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Primeiras Notas
CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro
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O imaginário é o perfume do real.
Por causa do odor da rosa eu digo que a rosa existe!
(Transcrito)
Resumo
Este artigo se propõe a
construir uma reflexão sobre o imaginário a partir de
leituras introdutórias que partem da imaginação,
bem como de pesquisas referentes aos trabalhos de Gilbert Durand,
particularmente a obra, "A Imaginação Simbólica" -
referência de estudos no âmbito da temática posta.
Pretendemos sistematizar um estudo inicial através de
inferências sobre as representações ou as formas
simbólicas presentes nas práticas sociais, relacionando
os principais conceitos desta ciência emergente.
Palavras-Chave: Imaginação, imagens e imaginário.
A produção deste texto representa um esforço no
sentido de compreender a constituição do
imaginário. Trata-se portanto de um olhar de uma iniciante,
daí a idéia de considerarmos leituras também
introdutórias, partindo da imaginação para o
imaginário, um percurso textual muito semelhante ao que estamos
trilhando cognitivamente para apreender a temática posta.
Nosso trabalho foi no sentido de produzir um texto inicial, com
características quase didáticas, que possa contribuir na
leitura de quem tem poucas informações sobre o
imaginário, e nesta perspectiva, se coloca como ponto de partida
para outras leituras sobre a questão.
De acordo com Trindade e Laplatine(1996), a imaginação
pode ser compreendida como tudo aquilo que não existe, um mundo
oposto à realidade concreta. Refere-se a uma
produção de devaneios, de imagens que explicam e permitem
a evasão para longe do cotidiano. Para estes autores, a
necessidade de entendermos a realidade é no intuito de
superá-la e, uma das formas possíveis é
através da imaginação, uma vez que possibilita
chegarmos ao real e até vislumbrá-lo antes deste se
constituir em real.
As sociedades ocidentais utilizam a imagem como forma de conhecimento e
comunicação social. Acontece que as imagens padronizadas
não conseguiram superar as práticas do imaginário
como as narrativas orais, o teatro de rua e outras
manifestações neste sentido. Fenômeno este
identificado por Durand - fundador do Centro de Pesquisa sobre o
Imaginário em Grenoble, 1966, como a civilização da imagem já que produz "efeitos perversos e perigosos que ameaçam a humanidade do sapiens".
Nesta perspectiva, a imagem acaba impondo seu sentido a um espectador
passivo pois a imagem "pronta" anestesia aos poucos a criatividade
individual da imaginação. Há registros de que
Bachelard - pensador-referência do imaginário, dava
preferência à imagem literária do que a imagem
irônica.
Neste sentido este tipo de imagem, é uma forma de
violentação das massas, pois o espectador é
orientado pelas atitudes coletivas da propaganda, como por exemplo, a
ilustração apresentada por Trindade e Laplatine(1996)
como o nivelamento que ocorre com o espectador de TV que engole com a
mesma voracidade espetáculos de variedades, discursos
presidenciais, receitas de cozinhas e notícias
catastróficas ou o mesmo "olho de peixe morto" que contempla as
crianças que morrem de fome na Somália, a
"purificação étnica" na Bósnia ou o
arcebispo de Paris subindo a escadaria da Basílica de Montmartre.
Esta anestesia da criatividade do imaginário e o nivelamento dos
valores numa indiferença espetacular, são
reforçados pela questão da "fabricação das
imagens". A sua distribuição escapa de um
responsável, isso permite às manipulações
éticas e as "desinformações" por produtores
não identificados. A famosa liberdade de
informação é substituída por uma total
"liberdade de desinformação". Pois a imagem sufoca o
imaginário.
O imaginário reconstrói ou transforma o real; funciona
como uma imaginação transgressora do presente, refere-se
a um possível não realizável no presente, mas que
pode vir a ser real no futuro. Ex: Júlio Verne transgrediu
através do imaginário quando construiu o possível
real do futuro: o submarino que permitia conhecer o mundo em 80 dias.
Portanto antes de serem pensadas por cientistas, muitas
invenções foram vislumbradas por poetas e escritores.
Então, a vida social é impossível fora de uma rede
simbólica.
Gilbert Durand, citado por Cemin (1998), entende o Imaginário
como "o conjunto das imagens e das relações de imagens
que constituem o capital do homo sapiens. De sua coleta de imagens, ele
retira uma série de conjuntos constituídos em torno de
núcleos organizadores (constelações e
arquétipos).
Este filósofo e antropólogo, nasceu em 1º de maio de
1921 em Chambéry, na França. Recebeu forte
influência de mestres como: Bachelard, Jung, Lévi-Strauss,
entre outros. Graduou-se em Filosofia (1947); doutorou-se em Letras
(1959). Fundou (1967) e presidiu o Centro de Pesquisas sobre o
Imaginário; dentre vários títulos e
ocupações, é professor catedrático na
Universidade de Grenoble.
Não se atendo as propostas da "moderna ciência ocidental"
baseada no racionalismo cartesiano e no positivismo de Comte,
desenvolveu a mitodologia - orientação epistemológica que
surge na perspectiva de se constituir numa abordagem científica
que leva em conta o elemento espiritual e coletivo na concretude da
realidade imediata.
A favor da interdisciplinaridade, opõe-se ao dualismo
filosófico que coloca em extremos o materialismo e o
subjetivismo; através da teoria que desenvolveu, Durand ratifica
a retórica da imagem simbólica e reafirma a
dimensão dos arquétipos e a força diretiva dos
mitos, pois como ele mesmo já afirmou, o imaginário
não é uma simples abstração uma vez que
segue regras estruturais da hermenêutica.
Ao longo de 15 anos de trabalho, Durand sistematizou uma
classificação dinâmica e estrutural das imagens e
propôs uma teoria que considera as configurações
constelares de imagens simbólicas, a partir de
arquétipos(símbolos universais) - as estruturas
antropológicas do imaginário - e também uma
metodologia sustentada no "método crítico do mito",
daí a mitodologia, que supõe duas formas de
análise: a mitocrítica e a mitanálise.
A questão do mito, vista mais como relato fantasioso, emerge com
muita vitalidade no pensamento de Durand, pois é visto como o ultimo fundamento teoricamente possível de explicação humana - da operacionalização do conceito de mito, o antropólogo desenvolve a sua mitodologia.
Durand vê o mito como um arranjamento de símbolos e arquétipos que se apresenta através de mitemas2 - discurso este relativo ao ser, onde está investida uma crença que propõe realidades instaurativas.
Para a mitodologia de Durand, o imaginário é a
referência última de toda a produção humana
através de sua manifestação discursiva, o mito, e
defende que o pensamento humano move-se segundo quadros míticos.
Ou seja para este autor em todas as épocas ou sociedades existem
mitos subjacentes que orientam e modelam a vida humana. O
propósito do trabalho do filósofo é justamente
desvelar os grandes mitos diretivos, isto é aqueles
responsáveis pela dinâmica social ou pelas
produções individuais representativas do
imaginário cultural, no tempo e no espaço.
Quando um mito diretivo manifesta-se através da
redundância, é identificado como mitemas obsessivos -
aqueles que se repetem de forma recorrente, através da
organização de símbolos (que embora nunca sejam um
dado a priori, já que apontam para múltiplos sentidos,
através da repetição é possível sua
classificação, pois neste caso aponta para um
único sentido).
A mitocrítica - termo forjado por Durand em 1970,
refere-se a um ensaio metodológico em que foram selecionadas as
metáforas obsessivas (grupos de imagens que se repetem) e
procura interpretá-las mediante o Mito Pessoal do autor.
A noção de mitocrítica de Durand foi desenvolvida
"para significar o emprego de um método de crítica
literária, de crítica do discurso que centra o processo
de compreensão no relato de caráter mítico
inerente à significação de todo e qualquer
relato". Ou seja, a mitocrítica precisa de um "texto cultural';
o discurso literário, por exemplo está muito
próximo do mito em função da narrativa que
apresenta, por isso a linguagem mítica é sempre uma
linguagem literária.
Os mitemas constitutivos da narrativa mítica, repetem-se e por
isso mesmo tornam-se cada vez mais significativos. Um mitema pode ser
um motivo, um tema, um objeto, um cenário mítico, um
emblema, uma situação dramática, etc.
A mitocrítica - é um método de crítica de
texto literário, de estilo de um conjunto textual de uma
época ou de um determinado autor que põe a descoberto um
núcleo mítico, uma narrativa fundamentadora e o(s)
mito(s) que atua por detrás dela. Ela desvela, um nível
de compreensão maior que se alinha com os grandes mitos
clássicos.
Durand estabelece três momentos para a identificação dos mitemas e do mito diretivo do "texto cultural":
1º) - um levantamento dos "elementos" que se repetem
de forma obsessiva e significativa na narrativa e que são as
sincronias míticas da obra;
2º) - um exame do contexto em que aparecem, das
situações e da combinatória das
situações, personagens e cenários, etc.;
3º) - a apreensão das diferentes
lições do mito (diacronia) e das
correlações de uma tal lição de um tal mito
com as de outros mitos de uma época ou um espaço cultural
determinados.
Portanto, o mito vai se definindo a partir da organização
de símbolos e de um quorum de mitemas, pois o mitema é um
"átomo mítico" de natureza estrutural.
Para Durand, os mitemas podem se manifestar, e semanticamente atuar, de dois modos diferentes:
1º) de modo patente - repetido de forma explícita e de conteúdo homólogo;
2º) de modo latente - repetido de forma implícita, pela intencionalidade.
Então, de acordo com o pai da mitocrítica, ela
"evidencia, num autor, na obra de uma época e dum meio dados, os
mitos diretivos, regentes, e suas transformações
significativas. Possibilita mostrar como tal traço de
caráter pessoal do autor contribui para a
transformação da mitologia epocal dominante ou, ao
contrário, acentua tal ou tal mito instituído. Mostra
também que cada momento cultural tem certa densidade
mítica onde se combinam e se embatem(...) mitos diferentes.
A mitocrítica tende a extrapolar o texto ou o documento
estudado, a ampliar para lá da 'obra de
civilização' rumo a detecção, pelas
'metáforas obsessivas', que outros autores chamam de
Psicocrítica, o 'Mito Pessoal' que rege o destino do individual;
mas a mitocrítica, pois que todo 'mito pessoal' é um
'mito coletivo' vivido num/por um ideário, tende a ampliar rumo
às preocupações
sócio-histórico-culturais. E assim pede, como coroamento,
uma mitanálise, que está para um momento cultural e para
um dado conjunto social, como a Psicanálise está para a
psyche individual".
Isto é, enquanto a mitocrítica está centrada na
análise dos mitos de "textos culturais"; a mitanálise,
estende a sua análise ao contexto social, como um todo, no
sentido de aprender os mitos vigentes diretivos de uma dada sociedade,
num período de tempo relativamente extenso e delimitado.
A mitanálise, é um termo que Durand forjou em
1972, levando em conta o modelo da Psicanálise. Trata - se de um
método de análise científica dos mitos, que "tenta
apreender os grandes mitos que orientam ou (desorientam...) os momentos
históricos, os tipos de grupos e de relações
sociais", nas palavras do mestre. Por seu intermédio, procede-se
a um desvelamento dos movimentos míticos nas sociedades, pois a
mitoanálise desloca os métodos da mitocrítica para
um campo maior: o do aparelho, das instituições ou das
práticas sociais; uma abordagem, portanto, que envolve todo o
conteúdo antropológico de uma sociedade - não mais
um texto mas um contexto social que envolve igualmente um reagrupamento
de núcleos semânticos.
O pressuposto básico da mitanálise é o de que
"numa sociedade há mitos tolerados, patentes, que circulam, e
mitos latentes, que não conseguem encontrar meios
simbólicos de expressão e que trabalham a sociedade a um
nível profundo". Por isso mesmo, a mitanálise se faz necessária, no sentido de desvendá-los.
A fisiologia da mitanálise em Durand não permite
a formação de novos mitos, mas a dinâmica cultural
admite um grande número de variantes de mitos clássicos. A dinâmica cultural pressupõe que os mitos desapareçam e ressurjam ad infinitum, e a História registra seus avanços e recuos.
Durand afirma que, por detrás dos grandes movimentos
históricos, houve e há uma arrumação de
símbolos e mitos constituintes que representam os desejos da
humanidade, pois os mitos motivam os fatos históricos.
O AT - 9 - Teste Arquétipo com 9 elementos foi desenvolvido por
Yves Durand a partir da sistematização das estruturas
antropológicas do imaginário de Gilbert Durand. Seus
resultados validaram a teoria do antropólogo, confirmando sem
ambigüidades, a existência das estruturas
imaginárias, sistematizadas por aquele, e ainda mostraram-se
úteis no campo da Psicopatologia.
A teoria de Durand diz que a imaginação humana representa
simbolicamente a angústia humana diante da finitude e da certeza
diante da morte. Da mesma forma cria várias imagens que triunfam
sobre ela, revelando esquemas primários fundamentais.
O AT-9 refere-se a nove estímulos simbólicos (ou
arquétipos): propõe a elaboração de um
desenho e de um relato. Os arquétipos são: uma queda, uma
espada, um refúgio, um monstro devorador, algo cíclico,
um personagem, água, um animal e fogo. O indivíduo
fará um desenho utilizando os elementos propostos e depois um
relato sobre o desenho. Um questionário adicional colhe as
informações complementares. Assim obtém-se um
micro-universo mítico onde é possível atualizar e
identificar a imagem e sentido referentes à angustia
existencial, ponto de partida da teoria do antropólogo.
Muitos outros aspectos aparecem na temática do
imaginário, ntretanto selecionamos aqueles que julgamos mais
importantes, sem esquecermos que mais que qualquer outra, esta
seleção é extremamente fragmentada e reducionista,
pois diz respeito a uma coleta que foi feita com poucos elementos, ou
seja, do ponto de vista de uma iniciante nos estudos do
imaginário, embora não seja demais salientar que
também na dimensão simbólica nunca poderemos
abarcar e compreender o tudo, ou mesmo o satisfatório, sendo
assim a fragmentação não é
privilégio só nosso.
Enfim, nos apropriando das contribuições de Cemin, (1998)
reafirmamos a validade de esforços neste sentido, pois "é
nos limites, nos transbordamentos, nas reduções e
complexificações de sentido, que o imaginário
investe e multiplica suas metamorfoses e permanências"
Bibliografia
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1982.
LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana. O que é imaginário? Col. Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.
CEMIN, Arneide. Entre o cristal e a fumaça: afinal o que é imaginário?
Presença Revista de Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho,
Fundação Universidade Federal de Rondônia v. 5, no 14. Dez./1998.
NOTAS
1. Discente do Curso de Mestrado em
Desenvolvimento Regional. Reflexão produzida a partir das
leituras sobre imaginário e particularm ente da obra de Gilbert
Durand, "A Imaginação Simbólica" como
pré-requisito avaliativo da disciplina Antrpologia Social
ministrada pela Profa. Dra. Arneide Cemin – UNIR – junho de
2001
2. Narrativa puramente ficcional. Cada mitema é o portador de
uma mesma verdade relativa à totalidade do mito. Ex. Holograma
de Edgar Morin - cada fragmento e cada parte contém em si a
totalidade do objeto.
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