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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário
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_______________________________________________________ Crítica cultural feminista: violência,
desenvolvimento e direitos humanos na Amazônia.[1] |
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Resenhas Biblioteca Entrevistas Primeiras Notas CONSELHO EDITORIAL Arneide Cemin Ednaldo Bezerra Freitas Valdir Aparecido de Souza |
Começo
pela abordagem antropológica de crítica ao evolucionismo
cultural propondo a partir desse dispositivo à “transformação dos valores” instituídos
acerca das populações amazônicas e do gênero feminino, ambos desvalorizados
pela “cultura ocidental”. Cultura que modela o continente Latino-americano e à
Amazônia pela expansão imperialista das potências européias sucessivas:
Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda, França, e, particularmente nos
pós-guerras mundiais, pelos Estados Unidos da América do Norte. As populações indígenas e ribeirinhas da Amazônia
são expropriadas e subjugadas como inferiores pelo fato de serem detentoras de
outra verdade sobre a possibilidade do humano, pois negam a lógica da
mercadoria privilegiando a dádiva dos humanos entre si, dos humanos com as
divindades e com a natureza. Compreendem que o um sem o múltiplo é perigoso, e
que a inteligência é um fenômeno da vida em geral e não apenas prerrogativa do
humano, orientando-se, portanto por lógica oposta ao fundamentalismo monoteísta
econômico, político-religioso e científico. A
“transformação” que propomos é a de
considerar que
a população amazônica é detentora de um modo
de vida que instituiu valores que
devem constituir o patrimônio cultural da humanidade no mesmo
patamar de
qualidade e prestígio que atribuímos ao melhor de nossa
cultura ética,
estética, filosófica e científica. No mesmo
sentido propomos um tipo de “transvaloração”
dos valores produzidos em torno do sexo feminino invertendo a
distorção
ideológica que desqualifica o feminino, afastando as mulheres
das posições de
comando e liderança seja no campo do sagrado como oficiantes de
cultos; seja na
política, na economia, na cátedra e nos ofícios
liberais. Propomos o
reconhecimento da mulher como o bem mais precioso de toda e qualquer
sociedade
em decorrência de sua capacidade de reprodução
biológica, força de trabalho e
potencial erótico, ético e estético. A política do Estado brasileiro tem sido
historicamente contrária aos interesses de mulheres, índios e
camponeses. A violência contra essas categorias no Brasil e na Amazônia tem
sido a marca da colonização antiga e moderna prolongando-se na atualidade, o
que explica o fato de que frente à reivindicação política do movimento de
mulheres pelo fim das guerras imperialistas e pelo fim da expropriação
capitalista (nas quais elas são as primeiras vítimas, juntamente com suas
crianças); o Estado responde com a força policial a exemplo do que ocorreu na Avenida
Paulista, Interessa
destacar a colonização do imaginário que se efetua no cotidiano, seja pelo
controle ideológico através dos meios de comunicação, ou das intervenções de
“ajuda” ao “desenvolvimento”, ou do obscurantismo religioso dos
neofundamentalismos que erigem a figura do demônio como fator de educação das
massas tornando-as dóceis, hoje como ontem, à expropriação e subjugação. Ao
longo das sucessivas expansões imperialistas a
Amazônia e sua população vêm sendo alvo de
extermínio, exploração e sujeição.
As populações de índios e ribeirinhos vêem
sendo espoliadas sob a justificativa
do desenvolvimento para isso são equiparadas a monstruosidades e
relegadas à
esfera da infra-humanidade. Entretanto, os planos de desenvolvimento
vêem se
constituindo historicamente como “dádivas-veneno” a
essa mesma população, pois
ao desorganizar seus modos de vida, retirando-lhes a territorialidade,
alterando
a lógica de sua organização social, baseada no
parentesco e na reciprocidade,
condena essa população à condição de
miséria nas periferias urbanas e rurais. Do mesmo modo, a condição feminina é representada e
efetivada como subalterna, as capacidades das mulheres como doadora de vida
tanto no plano econômico, por sua força de trabalho; quanto no plano da direção
da administração pública, por suas capacidades cognitivas; são tuteladas,
subalternizadas e subjugadas. Sua capacidade erótica e também procriativa é vilipendiada,
coisificada e culpabilizada através da representação reduzida da mulher apenas
como esposa, mãe ou prostituta; e da construção social da “família
desestruturada”. Estas práticas obscurecem
a desigualdade étnica e de classe social que pauta as relações sociais no
Brasil, inicialmente com a escravização de africanos e indígenas,
prolongando-se depois na proletarização miserável de seus descendentes, e o
modo como esse processo vem reproduzindo a miséria de suas condições de vida. Diante do avanço de novas frentes de expansão do
imperialismo capitalista sobre a Amazônia, que abrange desde a construção de
grandes projetos de infra-estrutura, dos quais as hidrelétricas projetadas para
o Rio Madeira são apenas um dentre muitos; passando pela liberação de
empréstimos do Banco Mundial para a expansão da pecuária na Amazônia, do
interesse Norte Americano no biodiesel a partir da cana-de-açúcar (sem redução
das tarifas protecionistas que os favorece), a expansão da soja, e a
biotecnologia de modificação de grãos que se realiza a favor do grande capital
nacional e multinacional e contra o campesinato, secularmente detentor dos
processos de seleção de suas próprias sementes. Somados todos estes fatores,
acreditamos que a implementação histórica da expansão imperialista tem como
fundamento à negação de Direitos Humanos em escala global, onde às populações
da Amazônia, e nela a mulher hierarquicamente inferiorizada, arcam com o ônus
da desagregação social dos seus modos de vida ancestrais. Cultura,
educação, direitos humanos. Se o
humano se define como ser produtor de cultura devido à função simbólica que
especifica a nossa espécie, o próprio humano é especificado pela multiplicidade
de aspectos da função simbólica, que é a função de construir significados
afetivos, intelectuais e funcionais; ou seja, a função de criar a cultura.
Assim temos os diversos Homos em disputa: sapiens sapiens (Intelecto); habilis (Faber); laborans (Labor); ludens (jogo,
prazer, brincadeira, afeto); politicus; religiosus ; economicus; estheticus; violens; sexualis; sapiens-demens. O
conceito positivista de cultura é delimitado, pois procura disposições
psicológicas e comportamentais fixas e considera a identidade e o modo de vida,
como estáticos, no que concerne às pessoas e aos grupos. Em termos
antropológicos modernos, a cultura e a identidade são entendidas como algo em
contínuo processo de produção, mais ainda pelo fato de que todos estão expostos
à multiplicidade de imagens e de modos de vidas que aceleram as metamorfoses de
estilos. Além disso, cultura e identidade são fenômenos multidimensionais
porque se constroem com referência a múltiplos significados e vinculações:
etnia, gênero, língua, religião, economia, lazer e etnoconhecimentos diversos:
cosmologias, medicinas, direitos. As
culturas são diversas e dinâmicas, mas também a cultura só existe enquanto
permanência e transmissão; implicando em processos educativos, processos de
socialização que extravasam a cultura escolar e se disseminam por todas as
instâncias sociais desde as mais formalizadas, como é o caso do nosso sistema
jurídico, até a conversa de botequim, de mercado, de alcova. Podemos
dizer que a educação tem a função antropológica de “fundar a humanidade”, visto
que o humano se define menos por sua natureza, altamente plástica, moldável e
mais pelo ambiente social que é intrinsecamente histórico, transformável pela
ação humana. Portanto o humano se constrói e reconstrói na temporalidade das
relações sociais. O
verdadeiramente humano do período clássico grego-romano era o aristocrata (o
escravo era um animal falante) situação que se prolonga por toda a Idade Média.
No século XVIII, com a Revolução Francesa, a democracia que se estende aos
homens, excluiu as mulheres, e conteve o impulso revolucionário do
proletariado, de tal modo que o século XIX evidenciou a questão operária e à
questão da mulher. Dois
séculos depois da Revolução Francesa, o mundo assiste de modo mais ou menos
natural o extermínio de judeus, homossexuais, intelectuais e opositores ao regime,
uns e outros, no Nazismo e/ou na União Soviética;;bem como, o bombardeio
nuclear das cidades japonesas, pelos EUA. É neste solo de horror que se dá a
passagem dos Direitos do homem e do cidadão (1789/Revolução Francesa) à
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948/ONU). Discurso
colonialista ou avanço democrático, civilizatório? A
definição de humano, cultura e direito constitui campo de luta política,
portanto implica na questão do poder civil e do Estado. Ao mesmo tempo, os
humanos vivem na doxa, envolvidos pela opinião que seu ambiente social
tem do mundo e por isso as tensões permanentes entre o universal e o particular:
os direitos humanos universais e a liberdade necessária à diversidade cultural.
O
poder se estabelece não só por coação física, mas também por recursos
simbólicos, entre eles a matriz discursiva (discurso que dá origem a
discursos). Daí que os Direitos Humanos vem sendo interpretado junto com a
noção de desenvolvimento como avanço, mas também como discurso que visa
domesticar os povos do chamado mundo subdesenvolvido. A
vertente crítica aponta a função classificatória dessas noções que tipificam as nações
como desenvolvida, subdesenvolvida e em – desenvolvimento; e por outro lado,
nações que respeitam e as que não respeitam os Direitos Humanos. As matrizes
discursivas do Desenvolvimento e dos Direitos Humanos têm sido vistas também
como uma variedade do discurso colonialista ou como um sistema de crenças a
serviço do expansionismo civilizatório europeu e norte-americano, um slogan
mobilizador e messiânico. Uma ideologia (interpretação do passado) e utopia
(interpretação do futuro) enquanto campo semântico em disputa pela hegemonia
dos povos. No
caso do Brasil, uma confluência vem sendo indicada como perversa, o fato de que
os agentes políticos situados no campo do neo-liberalismo e os que lutam pela
ampliação do campo democrático concordarem com a exigência de uma sociedade
civil ativa e propositiva, colocando o risco de democratas estarem a serviço
dos liberais. Os
antropólogos também se dividem entre os que denunciam as noções de
desenvolvimento e de direitos universais como etnocêntricas, por suas
pretensões universalistas ao tempo que sua matriz é ocidental e os que entendem
que são noções importantes para o avanço das lutas democráticas e
civilizatórias. A
questão quanto aos Direitos Humanos é a que mais mobiliza a tensão entre o
universal e o particular. A idéia de um “tribunal além das culturas” pode
receber duas respostas contrárias: positiva, porque permite coibir o abuso de
poder; e negativa porque é preciso levar em conta a diversidade das culturas e
as relações de poder. A “culturalização” universalizante da violência, do
preconceito e do sofrimento não é a solução porque em abstrato não significam
nada, visto que sua definição e aceitação dependem de complexa relação entre
cultura e poder. Reconhecer
a matriz ocidental do discurso dos Direitos Humanos não impede que ele seja
apropriado como instrumento de expansão da democracia como também não
impossibilita que se perceba e mesmo se denuncie os momentos em que em nome dos
Direitos Humanos práticas abusivas sejam cometidas (EUA/Iraque e bandidos RJ).
Pode se construir concordância acerca de alguns limites a exemplo do genocídio,
do etnocídio, da tortura. Exigindo ao mesmo tempo que a noção seja
contextualizada ou seja, propõem-se o “universalismo
heteroglóssico” (composto por vozes distintas). Direitos
humanos, cultura, políticas públicas e poder local. Pensar
o global e agir no local é fórmula talvez mais conhecida que praticada. De
qualquer modo, resulta de movimentos pela concretização dos direitos. Nesse
sentido o poder local é cada vez mais entendido como fundamental para o
desenvolvimento e a efetivação de direitos, conforme o que preconiza a Agenda
21- Local e o Habitat II. O
poder local é a configuração do poder comunitário organizado. Requer
descentralização para as atividades de definição, fiscalização e planejamento
de políticas públicas. Para tanto as comunidades precisam de capacitação,
financiamento e fortalecimento institucional. Desse modo o poder local pode
atuar como parceiro da comunidade internacional articulando a cooperação entre
governos, cidades, município, vilarejos, tribos. Pode também revitalizar e
mesmo regenerar a administração pública se primar pela gestão responsável,
transparente e participativa. O
poder local pode efetivar a democracia e o desenvolvimento sustentável,
articulando educação, política, economia, legislação e sociabilidade.
Entretanto a política pública de Direitos Humanos não pode ser mais uma
política setorial, cabe-lhe o papel de articular as políticas setoriais.
Atender a demanda das diferenças específicas: de classe, étnica, de idade e de
gênero, por exemplo. Ao
reconhecer as diferenças de interesses, as políticas públicas de Direitos
Humanos nas esferas estadual e municipal podem e devem ampliar a esfera pública
democrática atuando de diferentes modos: capacitando professores, instituindo
conselhos, inclusive de direitos humanos; usando e promovendo as mídias quanto
aos temas de interesse, divulgando ou criando mídias comunitárias, formando
agentes e monitores Outro
campo de atuação diz respeito a serviços a órgãos estaduais e municipais de
promoção de políticas públicas de Direitos Humanos são as ouvidorias, os
conselhos, a assistência jurídica, defesa do consumidor, comissões para a
mediação de conflitos, ações de solidariedade, legislativo; implementando o
programa local de Direitos Humanos através da Agenda 21 Local, Agenda Habitat
Local e Desenvolvimento Sustentável Local. Neste sentido, o local não deve ser
sinônimo de isolamento nem de autoritarismo provinciano, mas plataforma de articulação
entre a democracia representativa e a democracia participativa visando ampliar
a liberdade cultural e o direito à civilização em contexto de desenvolvimento
humano assegurado e ampliado o mais possível. Isto requer dinâmicas culturais
múltiplas, processos educativos diversos e permanentes. Bibliografia ARENDT,
H. Sobre a violência. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1994. BALANDIER, Georges. Antropo-lógicas. São Paulo, Cultrix, 1976. BOURDIEU,
Pierre. A dominação masculina. Rio de
Janeiro, Bertrand Russel, 1999. GROSSI, Miriam
Pillar. A questão do Masculino e do Feminino para a transformação das
relações na sala de aula. O masculino e o feminino na educação.
In: GROSSI, Éster Pillar e BORDIN,
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Arneide Bandeira, Camila Alessandra Scarabel, Maria de Fátima Batista de
Souza, Silvanio de Matia Gomes, SOUZA, Clícia Henriques.Gênero, Violência, imaginários, feminismos e
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Claude. As estruturas elementares do
parentesco. Petrópolis, Vozes, 1982. MAFFESSOLI,
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entre os pobres urbanos. São Paulo, Caderno de Pesquisa, n. 82, p.37-41,
ago. 1992. WOLFF, Cristina Scheibe. Mulheres da Floresta: uma história, Alto Juruá, Acre (1890-1945). São Paulo, Hucitec, 1999. Notas
[1] Texto elaborado para o II Seminário Estadual de Direitos Humanos (RO) e para o II Congresso: Educação, Cidadania e Democracia. Humaitá (AM), UFAM, 2010. [2]
Antropóloga, professora do Departamento de Ciências Sociais e do Mestrado |
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