Artigos
Resenhas
Biblioteca
Entrevistas
Primeiras Notas
CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro
|
|
RESUMO
Consideramos o uso da ayahuasca em perspectiva cultural, analisando o
“imaginário” relativo à
motivações, atitudes, experiências e expectativas
relacionadas ao consumo, Indagando como, e se o modelo de consumo
ritual de ayahuasca, funciona como re-estruturador em
relação a desestruturação provocada pelo
uso de drogas. A referência empírica abrange centros da
União do Vegetal, do Santo Daime e clandestinos.
Palavras-chave: imaginário, psicoativo, ayahuasca, Santo
Daime, União do Vegetal, clandestinos, Antropologia
Médica, Xamanismo.
INTRODUÇÃO
O chamado “consumo de drogas” vem sendo destacado ao lado
de outros problemas, (a exemplo do desemprego), como um dos males de
nossa época. A nível internacional o “combate
às drogas” assume “status” de
“questão de Estado” na “guerra ao
narcotráfico”; e na esfera dos governos nacionais os
procedimentos de abordagem vão da repressão policial
armada à guerra civil. No âmbito do consumo, ultrapassa a
marginalidade social e afeta lares “bem estabelecidos” e
escolas públicas e particulares.
Rondônia é identificada como “corredor de
exportação” do narcotráfico por ser
localizada em área de fronteira com um dos países
produtores de matéria-prima, a Bolívia e suas seculares
plantações de coca. Além da cocaína
refinada com diferentes graus de pureza, circula na cidade de Porto
Velho, capital do estado, a pasta - base (anterior ao refino) de
cocaína, conhecida como “mela” ou
“mescla”, produto de baixo custo, cujo consumo é
largamente difundido não só por sua acessibilidade
econômica, mas também pela facilidade de seu consumo, que
não requer necessariamente, “esconderijos”, uma vez
que pode ser adicionada ao cigarro comum sem provocar
alteração no odor característico ao tabaco.
Paralelo a esse consumo de psicoativos ilegais e profanos, cresce o uso
de outro psicoativo, à ayahuasca, considerada sagrada e ingerida
no contexto de rituais religiosos, sendo ainda utilizada como recurso
terapêutico para o consumo de substâncias psicoativas
profanas: álcool, tabaco e cocaína. A pesquisa visou
compreender o consumo de psicoativos nos dois registros: o sagrado e o
profano, buscando perceber em ambos, as estruturas e a dinâmica
do imaginário do uso e da cura.
1. A PROBLEMÁTICA DA PESQUISA: Ayahuasca e xamanismo
A ingestão ritual de “ayahuasca” por parcelas da
população urbana inicia-se no Brasil, na década de
30, em Rio Branco, Acre, com o culto ao Santo Daime, sistematizado por
Raimundo Irineu Serra, que atribuiü à ayahuasca a
denominação “Santo Daime e fundou o Centro de
Iluminação Cristã Luz Universal - CICLU Alto
Santo. No final da década de 60, em Porto Velho, Rondônia,
Gabriel da Costa organizou outro grupo ayahuasquero, denominando-o
“União do Vegetal”, visto que nele a ayahuasca
é chamada de vegetal. O processo de divergências e de
desdobramentos dos núcleos originais propiciaram a
expansão das religiões ayahuasqueras por grande parte do
território nacional e mesmo pelo exterior.
Entre as características das religiões ayahuasqueras,
duas ganharam amplo destaque na mídia: o fato de organizar-se em
torno de substância psicoativa e de originar-se na floresta
amazônica. A divulgação cresceu à medida em
que jovens urbanos, oriundos do Sul e do Sudeste do país
aderiram a uma das vertentes do Santo Daime, à
“linha” do “padrinho” Sebastião Mota,
dissidência do CICLU Alto Santo. A partir desse contato, o culto,
no âmbito da vertente referida, atraiu acadêmicos,
jornalistas, artistas, estudantes e diferentes categorias de
profissionais liberais empenhados em torná-lo objeto de estudo,
notícia ou modo de vida. Algumas conseqüências
decorreram dessa aliança, entre elas a adoção pela
“linha” de Sebastião, de muitos dos costumes e
crenças dos jovens urbanos, a exemplo do controvertido uso
ritual da “Cannabis sativa” e da inclusão da
religião na “questão ecológica”. Desse
modo, essa vertente, além de sua base daimista, foi acrescida
por elementos da “cultura alternativa”.
A projeção social desse grupo faz com que ele seja tomado
como parâmetro para a compreensão da religião
daimista. Assim, os estudos realizados sobre a mesma têm como
enfoque principal a “linha” de Mota, embora todos os
trabalhos, em maior ou menor grau, busquem analisar a origem da
religião, referindo-se, então, ao Alto Santo, área
na qual Irineu consolidou o culto.
Nossa pesquisa de doutorado (Cemin, 1998) alterou a base
empírica na qual vinham se dando os estudos, visto que enfocamos
o grupo organizado por Irineu, CICLU I Alto Santo, e o CECLU,
instituído em Porto Velho, como filial do CICLU I. Estes dois
grupos não admitem incorporação, praticando
estritamente o xamanismo de “excorporação”
(Baldus: 1959) ou xamanismo em sentido estrito, de acordo com Eliade
(1960), e não aderem e nem mesmo toleram o uso de outros
psicoativos que não a ayahuasca.
A procura de orientação no plano divino através da indução de Estados Alterados de Consciência
(JAMES,1961), é a principal característica das
práticas xamânicas, por isso identificadas por Eliade
(1960) como técnica do êxtase. Esse fenômeno
parece ser amplo e profundamente enraizado no horizonte cultural da
humanidade, permitindo que o xamanismo seja considerado como disposição especial do ser humano
(Gallois, 1996). A forma específica que “técnicas
do êxtase” assumem nos rituais xamânicos, inclui a
posse de poder por parte do xamã, capaz de
situá-lo num tipo de estado que Michael Harner (1989) chamou de
“estado xamânico de consciência”, induzido por
habilidades sob o controle do xamã, que o colocam em contato com
realidades ocultas, de onde retira conhecimento e poder para curar ou ferir, adquirir poder pessoal e bem-estar individual e coletivo.
O uso da ayahuasca como técnica xamânica
faz parte do complexo mítico religioso dos índios
localizados na Amazônia brasileira, boliviana e peruana, cujas
práticas de xamanismo envolvem complexos rituais assentados em
sólido conhecimento de plantas mágico-medicinais, em
técnicas de contato com os espíritos dos mortos e com os
espíritos da natureza, retirando desse conjunto de conhecimentos
um saber capaz de auxiliar na cura e na resolução de
problemas pessoais e coletivos (Galvão, 1979).
Os rituais ayahuasqueros no Brasil, induzem estados alterados de
consciência” através de “técnicas
arcaicas de êxtase” como a música, a dança,
e, fundamentalmente, a ingestão de um “psicoativo”:
o Santo Daime ou Vegetal, que é chá resultante da
decocção conjunta da “Banisteriopsis caapi”,
cipó chamado “Rei Jagube”, com a “Psicotria
viridis”, arbusto do qual se aproveitam as folhas chamadas
Chacrona ou “Rainha”. Trata-se, portanto, de vivência
religiosa obtida através das visões suscitadas à
"força" e à “luz” da ayahuasca, remetendo
para o vasto complexo do xamanismo, que é um modo místico
de conceber o mundo, onde o dístico “saber é
poder” aplica-se de modo íntegro, por isso o processo de
constituição de poder tem regras claras e precisas. Sobre
ele, aplicam-se a “firmeza” e a “disciplina”.
Ele é constituído de “testes” e
“passagens” - no sentido de transposição de
obstáculos. Seus pressupostos ou formas de
cognição, (processos através dos quais selecionam,
organizam e interpretam as informações), têm por
pano de fundo a vivência do “astral”: locus por excelência do poder mágico, o “verdadeiramente real” - o “mundo divinal”.
Esse mundo é passível de ser contatado e
operacionalizado, desde que exista aquele que sabe, “especialista
do sagrado”, pessoa que conhece e pratica o trabalho
espiritual”. Há graduações nesse saber.
Alguns sabem mais, logo têm mais força e poder. O mais
poderoso, no campo do Daime, é Raimundo Irineu Serra,
“Chefe Império Rei Juramidã”, e no
âmbito da União do Vegetal, Mestre Gabriel, cuja
identidade mística é identificada como O “Rei
Huascar”, do “Império Inca” e com o “Rei
Salomão”, ambos considerados ayahuasqueros ancestrais e
eternos, visto tratarem-se de identidades espirituais. Estas entidades
são o símbolo, por excelência, do
“verdadeiramente real”, o astral ou “mundo
divinal”. Nessa qualidade os Mestres fundadores transmitem,
delegam, ordenam, atribuem poderes de mando e de cura aos seus
discípulos.
As duas noções básicas do “verdadeiramente
real”, a existência do astral, com suas
características de “Luz” e de
“Força”, e o poder do dirigente para acessar, com
extrema eficácia, as potencialidades do astral, tonalizam o
“... sentido do racional, do prático, do humano e do
moral...” (Geertz,1978:141).
As características do astral são as mesmas da ayahuasca:
luz e força. A luz mostra, revela, elucida. A força
é sua potência: o grau de visão nítida, a
ponto de “mirar de olho aberto”, é designativo de
potência. A ayahuasca é considerada sagrada porque permite
essa “passagem” para o astral. Uma realidade
“concreta”, porém invisível para “olhos
que não sabem ou não querem ver”. A ayahuasca
é, portanto, em última instância, considerada
instrumento de acesso ao mundo espiritual. Como todo e qualquer
instrumento, sua eficácia depende de suas qualidades
intrínsecas, ou seja, seus elementos constitutivos, materiais e
espirituais: matéria-prima, procedimentos técnicos e
intencionalidade.
Esse conjunto define o perfil, a personalidade do produto. Uma vez
preparado, ele passa a ser o portador de todos os atributos que nele
forem agregados. É o conjunto desses atributos, isto é,
seu caráter, que determina a finalidade de suas
aplicações e o contexto físico e espiritual de
seus usos. Desse modo, a origem determina o destino e o destino
proporciona o retorno à origem. Ou seja, ao produzi-lo em
perfeição ritual, garante-se sua origem divina e, se
aplicado em contexto sagrado para finalidades também sagradas,
garante-se sua continuidade como “corpo divinal”, bebida
sagrada.
Bem coletivo, deve ser produzido coletivamente, com potencial para
beneficiar a todos. Como um bem que visa a atender finalidades
materiais e espirituais, ele precisa ser eminentemente espiritual.
Visto ser o espírito, ou melhor, o mundo espiritual e os seres
que nele habitam, a fonte do “verdadeiro poder”.
2. HIPÓTESES, OBJETIVO E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA.
O ponto crucial quanto ao uso de psicoativos não
é apenas o consumo em si ou os efeitos famacológicos
considerados isoladamente. O início e a continuidade do uso
são definidos pelo contexto sócio-cultural no qual ele
ocorre. Não são apenas as necessidades naturais e as
possibilidades materiais que determinam as escolhas. São os
sistemas de significações imaginárias (imagens
revestidas de valor) que valorizam e desvalorizam objetos, seres e
funções, em razão de uma elaboração
cultural. Os efeitos dos psicoativos são influenciados: a) pelo
meio físico, social e cultural onde ocorre o seu uso; b) o
estado psicológico no momento do uso, a estrutura da
personalidade e as expectativas do usuário acerca dos efeitos;
c) a substância e sua atuação no corpo humano.
Os Objetivos da pesquisa foram os seguintes: analisar o
imaginário, relativo aos significados referentes ao uso de
psicoativos, anterior e posterior ao uso de ayahuasca; perceber, da
perspectiva dos usuários e dos Mestres curadores, como (e se) o
modelo de consumo ritual de ayahuasca funciona como re-estruturador em
relação a desestruturação provocada pelo
uso de outros psicoativos; indagar sobre o caráter da
mobilização simbólica utilizada na cura;
considerando que o contexto do uso determina eficácia tanto aos
efeitos quanto às consequências da prática,
abordamos:
- A classificação do consumo pelos usuários: erro, condenação moral ou doença;
- Se há
antítese ou eufemismo na comparação entre o uso de
outros psicoativos e o consumo de ayahuasca?
c) Como a
família e a rede social (amigos, colegas de trabalho) reagiram
à experiência do usuário com psicoativos e com a
ayahuasca?
O método e os procedimentos adotados começaram
pela definição do campo semântico da pesquisa
seguindo as indicações de Lévi-Strauss (1975) que
elabora o procedimento etnográfico clássico de
observação e registro minuciosos, considerando
observação e experimentação enquanto duas
etapas da pesquisa.
Utilizamos fonte oral, entrevistas e dados de histórias de vida
que foram tratadas destacando-se o elemento portador de
ação, de acordo com o método da análise
actancial, que engloba a análise estruturalista. Interessou-nos
perceber as características do “sujeito-ator”, seu
objetivo (o que procura com sua ação), seus
“oponentes”, seus “adjuvantes”, seu
“destinador”, ou seja, sua concepção
inconsciente do mundo e o “destinatário” que
é o próprio sujeito e a finalidade de sua busca.
3. REFERÊNCIA EMPÍRICA: definições, descrição e via de acesso às fontes
A cidade de Porto Velho abriga diferentes grupos que consomem
ayahuasca ritualmente, a exemplo do Santo Daime e da União do
Vegetal. Procedemos por amostragem aleatória, em diferentes
centros de consumo ritual de ayahuasca localizados na cidade de Porto
Velho. Os centros foram escolhidos por critérios de relatos de
cura quanto ao uso de outros psicoativos, e não por suas
características intrínsecas. Nosso enfoque, portanto,
não é o centro em si mesmo, mas o adepto que porventura
atribua o abandono do uso de “drogas” aos efeitos
terapêuticos da ayahuasca.
Os Mestres da ayahuasca consideram que todos os grupos que a
usam “corretamente” são capazes de propiciar curas
àqueles que aderem ao sistema. Nesse sentido, muitos de nossos
entrevistados estão dispersos por diferentes centros, ligados a
diferentes dissidências, tanto no campo do Daime quanto no da
União do Vegetal. Como nossa temática é
específica, abordamos apenas o método terapêutico
preconizado por cada centro, apreendido desde a visão de seus
dirigentes, e a vivência daqueles que foram por eles
beneficiados, com enfoque em dois aspectos: o motivo da adesão
ao uso de psicoativos e como se deu a cura a partir do uso ritual de
ayahuasca.
Além da amostragem aleatória, cuja escolha foi
norteada pela existência de ex-adictos à substâncias
psicoativas, centramos nossa análise nos pacientes do
“Hospital Rosaluz - Centro de Recuperação de
Drogados” ligado à “Ordem Maçônica
Rosaluz - Soberana União do Vegetal” dirigida pelo Mestre
Augusto Jerônimo da Silva, e situado no Bairro São
Francisco, periférico à cidade de Porto Velho.
Quanto às definições operacionais elas foram:
Psicoativo: substância que atua ativando as
funções cerebrais, entre elas, a função
simbólica. Não assumimos a denominação
“enteógeno”, por nos parecer que ela implica em
submeter os fatores culturais aos fármacos. Preferimos
psicoativo por expressar a idéia de ativador do psiquismo, seja
ele considerado reflexo do social, consstituído por formas a
priori, ou, como resultante de processos evolutivos e sociais complexos.
Ayahuasca: psicoativo obtido a partir da
decocção conjunta da Banisteriopsis caapi e da Pisicotria
viridis, utilizada no âmbito do “sagrado”, não
é considerada psicoativa por seus usuários, que entendem
que ela não ativa o psiquismo, porque para eles, ela não
atua a nível “material” e sim
“espiritual”, por isso consideram-na
“divindade” e “mistério”.
Imaginário: resulta da “função
simbólica”, e é configurado pelo o conjunto de
imagens, relações de imagens e de procedimentos para a
produção de imagens que compõem o “capital
pensado do Homo sapiens”.
Quanto aos procedimentos metodológicos,como referimos
acima, foram utilizadosentrevistas, dados de histórias de vida,
um roteiro de entrevista mais estruturado e específico e
observação, consolidando os primeiros contatos
etnográficos com mestres e ex-adictos à substâncias
psicoativas (que não ayahuasca), membros da União do
Vegetal e Santo Daime, e os que se auto-denominam clandestinos por
fazerem uso da ayahuasca desligados de instituições. A
todos eles apresentamos uma explicação detalhada dos
objetivos da pesquisa e solicitamos a colaboração dos
dirigentes e das pessoas individualmente, começando por pessoas
que eles (os dirigentes) nos indicavam.
Os critérios de classificação para usuários de psicoativos
foram: Não usuário: nunca usou; Usuário leve: no
último mês o consumo não foi diário ou
semanal; Usuário moderado: não usou diariamente no
último mês; Usuário pesado: utilizou diariamente no
último mês. Consideramos adequado utilizarmos nessa
pesquisa, a forma simplificada:
Usuário ocasional (recreativo).
Usuário problema (dependente).
A nossa referência foi pautada pela classificação
da Organização Mundial de Saúde (OMS). Os critérios de inclusão para amostra da pesquisa foram:
- Que a pessoa a ser entrevistada fosse adepto da U.D.V. ou do Santo Daime;
- Ter sido ou ser usuário de drogas (1 e 2 são condições concomitantes);
- Ser dirigente da União do Vegetal ou do Santo Daime (condição absoluta).
Para
a contribuição específica da ayahuasca, no tocante
ao abandono de psicoativos, entrevistamos relatos de ex-usuários
que bebem ayahuasca independente de organização
religiosa, e que se auto-denominam “clandestinos”.
No que diz respeito às técnicas de acesso à população,
foram utilizadas técnicas etnográficas de busca de
informante chave para permitir o acesso ao grupo. Tratando de grupos
religiosos, e dado seu caráter organizativo centralizado,
iniciamos pelos dirigentes dos grupos e pedimos a eles que nos
indicassem as pessoas de sua organização que tinham sido
usuários de drogas. Partimos da forma simplificada de
construção da rede de entrevistados, onde cada
indivíduo é o gerador de um próximo sujeito a ser
contactado até exaustão da rede.
A nossa conduta orientou-se pelo “Código de Ética do Antropólogo”
no qual é garantido o sigilo aos participantes, à plena
informação aos mesmos dos objetivos da pesquisa, bem
como, a construção de dados só foi efetuada a
partir do consentimento de participação das pessoas
contatadas.
Quadro geral das amostras
Número de entrevistados:
35 pessoas, assim distribuídas:
União do Vegetal
|
Daime
|
Clandestinos
|
Masculino
|
Feminino
|
Masculino
|
Feminino
|
Masculino
|
19
|
02
|
06
|
04
|
04
|
Total geral: 35
|
Características sociológicas
Grau de escolaridade:
primário a nível superior. Faixa etária: 20 a 70 anos. Profissão:
diversas. Estado civil: quase todos casados e com filhos. Religião de
origem predominante: catolicismo, porém, todos tiveram passagens por
diversas religiões.
DENOMINAÇÃO
|
CENTROS E NÚCLEOS
PESQUISADOS
|
Nº SÓCIOS
|
DAIME
|
1. Centro
Eclético de Correntes da Luz Universal - CECLU
2. Centro Estrela
Azul
3. Centro Estrela
d´Agua
|
250
4
7
|
União do Vegetal.
(U.D.V.)
|
Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal Mestre Gabriel (Núcleo geral)
4.1 Núcleo
Iagora
4.2 Centro
Estrela do Norte
4..3 Pré-núcleo
Irmão Bartolomeu
|
140
100
120
50
|
U.D.V.
(Dissidência) de
4.
|
Supremo Centro
Espírita Beneficente Mestre Gabriel Templo de Salomão, Augusta Ordem
Maçônica Rosa Luz, Estrela Oriental Universal Soberana União do
Vegetal (núcleo geral)
5.1 Núcleo
Mariana
5.2 Núcleo
Jardim Real
5.3 Núcleo
Perseverança
5.4 Núcleo
Serenita
|
+ / - 30
(Todos circulam em todos os centros).
|
U.D.V.
Dissidência de 5.
|
Centro Espírita
Beneficente Ordem do Templo Universal de Salomão.
|
45
|
U.D.V/Daime
Clandestinos
|
Casas e sítios
afastados. Bebem em pequenos grupos ou sozinhos.
|
Não há estimativa de conjunto
|
DESCRIÇÃO DOS CENTROS
1. SANTO DAIME
CENTRO ECLÉTICO DE CORRENTE LUZ UNIVERSAL – CECLU
Este centro originou-se do CICLU, Rio Branco, Acre
organizando-se em Porto Velho sob a direção do mestre
Virgílio (já falecido). Tem cerca de 250 sócios.
Para descrição pormenorizada do mesmo, ver Cemin, 2000.
CENTRO ESTRELA D`ÁGUA
Este grupo é uma dissidência do CECLU, Porto Velho.
Posteriormente aderiu à linha do Padrinho Sebastão Mota
(CEFLURIS), que, por sua vez, resultou de processo de ruptura (ocorrida
em 1971) com o núcleo original do Santo Daime (CICLU), fundado
em Rio Branco, Acre, por Raimundo Irineu Serra, na década de 30.
O centro Estrela D'Água segue a ritualística do CEFLURIS.
Sua sede localiza-se em sítio na área rural, contando com
ampla área verde, bem cuidada, cercada de árvores com
Igarapé de água limpa e abundante. Na frente do
salão tem uma “Cruz de Carava” (mais ou menos 2
metros de altura), símbolo do Santo Daime. O grupo é
pequeno, sete sócios, observando-se grande
dedicação na manutenção do ritual daimista,
mesmo com um número tão reduzido de membros. O fardamento
é o mesmo dos daimistas do CICLU e do CECLU, assim como o
calendário de datas comemorativas, excetuando-se as datas
específicas do núcleo, tais como o dia de
aniversário de seus dirigentes e o dia de São
Sebastião que é comemorado pelos centros da linha do
Padrinho Sebastião Mota.
Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo
Irineu Serra e Sebastião Mota Melo - Estrela Azul –
CEFLURISSMMEA
Este centro, como o próprio nome indica pretende
superar a dicotomia Irineu versus Sebastião Mota. Tem quatro
sócios, incluído o casal que o dirige. Chama
atenção o fato de que ao redor do salão existam
pequenas casas rituais, dedicadas a exu, caboclos e almas, localizadas
uma na frente e duas atrás do salão, visando proteger o
centro de energias maléficas, que, segundo relatos do dirigente
e de adeptos, emanam da localização do centro (bairro
periférico) e da influência de algumas pessoas de
religião umbandista que estariam desejando o insucesso do
centro.
2. UNIÃO DO VEGETAL
Os núcleos que resultam de desdobramentos do primeiro
núcleo da UDV, instituído por seu fundador, Mestre
Gabriel, em Porto Velho, em 1960, são: 1) Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal Mestre Gabriel; 2) Estrela do
Norte; 3) Núcleo Iagora e, 4) Pré-núcleo
Irmão Bartolomeu.
Supremo Centro Espírita Beneficente Mestre Gabriel Templo de
Salomão Augusta Ordem Marçônica (sic) Rosa Luz
Estrela Oriental Universal Soberana União do Vegetal –
Centro Geral.
Este centro, de agora em diante referido apenas como “Ordem
Marçonica Rosa-Luz/UDV”, fica no bairro São
Francisco e é o núcleo geral que coordena vário
outros, totalizando cinco deles em Porto Velho, a saber: Núcleo
Mariana, Núcleo Jardim Real, Núcleo Perseverança e
Núcleo Serenita; além de núcleos em vários
outros estados. Foi criado a partir de uma dissidência do
núcleo original da “União do Vegetal”. Esse
grupo se considera pertencente a U.D.V., mas seu mestre geral
não faz parte de nenhum dos centros derivados do núcleo
original da UDV, e nem é reconhecido por estes como tal.
As sessões da “Ordem Marçonica Rosa-Luz/UDV”,
são feitas em um salão que fica na frente da
residência do Mestre Representante Geral. No salão
têm cadeiras dispostas por todo o espaço, reservando-se o
espaço do altar, onde ocorre a distribuição do
chá pelo mestre que rege a sessão. Numa das extremidades
do salão, na lateral do altar, localiza-se um aparelho de som e
grande quantidade de discos de cantores nordestinos, a maioria, com
temas diversos a serem utilizados no decorrer da sessão, de
acordo com seus objetivos. Alguns cantores foram citados, tais como:
Ciço do Pará, Pirangueiro e Maria Chiquinha, Ary Lobo,
Zenilton, e Leôncio e Leonel. As músicas abrangem temas
como briga conjugal, relacionamento mãe-filho, alcoolismo e o
tabagismo. O mestre esclareceu que, aqueles não estão
passando por aquela problemática ilustrada pela música,
só “viajam” para outros planos, não
são afetados pela mensagem musical. Entretanto, a pessoa que
está passando por aquele problema expresso na letra da
música, recebe ensinamentos e conselhos para a
resolução dos mesmos, através da
“burracheira”, ocorrendo lições muitas vezes
duras, denominada ''peia'', um despertar da consciência para o
julgamento de si mesmo e de seus atos.
O salão é decorado com fitas e balões juninos de
cores vivas descendo do teto, as cadeiras são de respaldo alto e
reclinado, numa posição semi-deitada, sendo algumas delas
de balanço. O ambiente é bem iluminado, não
havendo cantos escuros no salão. A música é posta
bem alta para que aja o direcionamento psíquico para a
problemática que ela aborda.
O preparo do chá ocorre no Acre, sendo depois transportado para
Porto Velho e distribuído para os centros filiados. A
época da pesquisa (março/99) ocorreu um pequeno preparo
de “vegetal” no Núcleo Mariana (cerca de 20 litros,
também distribuídos para os outros núcleos da
cidade), usando-se cipó e folha plantados no terreno do
próprio núcleo, visando propiciar acesso ao chá
aos adeptos que ali residem, ocupando o espaço de uma
construção em andamento, que, concluída,
será um hospital para recuperação de
usuários de dependência química.
NÚCLEO MARIANA
Nessa sede, como referimos, está sendo
construído um hospital para recuperação de
usuários de dependência química. No centro do
terreno fica o salão, onde são feitas as sessões
rituais. As dependências do hospital estão sendo
construídas distantes do salão, junto ao muro que cerca o
terreno. Do lado esquerdo, ficará o consultório, a
cozinha e alguns apartamentos. Por enquanto, só o lado direito
do terreno está sendo usado como moradia, mas não para
tratamento, serve de apoio para os membros da Ordem, desprovidos de
recursos para o pagamento de aluguel. Uma das filhas do Mestre
Representante Geral ali reside com parte de sua família. O
mestre geral afirma que devido ao fato de a construção
ainda não estar concluída, não há
condições para começar o trabalho de
recuperação dos dependentes químicos.
Segundo o dirigente, a cura será realizada através da
administração de ervas medicinais, para limpar o corpo da
pessoa de impurezas, e, depois, com ayahuasca, em mínimas
dosagens diárias, uma colher de sopa, por exemplo, e a
ingestão de ayahuasca no contexto ritual da Ordem. Acreditam que
esse conjunto de ações pode resultar em
recuperação. Afirmam que o chá não produz
efeito significativo fora do ritual, que inclui a música e a
doutrinação que direcionam a pessoa para longe do caminho
de drogas e degradações diversas, Isto ocorre
através da visão e compreensão dos ensinamentos
doutrinários.
O salão do Núcleo Mariana contém uma parte de seu
piso mais elevada, a exemplo de um palco, onde o som é colocado,
e de onde é servido o chá para os adeptos. A arquitetura
do salão foi recebida em “miração” e
tem, o que os adeptos afirmam ser mistério, pois desde as vigas
de sustentação até o número de janelas,
são organizadas pelo número sete, devido a força
mística e simbólica do referido número.
Por todo o terreno pode-se observar plantas medicinais, com destaque
para o mariri e a chacrona, sendo que o plantio de cipó excede o
de folhas. Essa proporção tem sua lógica no fato
de que na UDV a ayahuasca é feita com maior
proporção de cipó e bem menos folha.
A construção do hospital está ocorrendo aos
poucos, porque segundo o Mestre Representante Geral, o mesmo
está sendo construído com o auxílio de
sócios e com recursos próprios, mesmo assim eles esperam
concluí-lo o mais rápido possível. Conversando com
o mestre sobre a organização do hospital, ele nos disse
que não haverá médicos que não sejam
adeptos da União do Vegetal, pois é necessário que
compreendam e tenham fé na terapêutica do chá, cujo
fundamento é o trabalho doutrinário. O mestre geral achou
interessante esclarecer que ali só ficarão pessoas
usuárias de drogas (maconha, cocaína, álcool,
mela, etc.) que desejem se recuperar, pois ele nos diz: ''para sair do
mundo das drogas, é preciso força de vontade, não
adianta manter a pessoa à força, pois dessa forma
não é possível obter resultados positivos”.
Centro Espírita Beneficente Ordem do Templo Universal de Salomão
Este centro é dissidência do “Supremo Centro
Espírita Beneficente Mestre Gabriel Templo de Salomão
Augusta Ordem Marçônica (sic) Rosa Luz Estrela Oriental
Universal Soberana União do Vegetal”, acima descrito.
Não obtivemos dados concretos sobre os motivos da ruptura,
apenas vagas alusões a problemas de ordem moral. Esses
dissidentes também se consideram como pertencentes à
“União do Vegetal”.
O núcleo da “Ordem do Templo de Salomão fica
sediado nas proximidades do bairro 4 de Janeiro, à rua
Cláudio Santoro, s/n. O número de adeptos aqui em Porto
Velho totaliza 45 (quarenta e cinco) pessoas, elevando-se esse
número para aproximadamente 300 (trezentos) membros
distribuídos em diferentes capitais do Brasil, segundo
informações do Mestre Representante Geral.
O salão é amplo, com três portas, uma na frente e
duas nas extremidades inferiores. No centro do salão há
uma mesa grande onde ficam os mestres conselheiros e, na ponta superior
da mesa, o mestre que rege a sessão. Os adeptos ficam em
cadeiras e bancos postos junto a parede por todo o salão,
ficando as crianças e adolescentes no fundo, entre as portas
inferiores. Atrás do salão encontram-se os banheiros e,
na lateral esquerda, em um barracão coberto de palha e
desprovido de paredes, algumas redes e bancos de madeira, onde as
crianças menores e as pessoas que não vão
participar ou que desejam descansar ficam em repouso. As janelas
são muitas e ficam abertas durante toda a sessão e a
luminosidade (de luz elétrica) é intensa. O aparelho de
som fica no canto esquerdo superior do salão, onde um adepto
trabalha com as músicas no decorrer da sessão. As
sessões são realizadas nos primeiros e nos terceiros
sábados de cada mês, sempre à noite, e o fardamento
é o mesmo da União do Vegetal (núcleo original
fundado por Mestre Gabriel).
Quando chegamos ao núcleo fomos bem recebidas por todos os
presentes e encaminhadas para cadeiras do lado esquerdo do
salão, indicado para as mulheres, ficando os homens do lado
direito.
No começo da sessão, o mestre passa de adepto em adepto,
da direita para a esquerda, servindo o chá ayahuasca. Logo
após começa a leitura dos boletins, que tratam de
direitos e deveres dos adeptos durante a sessão e como
participante da religião. Ao final da leitura dos boletins, o
mestre que está dirigindo a sessão canta música
(as “chamadas”), depois o ritual transcorre intercalando-se
música profana, a exemplo de forró, música
sagrada, “chamada” e, ocorre ainda, questionamentos e
esclarecimentos solicitados pelos adeptos ao Mestre. Os pedidos de
esclarecimentos são feitos oralmente e em tom de voz capaz de
ser ouvido por todos os presentes. O Mestre desenvolve pareceres sobre
a situação exposta. Algumas pessoas saem para ir ao
banheiro, pois o chá pode produzir desarranjo intestinal e
vômitos, sendo que, para os adeptos, esses efeitos são
parte do processo curativo e são considerados como
“limpeza”.
Ao final da sessão, o mestre faz uma oração
despedindo a força da “burracheira”. Em seguida,
anuncia os informes sobre as próximas reuniões do
núcleo. Também foi observado que o mestre nesse
término, passa de adepto em adepto perguntando se ''foi boa a
borracheira''. Assim, todos começam a conversar e a contar sobre
suas experiências. No dia de nossa visita comemoravam o
aniversário dos adeptos do mês, com bolo e refrigerante em
ambiente descontraído. Logo após esse festejo muitos
começam a se despedir dispersando o grupo. Outros permanecem em
volta do dirigente em “roda de prosa”.
3. CLANDESTINOS
Não fazem parte da União do Vegetal nem do Santo Daime, autodenominam-se clandestinos.
São pessoas que já fizeram parte ou freqüentaram
estas religiões e não se encaixaram no contexto
ritualístico e doutrinário das duas vertentes. Formam
grupos pequenos que partilham a ayahuasca de forma, ao que parece, mais
livre e sem comprometimento doutrinário e associativo. Seu
vínculo com a ayahuasca é a busca mística, onde o
chá é um veículo auxiliar de conhecimento
espiritual e compreensão. Trabalham numa dimensão
filosófica universal, procurando o crescimento pessoal em
questionamentos de âmbito cósmico. Por terem passado por
diversas religiões, entre as quais a Umbanda, A Ordem Rosa Cruz,
O espiritismo Kardecista, o Santo Daime e a União do Vegetal,
não se fixaram em nenhuma destas instituições e
bebem o chá respaldados em suas próprias
concepções, amalgamando elementos de suas
trajetórias religiosas.
Quanto ao uso de drogas, descrevem suas experiências com
psicoativos diversos como mais um caminho na busca de conhecimento e
compreensão pessoal, social e cósmica. Não
enfatizam nem menosprezam os seus usos. Reconhecem a superioridade da
ayahuasca como veículo capaz de transportar o ser para estados
mais sutis de consciência, e declaram ter encontrado outra
dimensão da vida, outra compreensão do viver, onde a
ayahuasca assume grande importância como libertadora de amarras
sociais e auxiliar na escolha de um caminho mais feliz e
saudável, com um entendimento universal do mundo.
5. RESUMO DOS RESULTADOS
5.1. UNIÃO DO VEGETAL
Os adeptos da União do Vegetal, afirmaram que
não buscavam tratamento para os “vícios”ao
ingressar no grupo. Não tinham intenção de
afastarem-se da cocaína, da maconha ou mesmo do álcool e
do fumo, dos quais alguns faziam uso. A maioria dos entrevistados
afirma ter chegado à ayahuasca levados por pessoas que já
participavam da religião: amigos ou parentes, que, após o
convite os acompanharam por algum tempo na União do Vegetal,
dirimindo suas dúvidas e dando-lhes apoio. Muitos pensavam que a
ayahuasca era apenas mais uma droga ou que o chá poderia, de
forma divinatória, revelar-lhes algo importante e decisivo sobre
suas vidas: um milagre, enfim. Após os primeiros contatos essa
visão se modificaria completamente a partir da
compreensão de que o caminho espiritual que os cultos
ayahuasqueros propõem é árduo e sistemático.
Nos relatos é significativa a ênfase no sentimento de
desesperança e vazio interior que os acometia à
época da adesão. Por isso, o primeiro contato com o
chá apresentou-se como surpresa, pois afirmam que suas
experiências e percepções começaram a
encaminhá-los de forma mais compreensiva, responsável e
consciente no sentido da resolução de seus problemas.
Essas pessoas descrevem uma longa busca espiritual, em alguns casos,
bem intensa, passando por diversas religiões e grupos como
Umbanda, Espiritismo, Maçonaria e outros, antes de chegarem
à UDV. Todos tinham como religião de origem o
catolicismo, embora, em muitos casos, eles não fossem
praticantes, considerando-se católicos em função
do batismo.
No percurso dessa busca espiritual, poucos afirmaram terem utilizado
“droga” para alcançar algum tipo de
consciência ou paz interior. Os que fogem á esse
padrão, afirmaram que por influência de amigos ou por fuga
da realidade tornaram-se usuários de drogas.
De acordo com a forma simplificada do critério de
classificação da Organização Mundial de
Saúde (OMS) para usuários de psicoativos, os adeptos da
União do Vegetal, que fizeram uso de psicoativos antes de
aderirem ao grupo, corresponderiam à classificação
de usuário problema (dependente). Hoje, todos relatam o completo
afastamento de qualquer tipo de substância prejudicial, mesmo
álcool e fumo.
É importante citar que essas pessoas consideram essa fase de
envolvimento com drogas lícitas e ilícitas como perda de
tempo e de oportunidades, interpretam o uso de drogas como uma
influência negativa na vida de qualquer pessoa, tanto no trabalho
como nos relacionamentos interpessoais e familiares, e a nível
psico-fisiológico.
Os adeptos da União do Vegetal interpretam o chá
ayahuasca como o principal motivo de felicidade e de alcance de maior
nível de consciência de si mesmos e do mundo, expresso por
melhorias comportamentais e fisiológicas. Todos consideram a
União do Vegetal uma religião, afirmam existir uma
intimidade muito grande entre os sócios, vistos como uma grande
família, e que sua doutrina valoriza o sentimento familiar e os
laços de amizade entre os adeptos, onde todos se ajudam e
compartilham momentos festivos e de auxílio a sua comunidade.
Os adeptos se consideram, até certo ponto, a margem do restante
da sociedade, não numa visão preconceituosa ou
separatista, mas sim como grupo que entende o mundo de modo diferente.
Quanto ao nível de ajuda ao próximo, não lhes
parece conveniente promover o crescimento, à base de caridade
dos mais necessitados, mas principalmente daqueles que compartilham do
chá.
Trata-se de um grupo aberto, qualquer um pode participar nas
sessões de novato, e, se houver identificação com
os preceitos, o adepto deverá segui-los estritamente, evitando
que pessoas, sentimentos e conceitos prejudiciais aos do grupo sejam
assimilados, ocorrendo um processo seletivo de
informações do meio externo para o interno. Não
percebemos também interesse promocional, no tocante a
disseminação das qualidades e predicativos do chá,
embora a União do Vegetal, encontre-se bastante disseminada,
havendo núcleos do Centro em quase todas as capitais e nos
grandes centros urbanos do Brasil, e, no exterior.
5.2. SANTO DAIME
Os daimistas afirmaram que já estavam em busca de
auto-conhecimento muito antes de conhecerem o “Santo
Daime”, alguns fizeram experiências místicas com
drogas, a exemplo da maconha, visando alcançar essa meta. Todos
participaram, ainda que por pouco tempo, de diversas religiões a
procura de paz, conhecimento espiritual e harmonia, vindo encontrar na
doutrina e na ritualística do “Santo Daime” a
resposta para os seus anseios.
Os adeptos entrevistados se enquadrariam no critério de
classificação simplificada da Organização
Mundial de Saúde (OMS) como usuários de psicoativos
problema (dependente). Entretanto, afirmam que tinham desejo de parar
de usar drogas, vindo o chá a ser o principal agente nessa
função, juntamente com a doutrina.
Concordam que o “Santo Daime” é uma religião,
visto que tem ritos e organização doutrinária.
Afirmam que depois que aderiram ao Daime, passaram a Ter uma vida mais
responsável, feliz, e também um conhecimento maior de si
mesmo e do mundo.
Essas pessoas conheceram o chá por intermédio de amigos
ou parentes que já o comungavam, por isso afirmam que não
tinham preconceito ou medo de usar a ayahuasca. Descreveram suas vidas
antes do Daime como carecendo de sentido ou caracterizada pela busca de
espiritualidade. Muitos afirmaram que se encontravam cansados no
momento do convite para conhecer o chá, sem esperanças e
perdidos, encontrando a partir dali uma luz que iluminaria suas vidas.
Demonstraram arrependimento no tocante ao envolvimento com drogas e em
relação ao modo de vida “boêmio” e
“desregrado” que alguns levavam, afirmando que o uso de
drogas foi totalmente negativo em suas vidas.
Muitos afirmaram que tiveram total apoio da família ao
ingressarem no “Santo Daime”, devido a grandes
mudanças psicológicas, comportamentais e
fisiológicas que ocorreram no decorrer dos primeiros meses
freqüentando o grupo. Todos os entrevistados têm pelo menos
um familiar participante da religião, havendo alguns em que toda
a família é membro efetivo do grupo.
Os adeptos ao Santo Daime, têm uma postura reservada, não
buscando, segundo eles, nenhuma forma de promoção. Os
sócios demonstram união e sintonia, estando alguns ainda
ligados a suas religiões de origem, o catolicismo ou
protestantismo. Segundo eles, essa dupla filiação
não os prejudica e não é motivo de
desentendimentos no grupo.
Vêem as mirações como merecimento e o
conteúdo das mesmas: agradável ou desagradável
é visto como dependendo do nível de conhecimento e
compreensão de cada indivíduo, sendo por isso diferente
para cada adepto, O conteúdo da miração varia,
há conteúdos que remetem para a correção de
erros, de visualização interna, e de recebimento de
presentes (conteúdos agradáveis interpretados como
premiação).
Demonstram grande interesse pela natureza (o que também ocorre
na União do Vegetal), parecendo haver sintonia do homem daimista
com o entendimento de que ele é parte da natureza e da floresta.
A sexualidade é vista como algo a ser praticada no âmbito
do casamento, o que em tese acarretaria a condenação do
adultério. Os damistas, por regra, devem resguardar-se da
prática sexual (três dias antes e três dias depois
das sessões) como forma de manter o equilíbrio da
energia, canalizando-a para o desenvolvimento de seus objetivos
espirituais de compreensão e conhecimento de formas harmoniosas
de existência.
6. CONCLUSÃO
6.1. AYAHUASCA E PSICOATIVOS: o “normal” e o “patológico”
A ayahuasca suscita um estado de consciência passível de
manifestar-se através de outras técnicas. Logo, a
questão de saber se ela é droga ou sacramento não
se coloca para os grupos ayahuasqueros, pois, para eles, “a ayahuasca não é droga”,
seu processo de produção, entendido do ponto de vista
mágico, transmuta “corpo vegetal” em “corpo
divinal”, situando-o, portanto, na esfera do sagrado.
No que pese o fato de que todos os grupos ayahuasqueros consideram a
bebida como sagrada, duas diferenças principais são
ressaltadas como elemento de demarcação entre os grupos:
a possessão e o uso ou tolerância com o consumo de outros
psicoativos que não a ayahuasca. A linha de Mota sacralizou o
uso da “cannabis” provocando crítica por parte dos
demais grupos. Entretanto, vale ressaltar, que essa polêmica que
se instala no interior dos grupos ayahuasqueros tem duas faces
distintas, de um lado, o xamanismo assimila diferentes
substâncias psicoativas como forma de contatar o sagrado, mas de
outro lado, o contexto cultural, ou seja, a valoração que
a cultura atribui a substância, interfere em sua
avaliação. Nesse sentido, o contexto urbano é
amplamente desfavorável aos experimentos com substâncias
proscritas, agregando às mesmas, procedimentos de
desvalorização, sem que, no entanto, o problema se esgote
no âmbito da legalidade, uma vez que diferentes religiões
combatem os efeitos desagregadores de substâncias legais como o
álcool e o tabaco. Além do mais, acima dessa
polêmica, todos os grupos ayahuasqueros reconhecem os efeitos
terapêuticos da ayahuasca, inclusive no que toca a
recuperação de consumidores de psicoativos diversos,
entre eles as chamadas “drogas pesadas”, como a
cocaína e seus derivados. Ao mesmo tempo, estudos indicam que o
ponto crucial quanto ao uso de psicoativos não é o
consumo em si, ou, os efeitos farmacológicos considerados
isoladamente. O fator determinante para o início e a
continuidade do uso é definido pelo contexto
sócio-cultural no qual ele ocorre.
Considerar o uso de psicoativo em perspectiva cultural, analisando o
imaginário relativo à motivações, atitudes,
experiências anteriores e expectativas, implica investigar o
significado de seus usos e, além disso, ver como o modelo de
consumo ritual de ayahuasca funciona como re-estruturador em
relação a desestruturação provocada pelo
uso de outros psicoativos. Ou, dito de outro modo, de que maneira o
“patológico” pode ser considerado
“normal”?
Embora a psiquiatria faça uso de substâncias psicoativas
para instituir o equilíbrio psíquico, o uso da ayahuasca
vem sendo questionado em pelo menos dois aspectos: como forma de
contatar o sagrado e como terapêutica para os males do corpo e da
alma. Seu uso é situado pela sociedade envolvente, no campo do
“patológico”: pelos religiosos, desde o
início da conquista, como “coisa do Diabo” (Cemin,
2000) e no polo da terapêutica, como algo potencialmente perigoso
que está sendo usado e administrado por pessoas não
preparadas para a função das práticas
médicas.
O prestígio dos Mestres da ayahuasca, contudo, fundamenta-se na
eficácia de sua atuação. Eles são
procurados por pessoas portadoras de variadas patologias, inclusive
relacionadas ao uso e abuso de “drogas”, que a eles
recorrem em busca de cura e de conforto espiritual. Concomitante a
isto, o exemplo de vida e de trabalho, bem como, as alianças
estabelecidas com as autoridades políticas e com
instituições à exemplo do Círculo
Esotérico da Comunhão do Pensamento, a Ordem Rosacruz e a
Maçonaria, pelos Mestres fundadores e por seus
discípulos, consolidaram o respaldo para o consumo ritual de
ayahuasca, ao ponto de tornar o seu consumo religioso legalizado e sob
o controle dos grupos usuários (Cemin, 2000).
Ao discutir a “estrutura” e o “comportamento”
patológico no homem, Canguilhem (1990) argumenta que, apesar de
“imenso”, esse problema não deve ser fragmentado,
mas, sim discutido em “bloco”, uma vez que são
amparados por uma “cultura médica”, cujos
procedimentos essenciais são a clínica e a
terapêutica, “técnica de instauração e
restauração do normal” (1990:16).
A vivência da “realidade” xamânica pode
propiciar ao adepto, situações onde se reconheça,
por exemplo, como “Pôncio Pilatos” ou,
responsável pelos destinos do Brasil”, ou mesmo, como
“Lúcifer”. Isto coloca o problema de estabelecimento
de congruência entre as realidades ordinária e
extraordinária, encontrando solução na
instauração de conhecimento e sociabilidade
específicos, capazes de dar conta de realidades díspares.
Requer, ainda, entre outras habilidades, aprendizagem para decifrar
mensagens simbólicas, organizá-las em
seqüências concatenáveis, dando-lhes coerência
em meio a um contexto fantástico e aparentemente absurdo.
Esse tipo de conhecimento, a princípio, só pode ser
partilhado por aqueles que experimentam os mesmos fenômenos. Isto
ocasiona o fortalecimento dos laços internos que unem os
adeptos, levando-os a desejarem permanecer o maior tempo
possível juntos, porque é no interior do grupo que o
conhecimento obtido pelas “visões” que ocorrem sob a
força e à luz da ayahuasca ganha facticidade.
Em seu estudo sobre o “normal e o patológico”,
Canguilhem (1990) discute a tese que afirma serem os fenômenos
patológicos da mesma ordem que os normais, diferindo apenas
quantitativamente. Argumenta que, sendo a vida não só
adaptação mas instauração do meio, o normal
e o patológico se instauram por procedimentos de
valoração, não sendo “absurdo considerar o
estado patológico como normal”, desde que ele esteja em
conformidade com “normas de vida” instituídas por
uma “certa maneira de viver” (1990:187). Curar, diz ele,
“é criar para si novas normas de vida” e o conceito
de norma não é redutível, nem mesmo em fisiologia,
às determinações conceituais objetivas (1990:188).
As técnicas terapêuticas, abrigadas nos procedimentos
médicos têm “... raízes no esforço
espontâneo do ser vivo para dominar o meio e organizá-lo
segundo seus valores de ser vivo” (1990:188).
As conclusões de Canguilhem sobre o normal e o patológico
discutidos no âmbito da fisiologia do homem, convergem para o
ponto de vista da antropologia, onde a “noção de
cultura valoriza a rede de significados, a construção social da realidade”,
conforme adverte Gilberto Velho (1994:89) em seu artigo sobre a
“Dimensão cultural e política do mundo das
drogas” e, ainda, Furst (1976:27), que assinala: as
substâncias psicoativas não devem ser encaradas apenas do
ponto de vista bioquímico, mas, inseridas em seu contexto
cultural por ser ele determinante do modo como ela é
interpretada e assimilada. De fato, essa perspectiva corrobora nossas
próprias conclusões, (Cemin,2000:287) pois constatamos
congruência entre a rigidez na aplicação dos
modelos de condutas moral, doutrinária e ritual, com o tipo de
resultado que se pode obter nos processos de interação
com o psicoativo em uso.
A ausência de modelos definidos para as condutas ou a não
aceitação do modelo pode ser vivenciada como
anulação da proteção requerida para bom
trânsito no mundo espiritual. Ocasionando
perturbação na experiência ritual pela
produção de efeitos indesejáveis, a "peia":
conjunto de sensações físicas e psíquicas,
tais como náusea, vômito, visões
terroríficas, experiências de morte seguida de
renascimento, ou aquilo que é reconhecido como a
sensação de estar "fora do poder". Isto é,
ausência da desejável sensação de paz,
harmonia, amor e integração; ou ainda,
cognições e visões úteis e prazerosas.
Diante desses dados, propomos também uma etnografia cuidadosa do
estado do adicto à substâncias psicoativas, antes, durante
e depois do ingresso à esfera ayahuasquera. Indagamos como se
dá o processo de conversão dos adictos à outros
psicoativos: de que maneira as motivações que induziram
ao uso dos mesmos são supridas pela conversão, ou seja,
é o efeito psicoativo que “cura” ou é o
ajuste a um modo de vida que em princípio poderia ser suprido
por outra religião fora do xamanismo?
O pressuposto de nossa tese (Cemin, 2000) quanto ao “xamanismo
ayahuasquero”, foi o de que ele supre a
“função simbólica”,
“imaginante” propiciada pelo êxtase, entendido como
predisposição antropológica e acionado desde
épocas imemoriais como terapêutica pelos sistemas
tradicionais xamânicos. Mas, afinal, trata-se disto, ou, daquilo
que Weber (1991) assinala como sendo função da
religião: ajuda para que a pessoa “vá bem no
mundo”, entendido em dimensão material?
6.2. XAMANISMO, IMAGINÁRIO E EQULÍBRIO BIO-SOCIAL
Tradicionalmente o xamanismo cura por imagens, conforme
demonstrou Lévi-Strauss (1975) em sua análise sobre a
“eficácia simbólica”, onde esclarece de que
modo o xamã restaura o mito social inerente a cultura do doente,
possibilitando-lhe a experiência de ab-reação; e,
estudos mais recentes abordam o papel da imaginação na
cura (Achterberg, 1996; Walsh, 1993).
Mas, não se poderia dizer que as significações
imaginárias sociais derivam dos inconscientes individuais?
Segundo Castoriadis (1982), não, pois, para ele, o
indivíduo é uma abstração, uma propriedade
de coexistência que surge a nível do conjunto. Uma
necessidade social só se torna tal em função de
uma elaboração cultural. Como ela se faz? Pelo
“investimento do objeto com um valor” (1982:181).
Não sendo apenas as necessidades naturais e as possibilidades
técnicas que determinam as escolhas, conforme também
demonstrou Lévi-Strauss (1989) em “O Pensamento
Selvagem”. São os sistemas de significações
imaginárias que valorizam e desvalorizam um conjunto cruzado de
objetos e faltas nos quais pode-se ler a orientação de
uma cultura. Paralelamente a esse conjunto de objetos define-se uma
estrutura ou articulação da sociedade.
No que pese a diferença entre autores como Castoriadis,
Lévi-Strauss e Durand, um ponto de convergência nos
interessa destacar: o reconhecimento que todos eles dirigem à
positividade da imagem Se, para Castoriadis, o imaginário
institui o social, para Lévi-Strauss (1985), em seu artigo sobre
“O encontro do mito e da ciência”, a
oposição entre ambos, considerada do ponto de vista da
valorização e da desvalorização das
imagens, dos símbolos e dos dados do sentido, pode estar em vias
de superação, porque a ciência começa a ser
capaz de reincorporar problemas antes deixados de lado. Para Gilbert
Durand (1988; 1997), a imaginação, enquanto
função simbólica é o fator geral que
possibilita o equilíbrio psicossocial. Define as funções da imaginação simbólica
como dinamismo de equilíbrio, cuja função é
negar eticamente o negativo, sendo ainda, dinamicamente,
negação vital, frente ao “nada”, a
“morte” e o “tempo”.
Primeiro, o símbolo surge como restaurador do equilíbrio vital comprometido pela noção de morte.
Durand, respaldando-se na antropologia, define a função
da imaginação, que ele chama “função
de eufemização” não como máscara, mas
como dinamismo que tenta melhorar a situação do homem no
mundo. A morte é negada, eufemizada numa vida eterna, e o
próprio fato de desejá-la e imaginá-la como um
repouso, a eufemiza e destrói.
Segundo, o simbolismo é pedagogicamente utilizado para restabelecer o equilíbrio psicossocial.
De fato, o autor assinala que Freud, através da
concepção da sublimação, já havia
constatado o papel de “amortecedor” que a
imaginação desempenha entre o impulso e sua
repressão, mas reduzia as “aberrações”
imaginárias da neurose aos fatos biográficos da primeira
infância. Nesse caso, fora da
“sublimação” a imagem seria um
obstáculo ao equilíbrio e não ajuda eficaz.
Prossegue afirmando que, com a noção de arquétipo
de Jung, o símbolo é concebido como uma síntese de
equilíbrio através da qual a alma individual se une a
psique da sociedade humana e oferece soluções aos
problemas apresentados pela inteligência da espécie. Mas
em ambos, adverte ainda Durand, o símbolo não é
encarado como meio terapêutico direto. Entretanto, atualmente,
várias terapêuticas utilizam-se do imaginário para
os procedimentos de diagnóstico e de cura, e o fazem retomando
os pressupostos e os métodos tradicionais, a exemplo do
xamanismo (Achterberg, 1996 e Walsh, 1993).
Em terceiro lugar, o imaginário estabelece um equilíbrio antropológico
que constitui o “humanismo da alma humana”, ao negar que o
homem seja “pura animalidade”. E ainda, o imaginário erige o domínio do supremo valor
e equilibra o universo que “passa”, através da
imagem de um ser que “não passa”, e o símbolo
então resulta numa “teofania”.
De fato, muitos dos nossos entrevistados afirmaram que se
encontravam em estado de “ruína” física,
psicológica e/ou econômica, devido a crise ou
negligência de valores antes de ingressarem no Daime ou na
União do Vegetal. Os sujeitos descrevem essa fase de suas vidas
como desprovidas de sentido, de objetivos, de interesses ou valores.
Mas também enfatizam que essas crises eram indícios de
que buscavam caminhos de libertação. Um ''querer'' sair
daquela condição, mesmo que através das drogas.
Assim, quando observamos o contexto espacial e emocional em que se
encontram agora, partilhando do chá, percebemos contraste
expressivo entre as duas realidades, antes e depois que aderiram ao uso
ritual do chá. Deste modo, indicam que a ayahuasca é o
principal causador do “saber” que eles detêm de como
conduzir a vida, decorrendo daí, mudanças
fisiológicas, psicológicas e comportamentais, vistas como
positivas.
É possível afirmar de acordo com o que foi dito por
vários entrevistados, que a compreensão desse caminho e a
iniciativa de seguí-lo, com o posterior alcance de metas,
deve-se a “força de vontade”, que entendem ser
intrínseca ao indivíduo. Ao mesmo tempo em que atribuem a
fatores externos, no caso, o chá, considerado sagrado, o suporte
que proporciona a reestruturação psicofisiológica
e social, que, antes de seu ingresso ao consumo ritual de ayauhuasca,
estava latente, uma vez que constatamos na trajetória dos
indivíduos uma busca permanente pelo equilíbrio
espiritual.
Tivemos a oportunidade de participar de sessões no decorrer da
pesquisa, onde experienciamos o chá, sentindo seus efeitos no
físico e no emocional. No desenrolar da experiência
observamos um estado lúcido constante, sendo o psíquico
influenciado, por vezes, pelo ritual que estrutura a sessão.
Embora tudo transcorra do ponto de vista coletivo, a experiência
individual acontece sem haver necessariamente ligação com
outros participantes do grupo. Os relatos são diversificados,
embora em torno do tema da busca pela espiritualidade e pelo
aguçamento dos sentidos com destaque para os efeitos
sinestésicos.
A ritualística é complexa e requer um estudo aprofundado.
Os efeitos e a classificação do chá exigem estudos
multidisciplinares e maior tempo para pesquisas detalhadas visando
à compreensão adequada do fenômeno, que,
constatamos, é considerado algo muito preciosos por todos
àqueles que o sustentam e dele se beneficiam. O
imaginário que organiza a cura quanto à dependência
de drogas e outros problemas, forma um complexo onde os Mestres e o
consumo ritual do chá, que é divindade, assume
importância como motivadores para os processos de cura
física e moral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACHTERBERG, Jeanne. A imaginação na cura: xamanismo e medicina moderna. São Paulo, Summus, 1996.
CARDOSO, Ruth. Aventuras de antropólogos em campo ou como escapar das armadilhas do método. In: CARDOSO, Ruth (org.). A aventura antropológica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
CARNEIRO, Henrique. Filtros, mezinhas e triacas (as drogas no mundo moderno), São Paulo, Xamã, 1994.
CEMIN, Arneide B. Trajeto antropológico: ou como ter “Antropological Blues”,
Presença, revista de educação, cultura e meio
ambiente. Porto Velho, Fundação Universidade Federal de
Rondônia. Ano IV, n.º 10. Dez/1997.
CEMIN, Arneide B. Ordem, xamanismo e dádiva – o poder do Santo Daime. São Paulo, Terceira Margem, 2000.
COELHO, Vera Penteado. Os alucinógenos e o mundo simbólico. São Paulo, E.P.U., 1976
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo, Cultrix, 1988.
FURST, Peter T. Alucinógenos e cultura. São Paulo, Ulisseia, 1976.
HARNER, Michael. O caminho do xamã (um guia de poder e cura). São Paulo, Cultrix, 1980.
MALINOWSKI, Branislaw. Os argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo; Abril Cultural, 1978, (coleção Os Pensadores).
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro, 5ª edição, Tempo Brasileiro, 1996.
PEIRANO, Mariza. A favor da Etnografia. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1995.
WALSN, Roger N. O espírito do xamanismo: uma visão contemporânea. São Paulo, 1993.
NOTAS
1) Doutora em Antropologia Social (USP), Professora do Departamento de
de Sociologia e Filosofia da Fundação Universidade
Federal de Rondônia. Volta
|