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Primeiras Notas
CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Zairo Carlos da Silva Pinheiro
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A sociologia
francesa, inclusa a antropologia, esteve a partir de Durkheim e Mauss,
envolvida com a formulação de teorias que dessem conta
dos fundamentos da vida social, compreendendo-a como essencialmente
simbólica. Da noção de "consciência
coletiva", Durkheim chegou a noção de
"representações sociais" – definidas como
"elementos reais e atuantes" que, entretanto, "não são
fatos puramente físicos (1994:38). As
representações são consideradas por ele como a
"trama" que tece o social e que se origina da associação
entre os homens, sem dela ser uma decorrência direta,
instantânea ou mecânica. Esse processo de surgimento das
representações pela associação humana fica
tão mais invisível quanto maior for a complexidade social
que, para Durkheim, liga-se aos elementos morfológicos, tais
como, as relações entre território, densidade
populacional e comunicação.
A primeira matéria da representação diz respeito
aos dados da morfologia e da dinâmica social, mas, uma vez
formadas, assumem a característica de "depender do todo sem
depender imediatamente de nenhuma de suas partes". Podendo assim, estar
em todos os lugares sem necessariamente fixar-se em nenhum ponto do
espaço, ganhando mobilidade e liberdade para
variações que, se recusadas por umas partes, podem ser
adotadas por outras. Deste modo, embora as representações
tenham seu fundamento na sociedade, as representações
coletivas, mesmo vinculadas ao social, não se confundem com ele,
pois, "as representações novas [...] têm por causas
próximas outras representações coletivas e
não esta ou aquela característica da estrutura social"
(1994:50).
As representações coletivas são "imagens", segundo
Durkheim, que, embora resultem das "sensações" não
podem ser explicadas apenas pelo estado do cérebro nem pela
morfologia social. Deste modo, se a vida representativa no
indivíduo pode ser chamada de "espiritualidade", a vida social
se define por uma "hiperespiritualidade". Ou seja, trata-se dos "mesmos
atributos da vida psíquica, elevados a uma potência muita
alta, de modo que chegam a constituir algo inteiramente novo" (1994:54).
O desenvolvimento desta teoria sobre os fundamentos da vida social
levou Durkheim a postular que os "objetos não têm valor
algum por si mesmos e independente de nossas
representações" (1994:87). As
representações, para ele, são sempre
"imaginárias" porque o modo de instituição do
social é o imaginário: a forma como a sociedade imagina,
projeta e objetiva denominando e classificando (1994:89). "Pois a
sociedade é, antes de tudo, um conjunto de idéias, de
crenças, de sentimentos de toda a espécie, num
amálgama realizado pelo próprio indivíduo"
(1994:90). Ou seja, virtualidades que se intercruzam, se juntam e se
repelem em constante movimento de construção de mundos de
sentidos capazes de instituir realidades antes inimagináveis,
visto que: "das ações e reações que ocorrem
entre os indivíduos decorre uma vida mental inteiramente nova,
que transporta nossas consciências para um mundo do qual
não teríamos a menor idéia caso vivêssemos
isolados" (1994:90).
A participação em um grupo, portanto, é mais do
que potencialização das técnicas e dos
utensílios, é criação que se origina da
"efervescência social", ou seja, participação,
troca e confronto com as idéias partilhadas por homens de um
mesmo grupo social. Mas, indaga o autor, de onde provêm as
representações? E ele mesmo responde que elas
provêm da idéia do sagrado e que o sagrado é o
incomensurável, o não utilitário, o ideal, o
simbólico, o imaginário. O sagrado é "autoridade
moral" argumenta Durkheim, acrescentando que a moral é uma
"realidade psíquica" e, portanto, "fato social".
Os "fatos sociais" para Durkheim não são coisas no
sentido material, técnico e utilitário, são
"coisas psíquicas", representações,
atribuição de valor, sendo que o valor não
está nas coisas em si mesmas, por isso ele pergunta "... de onde
provém o fato de que nós tenhamos necessidade e meios de
ultrapassar o real, de sobrepor ao mundo sensível outro mundo
diferente [ideacional, imaginário] no qual os melhores dentre
nós teriam sua verdadeira pátria?" (1994:132-3). Em
resposta o autor considera que a hipótese teológica
– que vê o mundo espiritual como realidade una e perene -
não se sustenta porque não explica a variedade do ideal
religioso, o supra-experimental, visto que este varia de acordo com os
grupos sociais.
A resposta de Dukheim surpreende porque aponta para o homem como ser de
desejo, quando afirma: "para que o ideal seja algo mais que uma simples
possibilidade concebida pelos espíritos, é
indispensável que seja desejado". A intensidade do desejo
coletivo é a força que cria e "... metamorfoseia tudo
quanto toca ... ": "substitui o mundo que o sentido nos apresenta por
um mundo completamente diferente" (1994:142).
Esse mundo completamente diferente do mundo físico é para
Durkheim o mundo social, que é, principalmente "idealidade".
Essa idealidade é constituída por duas ordens que, em
linguagem atual, poderíamos chamar de "realidade de signos" e
"realidade de símbolos", pois, segundo o autor, há
aqueles tipos de idéias ou ideais de realidade "cujo papel
é unicamente expressar as realidades às quais se aplicam,
de expressá-las como são: trata-se dos conceitos
propriamente ditos. Há outros, pelo contrário, cuja
função é transfigurar as realidades a que se
relacionam: estes são os ideais de valor"(1994:143).
No primeiro tipo é o ideal, ou seja, o conceito que serve de
símbolo à coisa, ao ser ou relação,
pretendendo esgotá-la, contê-la de maneira a
"torná-la assimilável ao pensamento. No segundo, é
a coisa a que serve de símbolo ao ideal e o torna
representável aos diferentes espíritos" (1994:143).
Ora, no ato mesmo de falar aos diferentes espíritos, o
símbolo é necessariamente polifônico,
polimagético, por isso, a realidade conceitual, a realidade de
signos institui, fixa, fecha em torno de um sentido; e a realidade de
símbolos "... expressa o aspecto novo da realidade mediante o
qual ela se enriquece sob a ação do ideal" (1994:143).
Para Durkheim o ideal é também real mas de uma outra
realidade, porque o ideal está sempre em vias de
institucionalizar-se, sempre suscetível de
estabilização e, ao mesmo tempo, aberto à
criação que resulta da contraposição entre
o real e o ideal, isto é, entre o instituído e o
imaginário.
Sabemos do respeito de Durkheim pelo instituído e não nos
interessa discutir aqui essa sua inclinação, apenas
assinalar a existência de um amplo arco de recalcamento no campo
do imaginário que se configura em um jogo de coordenadas
binárias onde a escolha é a imagem ou o conceito. O que
está dito em Durkheim pode ser reencontrado em Bachelard (1986;
1990) como fundamento de sua epistemologia bipartida entre o regime
diurno – os conceitos, a ciência; e o regime noturno
– o sonho, a poética, o imaginário.
Freud também percebeu, tanto quanto Bachelard, que a
racionalidade social e também científica, se faz pelo
recalcamento das pulsões, e que estas configuram
representações de desejos (Também para Durkheim o
desejo é a força capaz de mover as vontades). Sabemos que
para a psicanálise, o que constitui o desejo é a falta,
ou melhor, o conjunto de significantes fantasmáticos que
substituem aquilo que falta. Sendo assim, o desejo é energia
afetiva que investe representações simbólicas e,
inobservável em si mesmo, nem por isso carece de materialidade,
visto que o desejo produz relações humanas entre seres e
objetos, resultando na criação de seres, objetos,
espaços e situações concretas.
Ocorre que para indagarmos com um mínimo de pertinência
acerca do desejo e, portanto, do imaginário, é
necessário que nos situemos no campo de visibilidade
constituído por nossos conhecimentos sobre o homem. Na verdade,
não mais sobre o homem, Foucault (1992), inclusive, anunciou o
seu fim. De fato, é sobre o processo de
hominização que se configura o debate que hoje assoma no
campo das ciências, interrelacionando-as. A nosso ver, seguindo
diferentes pensadores como Lévi-Strauss (1985), Atlan (1992),
Morin (1996) e Maturana (1997), já não parece tão
esclarecedora quanto há um século atrás, a
divisão clássica entre ciências sociais e
ciências da vida. Em sentido amplo, nos parece pertinente,
conforme o programa de Foucault (1992), nos situarmos na "região
epistemológica" que conecta as diferentes ciências: da
vida, da produção e da linguagem. Sem pretender esgotar o
assunto, evocamos um contexto multidisciplinar que articula diferentes
pensadores, cujo foco de reflexão é antropológico.
Segundo a antropologia paleontológica (Leroi-Gourhan, 1984;
1987; 1990), a evolução humana caracteriza-se por dois
aspectos principais: tecnicidade manual e tecnicidade verbal
desdobradas em dois outros planos, o da evolução
filética, dizendo respeito as propriedades físicas que
diferem pouco das de trinta mil anos atrás; e o da
evolução étnica, que se refere ao corpo
exteriorizado, corpo social, em transformação acelerada.
Para além desses dois planos e de seus desdobramentos, há
o "tecido de relações" entre o indivíduo e o
grupo, feito de comportamento estético, no sentido que lhe
atribui o autor, de interrelacionamento entre a natureza e a arte como
demarcando os dois polos do zoológico e do social. Nesse
sentido, Leroi-Gourhan não circunscreve a noção de
belo à emotividade, que no homem é preponderantemente
auditiva e visual, amplia-a em busca de um "código das
emoções estéticas" naquilo que elas têm de
biológico e, portanto, de comum aos seres vivos, tais como, os
sentidos, pois eles permitem a percepção dos valores e
dos ritmos.
Estudando as técnicas de um ponto de vista etnológico, o
autor analisou os meios elementares de ação sobre a
matéria, começando pelos gestos de preensão, que
dizem respeito a relação direta entre a mão e a
matéria, e os de percussão que demarcam o ponto de
encontro do utensílio com a matéria; estudou
também os elementos que prolongam e completam os efeitos
técnicos da mão humana: o fogo, a água e o ar.
Considerando que os utensílios são inseparáveis da
força que os animam, e que são os gestos que constituem a
força motriz, ele analisa os tipos de forças e seus modos
de transmissão. Assim, localiza sete tipos de forças:
muscular humana, muscular animal, o peso, a mola, os movimentos de
fluidos, a expansão de gás e o eletromagnetismo.
A essas sete forças, achamos que deveria ser acrescentada uma
oitava: a "força psíquica", ou seja, a compreensão
multifacetada do caráter dinâmico e fundador da imagem.
Para nós, o ponto de partida para a análise dessa
força é a "imaginação simbólica" e
sua condição de possibilidade: o "ritual" -
intenção, gesto e palavra.
Os biólogos, como Atlan, consideram que o ser humano se inscreve
em uma circularidade ambígua que diz respeito aos processos de
cerebralização onde a "sociogênese dos
homínidas de cerébro cada vez maior, foi o suporte do
desenvolvimento da cultura que criou o nível favorável
para o crescimento do cerébro volumoso e da linguagem articulada
e combinatória; esta, por sua vez, permitiu a divergência
e, mais tarde, a explosão da cultura"(1992:165). A
cerebralização e a cultura são simultaneamente
meio e resultado das complexificações sociais e culturais
em permanente troca adaptativa entre biologia e cultura.
Comentando a obra antropológica de Morin, "O paradigma perdido",
Atlan indica que para aquele autor a circularidade
cerébro-cultura resulta apenas aparente, uma vez que é
subsumida na complexificação e na
auto-organização caracterísitcas do ser vivo e de
seu meio (1992:165). Embora Atlan concorde com a
proposição da complexidade e da
auto-organização, acrescenta que o ganho do processo de
hominização não é tanto relativo a
órgãos ou funções, mas sim de
organização estrutural, traduzida em aptidão para
adquirir. Segundo ele, Morin não considera o papel do aumento da
capacidade de memória que acompanhou o desenvolvimento do
cérebro. Para Atlan, isso é decorrente de Morin
"favorecer os mecanismos da ordem a partir do ruído na
lógica da complexificação, excluindo os mecanismos
de estabilização por replicação –
recarga da redundância" (1992:167).
Atlan argumenta que a linguagem tem dupla relação com a
memória. De um lado, a linguagem para desenvolver-se precisou de
cérebros com maior capacidade de memória, ao mesmo tempo
em que a linguagem é o principal suporte para o aumento das
capacidades de memória da espécie. Além do
quê, prossegue o autor, a linguagem é o campo das
derivações, das metáforas que são
mecanismos que se constituem pela lógica de
reorganização/desorganização e de
integração da ambigüidade. Sendo que, todos esses
aspectos são estruturadores da cognição. O que o
autor quer salientar é a importância da memória na
organização, operando como estabilizadora de
configurações de ordem que pode ser criada a partir de
ruídos. Sem memória, os padrões surgidos se
desvaneceriam no turbilhão de ruídos do ambiente.
Relacionando bipedismo, linguagem articulada combinatória e
comportamento social, Atlan lembra que hoje já se sabe que estas
não são características exclusivas do Homo sapiens,
pois que já existiam antes do cerébro volumoso, por isso
indaga: para que serve o cerébro volumoso? E responde: serve
para o imaginário, a desrazão, o delírio. Todos
uma espécie de conseqüência inelutável de uma
lógica da hipercomplexidade já atuante na
evolução biológica e, depois, na
evolução bio-sócio-cultural que conduziu ao Homo sapiens.
Entretanto, acrecenta: "as manifestações externas de
sonho e de um possível imaginário nos animais
forçam-nos a reconhecer que não é tanto a simples
existência dos sonhos e das associações
imaginárias que caracterizam as aptidões ainda não
realizadas do homem, mas a irrupção do imaginário
em sua cultura e a maneira como ele é vivido nos contextos
bio-sócio-culturais onde o homem se define" (1996:173).
Nesse sentido, Atlan concorda com Morin de que a demência do sapiens,
o delírio e o exagero das não realidades que são a
morte e a imagem, longe de serem defeitos de racionalidade são a
condição mesmo de emergência de racionalidade
(1996:173). Contudo, discorda de Morin, por este conceber que a
natureza imaginária e imaginante do Homo sapiens sejam
decorrentes de relação ambígua e conturbada que se
constitui entre o cerébro humano e o ambiente como resultado das
emergências mágicas, míticas, rituais e
estéticas. Na verdade, diz o autor, é a
consciência, também entendida enquanto
ampliação das capacidades de memória, que permite
ao imaginário irromper na visão do mundo. Conclui que
não é possível, como faz Morin, identificar o
estado de alta complexidade que caracteriza o sapiens, com a irrupção do erro" (1996:173).
Para Atlan, seria no confronto entre a
consciência-mémória e o seu conteúdo que o
imaginário e a ilusão podem aparecer como erros e
ambiguidades. Mas o imaginário não é menos real,
nem tampouco mais erro, do que é a consciência do real. A
consciência-memória permite a superposição
de eventos separados no tempo e, portanto, uma combinação
mais rica dessas superposições. Sendo que é a
experiência da adequação ou
inadequação dessas superposições que se
exprimem no diagnóstico de real ou de imaginário dos
acontecimentos (1996:174), provocando discrepância entre o homem
adaptado e o homem imaginador. Da união entre ambos, surge e
prossegue o movimento de adaptação.
O êxtase, diz Atlan, ilustra bem o exposto, pois seja
ele de caráter místico, estético, erótico
ou psicodélico, a discrepância entre real (leia-se
adaptação) e o imaginário se resolvem. Pois, dada
a forte predominância do imaginário no contexto do
êxtase, seu caráter de ilusão e de erro se
esvanecem. Ao contrário, fora desses estados
extraordinários, o homem, ao mesmo tempo, atribui ao
imaginário uma consistência de erro e de ilusão e
os projeta no ambiente, aumentando sua realidade ilusória ou
atribuindo-lhe o caráter de forças sobrenaturais. Por
isso, prossegue o autor, a irrupção da morte surge ao
mesmo tempo como verdade e ilusão, fruto de uma
consciência dupla, pois a novidade é sempre confrontada
com a consciência, ou seja, a memória possibilitada pelo
aumento do cérebro (1996:175).
Duplos imaginários seriam também, além dos estados
ordinário e extraordinário de consciência, as
imagens e os símbolos. Ao mesmo tempo, seres representados e
expressos na linguagem e no desenho, recursos pelos quais adquirem
existência mental fora de sua presença material. Portanto,
Atlan conclui: "o surgimento do homem imaginário não
está ligado ao do erro. O erro e seu papel organizador sempre
existiram, desde o começo da evolução. O homem
imaginário surgiu ao mesmo tempo que o homem de memória
volumosa"(1996:175). Portanto, não se trata fundamentalmente de
confronto entre verdade e ilusão, pois ambas são
projeções imaginárias que, em função
de adequações e regularidades são chamados de
realidade ou ilusão. Os produtos da mente, tanto quanto a
consciência temporal, são a expressão do aumento de
complexidade, sem o acicate da necessidade, pois os novos
padrões se formam "por formarem-se", no mesmo sentido, lembra
Atlan, que para Piaget o bebê "suga por sugar" (1996:176).
Volta a concordar com Morin sobre o fato de que a linguagem permitiu a
magia, onde a palavra nomeia e invoca a imagem mental, sendo que esse
processo, diz Atlan, não é circunscrito a magia, mas a
"todas as projeções do imaginário no real. Isto
é, em todas as apreensões do real pelo pensamento"
(1996:176). Para ele, o processo de pensamento em qualquer modalidade
– mágica ou científica – é delirante e
se constitui pelo movimento entre memória (estoque de imagens),
processamento ( transformação das imagens) e
projeção de imagens. Argumenta que, se de um lado, as
derivações mitológicas são fontes de
avanço para o sapiens,
não sendo apenas desordem, mas ordem, não só
liberdade mas também restrições, é porque o
imaginário é principalmente memória e
associações que, mesmo livres, são, "no sentido
probabilístico e informacional, restringidas na medida mesmo em
que associam" (1996:176).
Para Gilbert Durand (1997), o imaginário é o conjunto das
imagens e das relações entre imagens que constituem o
capital pensado do Homo sapiens.
Para nós, imaginário é dinâmica: imaginar
é processo cognitivo de selecionar, agrupar e pôr imagens
em movimento (não necessariamente nessa ordem). É
cinemática, dinamismo de potência, condição
de possibilidade, pois cria, inspira, realiza. Entretanto, fios muito
tênues de definição sustentam a noção
de imaginário que dança no mar do espírito feito
água-viva que flutua. De tão escorregadia e
inapreensível, a partir dela, a moderna ciência ocidental
construiu o primeiro fosso, que Durand (1988) chamou de "vitória
dos iconoclastas". Foi a psicanálise, o estruturalismo, a arte
e, atualmente, a física quântica, a bio-química, a
paleo-antropologia e a cibernética, que romperam trilhas e
avançam no resgate da "louca da casa" de seu exílio
esotérico. Como previa Lévi-Strauss (1985), o
"divórcio" entre a ciência e os problemas que ela
pôs de lado, a exemplo das imagens e dos símbolos,
está prestes a superação pela
incorporação das problemáticas que suscitam.
Contudo, respostas totais ou definitivas quem haveria de tê-las?
Mas, parece que não são elas apenas que impulsionam o
desejo. Entre o "cristal e a fumaça" o brilho do vidro e a
imagem da chama fascinam e aquecem. Transformam, adornam, elucidam e
transtornam. Iluminando e obscurecendo o "trajeto antropológico"
que se faz pela incessante troca - entre as subjetivações
e as objetivações - que instituem o homem e o seu meio
(Durand, 1997). No entanto, quais são as possibilidades
metodológicas de apreensão do imaginário? Elas
são tão diversas quanto as perspectivas teóricas
que pretendem elucidá-lo, vão da mitocrítica
às análises psicanalítica, linguística,
histórica, antropológica, entre outras, que possamos
imaginar e objetificar no ato prometéico de "roubar o fogo dos
Deuses". Concordamos que esta é uma saída retórica
que, entretanto, cumpre aqui a função de evidenciar pelo
ocultamento, a necessidade de outros textos que explicitem de
múltiplas formas a amplitude de domínios que a
temática abarca e extravasa. Aliás, é sobre os
limites e os transbordamentos de sentido que o imaginário
investe e multiplica as astúcias.
BIBLIOGRAFIA:
ATLAN, Henri. Entre o cristal e a fumaça: ensaio sobre a organização do ser vivo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992.
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa, Edições 70.
_________________ . O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. São Paulo, Martins Fontes, 1990.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo, Cultrix, 1988.
_____________ . As estruturas antropológicas do imaginário, São Paulo, Martins Fontes, 1997.
DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. São Paulo, Ícone, 1994.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
LEROI_GOURHAN, André. Evolução e técnicas: I – o homem e a matéria, Lisboa, Edições 70, 1984.
_________________ . O gesto e a palavra: I – técnica e linguagem, Lisboa, Edições 70, 1984.
________________ . O gesto e a palavra: II - memória e ritmos. Lisboa, Edições 70, 1987.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa, Edições 70, 1985.
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 1997.
MORIN, Edgar. O método (III): o conhecimento do conhecimento, Lisboa, Publicações Europa-América, 1996.
__________ . O paradigma perdido: a natureza humana. Lisboa, Publicações Europa-América, 1993.
NOTAS
1) Artigo publicado na Presença,
revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente. Porto
Velho, Fundação Universidade Federal de Rondônia.
Ano VI, nº 14, dez, 1998. Volta
2) Doutora em Antropologia Social (USP),
Professora do Departamento de de Sociologia e Filosofia da
Fundação Universidade Federal de
Rondônia. Volta
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