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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário
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Resenhas Biblioteca Entrevistas Primeiras Notas CONSELHO EDITORIAL Arneide Cemin Ednaldo Bezerra Freitas Zairo Carlos da Silva Pinheiro |
Para Platão, lidamos com 'ilusões' e não propriamente
com a coisa "em-si". Vivemos, por conseguinte, imersos num oceano infindo de
imagens onde reina a multiplicidade da aparência, donde a necessidade de
disciplinar-se através do exercício ascético no domínio das paixões. O próprio
Platão nos alerta da necessidade de duvidarmos do mundo para por ele não sermos
enganados. As aparências submetem a vontade às ilusões passionais, desviando-a
do conhecimento do verdadeiro, pela falta deste. O método instaurado por Platão estabelece através
da dialética presente nos diálogos, particularmente no "Fedro", a beleza como
participação do belo em si, o verdadeiro belo. Como atingi-lo? Urge um modelo
discursivo que alavanque na alma do vivente as essências eternas das coisas. A
peregrinação da alma à contemplação das idéias. Platão descreve o percurso da
alma pelo recurso mítico da carruagem, dos cavalos alados e do cocheiro,
representando a razão na sua sublime tarefa de ascender às alturas do
verdadeiro. O que não é fácil, pois é preciso um enorme esforço da razão para
manter a integridade da alma sobre as demais partes que se debatem para
caminhos opostos. O que deve prevalecer é a unidade harmônica da alma a
determinar a boa direção a seguir. O recurso retórico da empresa platônica faz emergir
filósofos soberanos, homens que inspirados pelo verdadeiro saibam como ordenar
a vida aos desígnios das eternas e imutáveis essências (o conhecimento).
Resta-nos saber como Platão revela aos seus interlocutores a inspiração divina
de sua sabedoria. Aliás, como ele nos inspira a também abandonar as imagens e
ascender as essências. O dispositivo retórico visa administrar a alma diante da
instabilidade do devir. O critério norteador é a purificação da alma, que
implica nas reminiscências do vivido, contudo, para além do próprio vivido. Com
isso, o discurso da prática virtuosa é perpassado pela seleção dos
pretendentes. Daí decorre que o ensino só pode ser inscrito na alma que esteja
consciente de sua ignorância. Um percurso que vai do cotidiano, da vida
ordinária da cidade às alturas da eternidade do belo e a ela retorna. Administrar as paixões é critério imprescindível na
tarefa do construtor da igualdade entre os comuns da polis grega. Através da
"alegoria da caverna", Platão nos leva aos domínios das idéias, às luzes das
essências e nos faz reconduzir ao interior da caverna. A peregrinação da alma
ao mundo das idéias possibilita, após o árduo exercício ascético, ao
pretendente exercer o governo da cidade (A República dos sábios). O ideal de
virtude é encarnado nos que governam "ungidos" pela sabedoria do mundo
supraceleste. O exercício das melhores práticas é peça fundamental na concepção
moral platônica que sobrepõe a alma ao corpo; em decorrência disso, tudo abaixo
da esfera celeste deve refletir as essências eternas que não se confundem com
as ilusões dos movimentos passivos do corpo. Há, portanto, uma determinação
superior da alma sobre a "soma", o corpo. Os eleitos a governar são virtuosos
por serem orientados pelas idéias, contemplados pela alma quando esta ascendeu
aos domínios do Belo. Tomado, pois, de arrebatamento divino, o virtuoso age não
em função do próprio interesse, mas, sobretudo, pela igualdade entre aqueles
que lhe são comuns, os cidadãos. É assim que se estabelece o exercício público
no governo da cidade. A transcendência platônica cinge um modelo racional
para conhecer as essências, todavia, a instância do Ser permanece inacessível.
É com relação a este ponto que Platão mais exalta o poder do mundo inteligível.
A perspectiva de sabedoria delineada por Platão nos relembra a necessidade
inerente ao desejo da certeza para a ação. Devemos lembrar que a hesitação nos
caminhos da virtude não são empecilhos ao conhecimento, antes, porém, é
elemento constitutivo da tarefa do filósofo, entendido como amigo da sabedoria.
Uma imagem para o pensamento inaugurada por Platão é a do ideal ascético. O
"governo dos sábios", os "reis-filósofos", distende no movimento do vivido a
soberania do modelo transcendente sobre a imanência das coisas. Considerando a
engenhosidade da teoria das idéias de Platão e sua inesgotável evocação de um
sentido ingênito das idéias na alma, o conceito do belo e de virtude se
expressa sempre na compreensão do verdadeiro como paradigma dialético que supõe
garantir o conhecimento e, portanto, a ordenação das coisas conforme o modelo
eterno das essências. É fazer justiça a Platão elencá-lo como uma das
figuras mais importantes para o pensamento filosófico há aproximadamente dois
mil e quinhentos anos. Platão estabelece a transcendência da alma sobre o
corpo, porém não há como desconsiderar a coexistência de ambos em relação à
vida virtuosa. Há afinidade harmoniosa entre eles na difícil arte de governar a
si e a cidade. Entretanto, Platão nos coloca frente a uma imagem que transcende
o vivido, deslocando a virtude da ação para a contemplação. A partir do
estabelecimento do aparato metodológico platônico define-se os paradigmas que
elevam a alma aos domínios das formas sem que para isso tenha que sair de si
própria. Revela uma inapelável transmigração do entendimento do mundo para a
dimensão do transcendente. Vejamos como em Spinoza o entendimento é a potência
capaz de produzir ações adequadas sem sobrepor a alma ao corpo ou desvalorizar
as paixões e a imaginação.[i] O que tradicionalmente é
entendido por método não dá conta da liberação das potências que afloram nos
seus escritos. A orientação spinozista não comporta contradição nem
contingência, há, sim, autoprodução da Substância que engendra as séries da
convergência e da divergência. Se diz sempre do indivíduo enquanto ação e
paixão. O que está sendo liberado é a constituição da multiplicidade pela
eterna potência de afetar e ser afetado (compor e decompor). Não há como se
falar em identidade do absoluto como sendo produto de um movimento de negação
que se afirma na síntese do "Ser". A ética spinozista, ao contrário da moral ascética
platônica, afirma a unidade da Substância como expressão da necessidade eterna
de produzir a multiplicidade dos infinitos modos existentes. Resgatar a
potência do entendimento contra as superstições teológicas, o "ouvir dizer",
que se estabeleceram como corpo e vontade na vida dos homens. E é pela
afirmação da imanência dos atributos de Deus que Spinoza nos mostra o quanto
permanecem em nós os esquemas ontológicos clássicos. Os atributos da substância una e infinita são o
pensamento e a extensão, as modificações da substância. O corpo (modo da
extensão), materialidade, e a alma (modo do pensamento), as idéias. Os atributos
exprimem a essência da substância - realidade em si e por si - e nenhum resulta
do outro ou de outros; eles são coextensivos, essência da natureza divina. Os modos derivam de Deus, por conseguinte, são
"conseqüência necessária". Pertencem à ordem do causado e não do causante,
portanto, sua essência como sua existência promanam de Deus. Spinoza hierarquiza os graus de percepção de acordo
com a distinção entre eles: pelo "ouvir dizer"; pela simples experiência; o
racional, que diz respeito ao entendimento das causas e das idéias em nós; o
intuitivo, que capta a causa imediata, sua essência. A tradição teológico-metafísica, fundada na imagem
do Deus transcendente, acostumou‑se a tomá-lo como majestoso e glorioso,
e o estendeu ao máximo da incompreensibilidade, e quanto mais contraditório
melhor seriam as provas de seus desígnios e mistérios salvívicos. Tal é a
imagem cunhada pela tradição que nos submete a uma realeza que se glorifica
pela máxima ignorância e miserabilidade (ó, pobres mortais...) Que Deus perfeito
e infinito teria criado um mundo imperfeito e miserável? O mesmo Deus submete o homem à condição de
criatura privilegiada para salvá‑lo dos temores pós-morte. É nesse
aspecto que Spinoza se levanta contra a mola mestra de sustentação dessa imagem
tradicional. O livre‑arbítrio: escolha de uma vontade livre e soberana
entre determinantes (Bem e Mal) e não produção de si mesmo pelo entendimento
das leis necessárias decorrentes da potência divina; vontade livre e soberana,
tal é a imagem que nos amedronta e nos enche de esperança na salvação, pois
Deus sabe de nosso destino e de nosso fim. O pensamento, sendo um atributo de Deus - seus
atributos e seus modos - não há no universo mistérios, milagres, forças ocultas
e fins incompreensíveis; por conseguinte, tal compreensão só pode derivar da
servidão humana, dos seus próprios temores geradores de sua suma ignorância
divina.[ii] A potência só existe em ato, e decorre da
positividade do conatus - potência de agir e de padecer (pela força de
outro corpo). É preciso estar atento para não tomar os efeitos pelas causas.
Quando está em nós a causa de nossa ação, ou quando compreendemos as forças que
nos levam a agir, estamos de acordo com a perfeição divina, expressa na ordem
das coisas, portanto do entendimento de nós mesmos, da natureza e das coisas.
Não há como separar a causa da ação ou da paixão do agente, sendo num grau de
adequação à "beatitude" o domínio daquilo que pensamos e fazemos. "Assim como a
idéia adequada envolve a certeza, a idéia inadequada envolve um ato de vontade
ou afirmação, tão afastada da certeza como a idéia mutilada da idéia completa
[...] Há nas idéias alguma coisa de real que distingue as verdadeiras das
falsas."[iii] Diferentemente das paixões (tristes ou alegres), a
beatitude, ou o "amor intelectual de Deus" - é o estágio no qual a ordem
interna do agir está no mesmo nível da ação expressiva de Deus - natureza que
age pela necessidade intrínseca de se expressar eternamente através de
infinitos modos de uma mesma substância, ato expressivo da imanência divina. Sendo assim, a alma, idéia de si e do corpo (causa
adequada) advém do entendimento da causa que produz a idéia em nós - isto é ser
livre. A perfeição e a imperfeição não decorrem da sensibilidade humana, mas da
origem de onde procedem, em suma, ser virtuoso é entender a causa donde as
coisas procedem. Não podemos tomar o entendimento como originário
alhures ao plano onde se efetua a ação e a paixão. O corpo apaixonado sofre
pela passividade. Já segundo Platão, para agir livremente é preciso seguir a
lei, as formas essenciais, contemplá-las pela faculdade de rememorar. Já para Spinoza agir livremente é selecionar as
séries dos encontros e não obedecê-los por medo e esperança a uma finalidade
preestabelecida fora da ordem dos encontros. É deste modo que Spinoza demonstra
que a ilusão da finalidade é a fonte de todas as outras. Victor Brochard nos
afirma que "para Spinoza o conhecimento é mais que uma intuição. É como que uma
penetração do objeto pelo pensamento."[iv] Em decorrência desta ilusão finalista se atribui ao
devir uma justificação extra-mundo e a conseqüente hierarquização das forças
(díada platônica). Spinoza não desqualifica as paixões tristes, embora veja
nelas desejo de impotência, tristeza e servidão. A apreciação das paixões, da
imaginação, não é feita por Spinoza em prol das essências fora do plano onde os
encontros se efetuam. Como assim? A ordem do entendimento varia em conformidade
com os graus da percepção. A imagem é sempre verdadeira enquanto imagem e é
ilusória em relação a idéia. Daí decorre, Spinoza chamar idéias adequadas as
produzidas pela potência do entendimento e inadequadas quando relacionadas não
a elas próprias mas a outros gêneros de percepção. A ordem do entendimento
varia em conformidade com a adequação das paixões no corpo e as idéias na alma.
Por exemplo: quando nos sentimos vexados por alguma circunstância a sensação
experimentada pela alma se expressa no corpo e vice‑versa, logo, não há
como enxergar na Ética nenhuma hierarquia de princípio que sobreporia as idéias
na alma às sensações no corpo. Ainda no campo dos exemplos: se temos uma visão
do sol na qual ele é coberto pelo dedo polegar, já existe, aí, uma certa
qualidade de percepção e não 'ilusão' em vista a um conhecimento verdadeiro e
eterno do mundo das idéias morais. Mas um certo grau de realidade está presente
na experiência imediata, a qual se refere ainda a uma certa adequação entre a
imaginação do vivente e o objeto observado. Por tomarmos nossas experiências imediatas da vida
pela coisa como ela é, lançamos nosso próprio modo de apreender o objeto
(antropomorfismo ontológico) sem, contudo, dimensionar o dinamismo do mundo
como elemento imprescindível para o entendimento da Natureza. Não há fim algum em Deus, tudo decorre da
Necessidade contínua de criar, ou seja, movimento contínuo de autoprodução sem
que haja finalidade no exercício da vida livre entendida como Acontecimento. A imaginação não é uma fantasia criadora, uma
fábula, uma quimera, mas a própria percepção sensorial e é através dela que nos
lançamos numa interpretação da vida sob a égide do império da superstição e das
paixões tristes, ou seja, tudo aquilo que nos desconecta do que podemos,
enfraquecendo-nos, portanto. Instaurada a utopia platônica, estabelecida está
uma nova casta de homens cuja sabedoria viria do amor apaixonado pela Verdade
(Politéia). Tomar a imaginação como faculdade de representar as
coisas e formar uma idéia a respeito delas, não significa para Spinoza sobrepor
hierarquicamente as idéias na alma e as imagens no corpo. Posto desta forma
objetiva, Spinoza afirma o dinamismo da vida. O Mundo e Deus são dois aspectos
da mesma Substância ou da mesma Natureza. Então, o Deus spinozista não é, em
hipótese nenhuma, um Monarca do universo que por vontade livre engendraria
ordem ao caos dando a ele seu correlato. O empirismo spinozista está
visceralmente vinculado à seleção dos afetos, no que implica necessariamente
dizer na liberdade ou contentamento de si. A ordem necessária dos encontros dos
corpos não obedece aos critérios de um Deus moral, bem como, os princípios
estabelecidos pelas convenções ao alvedrio dos caprichos humanos. Há um salto qualitativo na vontade spinozista, no
qual a paixão de pensar nos lança para a ação de pensar. Podemos dizer, por conseguinte,
que aí se encontra a essência de nossa alma. Afirmar a vida no seu ato contínuo
de atualização das multiplicidades, os infinitos atributos infinitos da
Substância que se expressa por infinitos modos finitos. Não há beleza que não nasça da correta adequação do
que passa no corpo e na alma: sou escravo quando o que me move vem de fora -
"palavras de ordem" - e não pelo adequado exercício da idéia do meu corpo.
Tornar-se livre não é pois uma conquista, um fim fora da ação. A garantia da unidade teológica em Platão visa
sustentar o estado de coisas posto em Atenas coetânea à sua problemática.
Platão advoga a supremacia do mundo inteligível atribuindo a ele o 'reino' das
essências, das idéias morais. Há um subjugamento do mundo sensível em Platão, que
o coloca como objeto da verdadeira ciência, ou seja, das idéias. Em Spinoza, as essências não são separadas, embora
distintas, elas são objetivas, imanentes às conexões que produzem as
multiplicidades existentes. O pensamento adequado do homem é igual ao
pensamento divino na ordem do entendimento. Mantendo, por conseguinte, a
tendência natural e espontânea de conservar-se no seu modo. Spinoza destaca
entre os modos de perceber as idéias adequadas que não incluem a negativação
das paixões, mas dá a elas o estatuto merecido na "Reforma do Entendimento".
Entendimento não significa juízo de verificação da verdade ou da falsidade das
coisas e dos atos humanos, mas decorre da natureza das afecções, dos encontros
dos corpos e das conexões das idéias na
alma. O homem livre não é aquele que obedece a lei externa (mandamentos), mas
aquele que entende a natureza de suas afecções. O belo Spinozista chama-se
entendimento, contentamento de si. Poderíamos falar ao nível político em um Spinoza
contratualista? Num acordo entre homens com o fito de instaurar a integridade
social? Ao contrário desta tese, Spinoza nos situa num contexto político onde a
potência de afirmação da vida leva os homens a verem as vantagens da vida
coletiva e, por conseguinte, não partiram de um contrato que os possibilitassem
escapar ao "estado de natureza". Ou, que transcenda a realidade efetiva da vida
política. Na via oposta dos contratualistas, Spinoza afirma o direito natural
como desejo do homem de se autogovernar e não ser tutelado por mentores da
Sabedoria. Longe das fileiras platônicas, a política
Spinozista nos conduz ao solo da democracia como o regime mais próximo da
liberdade coletiva, ou seja, é possível governar‑se e não ser governado.
A liberdade do sujeito político é exercida pela afirmação do seu "conatus",
potência para o entendimento de si, e o mesmo é elo de ligação entre os demais
sujeitos que constituem uma coletividade. Em decorrência do "conatus",
força de existir e persistir na potência, o sujeito político deve se libertar
das superstições, do medo, que entristecem e alimentam de ódio o sujeito
político coletivo. Em suma, a orientação Spinozista é contra toda
forma de servidão humana que conduza o sujeito humano à ilusão imaginativa de
liberdade. "Se, em todas as circunstâncias, os homens pudessem decidir com segurança, ou se a sorte lhes fosse sempre favorável, jamais seriam vítimas da superstição. Mas como se encontram freqüentemente perante tais dificuldades que não sabem que decisão hão de tomar, e como os incertos benefícios da sorte que desenfreadamente cobiçam os fazem oscilar, a maioria das vezes, entre a esperança e o medo, estão sempre prontos a acreditar seja no que for (...) A que ponto o medo ensandece os homens! O medo é a causa que origina, conserva e alimenta a superstição (...) Não há nada mais eficaz do que a superstição para governar as multidões. Por isso é que estas são levadas, sob a capa de religião, ora a adorar os governantes como se fossem deuses, ora a execrá-los e a detestá-los como se fossem uma peste para todo o gênero humano. Foi, de resto, para prevenir este perigo que houve sempre o cuidado de rodear a religião, fosse ela verdadeira ou falsa, de culto e aparato, de modo a que se revestisse da maior gravidade e fosse escrupulosamente obedecida por todos".(in Tratado teológico-político - Baruch Spinoza )
* Por Valdeci Ribeiro dos Santos, graduado Ciências
Sociais (UFF), especialista em Filosofia Contemporânea (UERJ), mestre em
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP). Professor do Departamento
de Filosofia e Sociologia (UNIR). NOTAS i. Os filósofos concebem as emoções que se
combatem entre si, em nós, como vícios em que os homens caem por erro próprio;
é por isso que se habituaram a ridicularizá‑los, deplorá‑los,
reprová‑los ou, quando querem parecer mais morais, detestá‑los.
Julgam assim agir divinamente e elevar‑se ao pedestal da sabedoria,
prodigalizando toda a espécie de louvores a uma natureza humana que em parte
alguma existe, e atacando através de seus discursos a que realmente existe.
Concebem os homens, efetivamente, não tais como são, mas como eles próprios
gostariam que fossem. Daí, por conseqüência, que quase todos, em vez de uma
Ética, hajam escrito uma sátira, e não tinham sobre Política vistas que possam
ser postas em prática, devendo a Política, tal como a concebem, ser tomada por
Quimera, ou como respeitando ao domínio da Utopia ou da idade do ouro, isto é,
a um tempo em que nenhuma instituição era necessária. Portanto, entre todas as
ciências que têm uma aplicação, é a Política o campo em que a teoria passa por
diferir mais da prática, e não há homens que se pense menos próprios para
governar o Estado do que os teóricos, quer dizer, os filósofos."ESPINOSA,
Tratado político, cap. I, 1, IN Marilena Chauí, Espinosa - uma filosofia da
liberdade, São Paulo, Ed. Moderna, 1995, p. 103. ii.
"Estabeleço em primeiro... que Deus é, absoluta e efetivamente, causa de tudo,
seja o que for, que tem uma essência. Se puderdes demonstrar que o mal, o erro,
o crime, etc., exprimem uma essência, concordarei inteiramente que Deus é causa
dos crimes. do mal, do erro, etc. Creio, porém, ter demonstrado suficientemente
que o que dá forma ao mal, ao erro, ao crime, não consiste em algo que exprima uma essência, pelo que
não se pode dizer que Deus seja causa de tais coisas [...] Tudo que existe flui necessariamente das
leis eternas e dos decretos de Deus e dele dependem continuamente, mas as
coisas diferem mutuamente em grau e essência. Assim, embora o rato como o anjo,
a tristeza como a alegria, dependam de Deus, nem por isso o rato é uma espécie
de anjo e a tristeza uma espécie de alegria." ESPINOZA (citado por Joaquim de
Carvalho), Ética, Lisboa, Ed. Relógio D'água, 1992, pp. 86-87. iii.
VICTOR BROCHARD, Do ERRO, Coimbra, Ed. Atlântida, S.A.R.L., 1971, p. 62. iv. VICTOR BROCHARD, op. cit., p. 10 |
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