se engendra um caminho
para construção de uma Geografia do Imaginário,
sem a pretensão de estar criando uma nova categoria dentre
tantas geografias que existem, pois na medida em que o homem
começou a construir sua existência neste mesmo momento
criava-se as bases para uma geografia imagética.
5 - Referências Bibliográficas
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____. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Trad, Lívia Oliveira. São Paulo: DIFEL, 1980.
NOTAS
1) Mestrando em Geografia - UFRN
. Volta
2) Cultura no seu sentido amplo,
etnográfico, é o conjunto complexo que inclui o
conhecimento, as crenças, a arte a moral, o direito, o costume e
qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo homem como
membro de uma sociedade (E. B. TAYLOR apud CANEVACCI, 1997: 7)Volta
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