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Castoriadis, a ilusão como princípio ativo no indivíduo

Zairo Carlos da Silva Pinheiro - Centro de Estudos do Imaginário - UNIR(1)


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CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro

  


O que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. (Barthes, A Câmara Clara, p.13, 1984).

Este artigo tem a tentativa de passear sobre o último capitulo do livro de Cornelius Castoriadis entitulado: “A Instituição Imaginária da Sociedade”. Tal escolha foi feita devido ali conter discussões sobre o conteúdo do Imaginário, onde o mesmo é identificado como eixo que norteia cada comunidade social discutindo, radicalmente, funções e limites.

É preciso também esclarecer de imediato a escolha de tal título: por mais que o indivíduo se ache frente a uma “descoberta” realizada individualmente, um conceito, atitude, vontade (no sentido dado por Schopenhauer); sejam tais descobertas realizadas por um intelectual ou um homem “simples” do campo, tanto um como o outro estão realizando nada mais que uma idéia já “estipulada” pelo tema principal discutido por Castoriadis; ainda, o que faz com que sejamos brasileiros e não japoneses, apreciar e gostar de coisas que a outro povo pareceria horripilante, isto que fazem as culturas parecerem tão diferentes, tal princípio que “ninguém” pode driblar é identificado pelo nosso autor como: Magmas.

A nossa vontade é sempre dizer que as coisas acontecem, sempre no acaso, isto pode ser verdadeiro para coisas banais, a compra de um objeto, uma lâmpada que despenca do teto em casa ou no escritório, o carro que furou o pneu etc. Mas nas coisas fundamentais onde envolve não apenas a nossa morte física individual como também o desequilíbrio de uma comunidade, tribo, país, tais coisas não são ocasionais. O conceito de caos entra nesse sentido, por demais carregado de significado, forma, sentido, “objetivo” dando sempre a entender que tal conceito é puro movimento visando um algo desconhecido, cabe aqui uma primeira citação de Castoriadis (2000, p. 387):

“ Aquilo que não é não pode ser caos absolutamente desordenado termo ao qual, aliás, não se pode atribuir nenhuma significação: um conjunto aleatório representa ainda, enquanto aleatório, uma organização formidável, cuja descrição preenche os volumes oral e se expõe a teoria das probabilidades”.

Mas se nada pode ser caos, é porque antes do mesmo, existe algo que preenche lacunas, direciona, impulsiona determinado conjunto social a existência, nunca plenamente aleatório, pois este conceito sempre é idealizado na sociedade onde sua aplicação é permitida. Ou seja, a representação, a natureza, as significações sociais de um modo geral não podem existir fora do Magma. Então, que é o magma afinal? Nada, inclusive, pode ser falado sobre o magma que não esteja impregnado por este conceito, o pensar, o fazer, o falar já é imaginário em movimento criando e sendo recriado por um imaginante que a tudo abarca, o ser magmático.

Para a fundação do social – histórico do mundo, do trabalho, Castoriadis propôs um conceito a “lógica – identitária”, ou seja, aquilo que possa fazer com que se reconheça as coisas numa sociedade, mas mesmo aí esse conceito já estaria dentro do magma que a “tudo” abarca.

Percebemos nesse tópico que o indivíduo sábio ou idiota são marionetes dessa que se assemelha muito com o conceito oriental karma. Um verso de Baudelaire (1985, p.255), tendo escrito visando outra coisa, pode nos servir:

“Se urge ás vezes ser domada
Tua raiva misteriosa,
Tu, me cravas, respeitosamente,
Além do beijo, a dentada.”

Procurar domar algo em movimento é tarefa das mais difíceis, mas o magma não precisa nem pode ser domado basta se movimentar para poder fugir e criar.


II

Toda linguagem já é carregada de sentidos. A língua, faz parte do lado interrogativo do homem. É através dela que a emoção da mão é mais intensa com seu filho. Apenas pelo choro uma mãe pode saber o que seu filhinho quer. Os outros animais também utilizam tal recurso. Mas o saber nomear as coisas, talvez, seja próprio dos seres “humanos”. Aí é que começa os problemas que tanto a filosofia fenomenológica tanto debruçou-se. Identificar a palavra rio à 'coisa' líquida que corre arrastando os barcos, como se a palavra pudesse ser a representada real e não aproximada da coisa é cair na armadilha da consciência... Bergson (1990, p.1-2) nos norteia nesse sentido:

“...o objeto é bem diferente daquilo que se percebe, que ele não tem nem a cor que o olho lhe atribui, nem a resistência que a mão encontra nele.”

Para Castoriadis toda palavra é “aberta”, ou seja, uma palavra não pode dizer o que realmente é um rio, uma árvore etc., esses objetos que nomeamos é sempre mais e além da descrição. Não se fecha num sentido “próprio”. Uma única palavra pode se reportar a infinitas “remissões”, mas jamais o que seria a coisa – em – si. Árvore, por exemplo, indica um objeto, tão somente isto, nunca diz “objetivamente” o elemento da natureza classificado pelo homem.

Nesse sentido toda linguagem significativa é antes casca carregada pelo campo 'pré–estabelecido' imposto pelo magma para que possa existir tal conceito, palavra ou qualquer nomeação social. Isto não quer dizer que um campo lingüístico, frase ou nome, não tenha limites, pelo contrário: “ frase não é uma acumulação de liberdades de linguagens – por que toda linguagem é abuso de linguagem, ( ... ) “ (Castoriadis, 2000, p. 393 – 394). Falar X é abusar dos limites de algo X, é dizer sempre menos que X ou mais sem necessidades.

O falar humano sempre foi visto como aquilo que dar sentido ás coisas no mundo. Na verdade se dar o contrário, o mundo (do magma) é que dar o sentido ao falar, esse mundo (dimensão identitária-conjuntista) definida por Castoriadis como o Legein (o fazer do homem na linguagem o falar), para que possa ter existência é necessário sair do magma (é existente nas três dimensões passado, presente e futuro).

Teria como fugir desse magma? Obviamente que o magma é o próprio ser existindo em movimento, ele próprio é a chave para criações, e o mesmo abre frestas para isto: cabe aqui uma citação de Barthes (1996:77):

“O sonho permite, sustenta, mantém, coloca em plena luz uma extrema sutileza de sentimentos não morais, por vezes mesmo metafísicos, o sentido mais sutil das relações humanas, das referências refinadas, um saber da mais alta civilização, em suma, uma lógica consciente, articulada, com uma delicadeza inaudita, que só um trabalho de vigília intensa deveria estar capacitado a obter. Em suma o sonho faz falar tudo o que em mim não é estranho, estrangeiro: é uma anedota indelicada feita com sentimentos muito civilizados (o sonho seria civilizador)”.

III

O homem sempre foi visto por uma parte das ditas ciências humanas e sociais como produto do meio onde vive, que a natureza fê-lo e que o mesmo a transformou etc. De que maneira isso seria possível? Como e de que maneira a “natureza” pediria “maldar” o homem? E se fez, que mecanismos reais usou para isto? Perguntas que não poderiam ter respostas satisfatórias. Castoriadis (2000, p.399) nos indica outro caminho; nós não poderíamos ter escolha, os sonhos criações do imaginário social: ”...a instituição da sociedade e o mundo de significações correlativo, emerge como o outro da natureza, como criação do imaginário social”.

Assim como Kant alertava para a fenomenologia da coisa-em-si, e que o mundo é representação, puro fenômeno não podendo ser jamais “descoberto” e desvendado totalmente; assim também, a natureza ou como chama Castoriadis o “extrato natural” já é fruto de um núcleo criativo: o imaginário social.

A questão do real, no mundo ocidental, sempre foi o limite para a compreensão de outros mundos, como o oriental e africano. O mundo cristão sempre foi fascinado pela “prova científica” das passagens simbólicas das escrituras. Dizer que Jesus não foi carne, mas linguagem de uma específica tradição, é causar um choque em muitos, que a “Torre de Babel” (o zigurate mesopotâmio) não existiu como objeto material no meio social é causar outro. E dizer que esses símbolos por não terem existido realmente é que são cheios de realidades, causa mais espanto ainda. Nesse sentido, como acreditar, então, que o que é a sociedade não pode ser cópia do “extrato natural”, e em muitos casos completamente diferente do real. Logo, as “significações imaginárias” já estão presentes antes do nosso significado sobre as coisas, objetos etc. Bachelard (1999, p. 21) merece ser citado nesse contexto, por dizer:

“O fogo propaga-se mais seguramente numa alma do que sob as cinzas”

Antes que qualquer coisa possa ser já é no espírito do criador; este último saindo do imaginário social específico de uma comunidade.

O ser do imaginário comporta duas palavras, peras e apeiron, só através dessas categorias podemos dizer ser possível a modificação “organizada” do real. A postura resistente da realidade natural é apenas ilusória, ela comporta uma maleabilidade que permite a todo o real a modificar-se, se não fosse assim, não poderia haver comunidades tão diferentes, mas sempre com um “fio de Ariadne” para ligá-las. Isto significa que toda “realidade” é “realidade social”, todos os objetos não são objetos só, mas “objetos sociais”, ou seja, dependem de mais duas palavras, Legein e Teutkein ( fabricação e dizer respectivamente): Para exprimir essa “dependência” do Legein e Teukhein ao imaginário social, Castoriadis (2000, p. 289) comenta:

“O que assim se manifesta aqui é um aspecto decisivo do instituir e da instituição originária – o que poderíamos tentar exprimi real, dizendo que a restituição “se pressupõe”, que ela só pode existir como se ela já tivesse existido plenamente ( e que ela tem que ser indefinidamente)”.

Ora só podemos dizer que uma sociedade existe dentro de um “magma” de significações imaginárias, ou que tal sociedade está “ inscrita” por esse magma.

Para exemplificar, na baixa idade média, foi criada uma máquina para colher laranja, mas que não fora utilizada; a exemplificação é que não existia certa camada social “preparada” mentalmente para tal evento, a Europa teria que esperar mais de 300 anos para colocar a máquina para funcionar, antes no imaginário das classes.

Para que pudesse emergir o capitalismo foi necessário comenta castoriadis (2000, p. 404): “alteração dos indivíduos, das coisas, das relações sociais e das “instituições” no sentido secundário deste termo criação de um homem capitalista, de uma técnica capitalista, de relações de produções capitalistas, inconcebíveis e impossíveis uns sem os outros, e todos presentificando e figurando a instituição capitalista do mundo e as significações imaginárias sociais que ela traz consigo”.

Essa citação acima parece um truísmo, mas por muito tempo, e ainda hoje, se acredita que podemos simplesmente exportar capitalismo, quando se faz assim se realiza um “estupro social” e geralmente tal capitalismo caminha a passos de tartaruga irritando os especuladores ávidos por lucros imediatos, o magma por atrapalhar os interesses econômicos em determinadas áreas do globo parece até ter interesses peculiares, pois obscuro é seu ser.

BIBLIOGRAFIA

Bachelard, Gaston. A Psicanálise do Fogo. Martins Fontes, S. Paulo, 1999.

Barthes, Roland. A Câmara Clara. Nova Fronteira, R. de Janeiro, 1984.

_____________. O Prazer do Texto. 4ª ed., Elos, S. Paulo, 1996.

Bergson, Henri. Matéria e Memória. 1ª ed., Martins Fontes, S. Paulo, 1990.

Baudelaire, Charles. As Flores do Mal. 8ª imp., Nova Fronteira, R. de Janeiro, 1985.

Castoriadis, Cornelius. A instituição Imaginária da Sociedade. 5ª ed., Paz e Terra, R. de Janeiro, 2000.

NOTAS

1) Historiador, Mestrando em Ciências Humanas, integrante do Centro de Estudos do Imaginário.  Volta

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