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Labirinto - Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário

  

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TRANSFORMANDO A FRONTEIRA:

Território Federal do Guaporé - Representação do espaço e discurso das elites na Imprensa (1950-1954)
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Primeiras Notas






CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Valdir Aparecido de Souza

  

Vinicius Valentin Raduan Miguel[1]

Sari Possari dos Santos[2]

Resumo:

A pesquisa retoma a década de 1950, época marcada pela ascensão de uma nova classe dominante nacional, a burguesia industrial. Trata-se de um período de disputa de privilégios entre o tradicional e fragilizado setor agrário-exportador e a nova proposta econômica baseada na industrialização do sudeste do país. Longe dos grandes centros econômicos e políticos e dentro deste debate estava a Amazônia, alvo da cobiça desses distintos grupos e de seus antagônicos projetos de desenvolvimento econômico nacional. Oferecemos aqui uma análise da Amazônia a partir dos discursos das elites regionais demonstrando como estes grupos representavam a região na esfera local, repercutindo na esfera nacional e, deste modo, transformando a fronteira.

Palavras-chave: Fronteira Amazônica; Estado; Desenvolvimento; Discurso; Hegemonia

Abstract: The research focuses at 1950’s, a period when a new dominant class, the south industrial bourgeoisie was obtaining relevance. It was a time of disputes amongst the traditional and weakened agro-exporter sector and the new economic project based on the industrialisation of Brazil. Faraway from the political and economic centre of the country, was situated the Amazon region, ambitioned by these distinct groups and its antagonistic views on national economic development. It is offered an analysis of the Amazon region from within the elites’ discourses, showing how these groups represented the province in the regional and national spheres, therefore, transforming the national boundaries.

Key words: Amazon borders; State; Development; Discourse; Hegemony

Introdução

Este trabalho é uma tentativa de análise das representações do espaço/região nos discursos das elites[3] da Fronteira Amazônica na década de 1950. A proposta consiste em apresentar a maneira como as classes sociais dominantes no Território Federal do Guaporé, atual estado de Rondônia, representaram à região, tendo como base os discursos encontrados no jornal “Alto Madeira”[4]. Para coleta/interpretação dos dados adotamos duas metodologias complementares, a análise de conteúdo e análise do discurso.

No caso em apreço, consideramos que o espaço delineou a paisagem política assim como o ambiente traçou os limites para a prática discursiva, que “representou” a região para seus benefícios. Como expresso nas bases da filosofia do trabalho marxista, o espaço físico toma existência a partir da ação humana e a natureza ganha forma sendo manipulada (materialmente e discursivamente) pelo homem (ENGELS, 1979, 2009; MARX, 1984, 2005). Neste trabalho, fica evidente o processo de “transformação” ou manipulação discursiva da natureza (a “Amazônia”) no sentido de mutação, de conversão em algo ameaçador e vulnerável, requerendo a intervenção estatal para conter a fúria da região e protege-la das intimidações de um inimigo invisível.

A história demonstra que o espaço não é neutro[5], no sentido de a-político, mas ao contrário, é politicamente carregado sendo interpretado pelo Estado e classes em dominância, mobilizando esforços e imprimindo uma marca social no espaço físico. A organização dos espaços é, simultaneamente, reorganização física e social, implicando na distribuição não apenas de espaço, mas de poder. O próprio espaço materializa uma prévia equação de poder em que um grupo dominante foi definido como capaz de estruturar concretamente/materialmente e abstratamente/simbolicamente um território (RAFFESTIN, 1984).

Partimos do pressuposto de que se há uma geografia do poder, há o poder da geografia. O saber científico, desde a revolução industrial, ganhou a prerrogativa de ser a última instância entre todos os saberes existentes, tendo a capacidade de ser resolutivo; a última voz a ser emitida sobre um dado tema. O discurso científico e sua casta de profissionais exercitam, com base nesse privilégio, poder sobre os outros saberes, marginalizados e suprimidos. A ciência é fetichizada, ganhando aspectos supranaturais e não sendo percebida como um corpo coerente de argumentos arbitrários (FOUCAULT, 1971). Durkheim (1994) afirma que a ciência recebe uma forma de autoridade social; sendo harmonizada e aceita como parte capaz de ofertar entendimento para uma sociedade. Bourdieu (2000) completa essa interpretação através da aplicação do conceito de poder simbólico descrito como um efeito ideológico do conhecimento, impondo sistemas de classificação política/arbitrária sob outra taxonomia qualquer – seja filosófica, jurídica, religiosa, etc. – que substituem de forma irreconhecível as relações de força, tornando-o “legítimo”, aceitável. Destarte, consideramos que a geografia não deve ser tida como uma ciência descritiva de uma realidade natural, pois como prática discursiva e com seu corpus argumentativo, manufatura a realidade social e mais: cria e permite a ocupação de espaços.

A criação de fronteira é um processo de regulação e gestão da população e território realizado para incrementar os sistemas de controle definindo quem é o “estrangeiro”, geralmente percebido como uma ameaça, um perigo, definido de acordo com uma lógica arbitrária, nomeando e excluindo (MIGUEL, 2008). Portanto, a fronteira não tem uma existência fática, mas é resultado de construção política (VELHO, 1979). A geografia política, nesse sentido, define essas fronteiras, definindo quem é o “nacional”, construindo a pátria, e quem é o estrangeiro/ameaça, sendo, acima de tudo, uma técnica de governabilidade e um discurso constitutivo das entidades político-territoriais (FOUCAULT, 1971; LACOSTE, 1976).

Dentro destes marcos, as representações do espaço amazônico só podem ser apreendidas se observadas enquanto parte dos signos integrantes de um imaginário social determinado. Como demonstraremos, no período em estudo as elites locais tentavam transformar o signo amazônico carregando-o politicamente de uma significação negativa: como (i) espaço ameaçado e (ii) solução para os problemas da industrialização nacional. Usando da fronteira como territorialidade/identidade, a elite local se constituía enquanto uma classe para si contra outras elites nacionais.  Ambicionando transformar o espaço para então transformarem o espaço físico e, com estas transformações simbólicas e, posteriormente, físicas, obterem privilégios de ordem política e econômica.

 

Elite local e hegemonia[6] fragmentada

Os grupos sociais que constituíam a elite rondoniense na década de 1950 estavam vinculados à produção e comercialização da borracha regional, marcada por um breve momento de crescimento econômico durante a Segunda Guerra Mundial, quando a ocupação dos seringais da Malásia por tropas japonesas, impediram o fornecimento do látex às indústrias norte-americanas. O imediato encerramento da Guerra e a conseqüente desocupação dos seringais asiáticos provocaram a estagnação da produção amazônica que se mostrou incapaz de concorrer no mercado internacional com a heveicultura asiática e a nova fonte alternativa do látex, a borracha sintética.

Na tentativa de encontrarem oportunidades políticas e econômicas que garantissem sua permanência enquanto classe dominante, os grupos regionais traçaram as seguintes estratégias: (i) reforçar a idéia da fronteira como um “espaço vazio” e “politicamente perigoso” (BRITO, 2000) e, aproveitando-se da atmosfera de industrialização, (ii) apresentar a região amazônica como possível fornecedora de matérias-primas, agora não mais para a exportação, mas destinadas à incrementar a incipiente produção industrial nacional.

Com a representação da região como isolada, pretende-se, então, integrar a região com a abertura de estradas. As rodovias estrategicamente permitiriam o avanço de ondas migratórias, possibilitando a colonização e ocupação da área e, ao mesmo tempo, o escoamento da produção local (BECKER, 2001). Essa “integração nacional” conjugada com o “desenvolvimento regional” foi resultado de uma mobilização política, que permitiu a canalização de recursos estatais, fomentando a economia local.

Destarte, nesse contexto em que “governar era abrir estradas”, no final dos anos 1950, o representante do Governo Territorial apresentou ao presidente Juscelino Kubitschek o plano de uma nova rodovia, o outro braço da cruz, formada pelas estradas que ligavam a nova capital federal aos extremos do Brasil (LEAL, 1984). Contudo, iniciativas para abertura da BR-029 (atual BR-364) já se faziam presentes desde 1945, quando o tenente-coronel Aluízio Ferreira, na ocasião governador do Guaporé, criou a 2ª Companhia Independente, com o intento de estabelecer uma via de acesso sobre os rastros da linha telegráfica criada pelo Marechal Rondon (SILVA, 1984).

Mas como a elite local se organizou para pleitear benefícios diante da União/governo central? Os grupos locais foram hábeis em organizar-se em diversos aparelhos privados de hegemonia[7] como associações patronais, partidos políticos, sindicatos e mesmo organismos aparentemente não-políticos tal qual associações beneficentes e clubes desportivos, totalizando 99 instituições, algumas com atuação além dos limites do Território Federal[8]. Integrantes da outrora economicamente influente classe dominante, uma vez solidificando seu prestígio na sociedade civil e disseminando sua hegemonia, tomavam parcialmente estruturas governamentais e lá usavam seus postos para obtenção e distribuição de privilégios (MIGUEL, 2008; SANTOS, 2008; 2009). O que se via era a interferência da sociedade civil no aparelho de governo para direcionar a ação pública deste em favor da primeira.

O Estado foi alargado através da criação de novas agências públicas, como o Banco de Crédito da Amazônia (BCA) e a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, (SPVEA)[9], agências surgidas em decorrência da provocação das classes dirigentes amazônicas e que serviam como novos espaços em que agentes regionais puderam se re-inserir. O Estado era progressivamente redefinido pelos grupos hegemônicos e, cada vez mais, expandido de modo a intervir na economia regional e “desenvolver” a Amazônia, até então, “legada ao esquecimento”, segundo as representações dos discursos hegemônicos locais. Da crise de hegemonia em que se colocava o setor agroexportador, ou uma hegemonia fragmentada em conseqüência da crise econômica de 1930, a fronteira é moldada. O mundo social começa a ser transformado mais uma vez.

 

Representando o Espaço Amazônico

A fronteira, enquanto limite territorial do Estado-Nação, não é apenas um dado físico, mas essencialmente social e, sendo um artefato cultural, é representativo da sociedade que a envolve. Faz parte do imaginário social[10], do conjunto de símbolos da cultura local e nacional, permitindo a inteligibilidade para os seus integrantes. Sua criação é “manufaturada” na interação social, tecida entre os grupos sociais, em uma influência mútua, e adquire uma existência em particular. Os discursos não se reduzem em práticas analíticas e descritivas da realidade física. Mais do que mero ato narrativo, a ação discursiva permite refazer a realidade. O discurso/linguagem/ato de fala contém (embora ideologicamente camuflados) interesses de um determinado grupo social que aspira a predominância sobre outros fazendo com que o seu símbolo/signo seja aceito como o “verdadeiro” (BAKHTIN, 2006; BOURDIEU, 1992). A Fronteira Amazônica, desta forma, é transformada em signo, unidade manipulável para a representação, não automático, mas de consenso introduzido socialmente. O discurso proferido sobre a região é marcado por um horizonte social, uma posição de classe/grupo social determinado.

Na década de 1950, pela primeira vez a população urbana superava a rural; fato estimulado pelo Estado via incentivos fiscais, econômicos e creditícios. Mas o avanço da hegemonia política industrial não se consolidou com a eliminação das classes vinculadas a produção rural, de forma que estas últimas ainda mantiveram certa capacidade de manobra, tentando, a todo custo, sobreviver enquanto classe. A Amazônia, periferia do desenvolvimento capitalista no país, é palco desta luta. Esta região, apreendida enquanto signo dualístico reproduzia o equilíbrio instável entre as posições das classes dominantes que aspiravam à hegemonia. Do embate entre grupos nacionais vinculados à indústria e as classes proprietárias rurais, as elites amazônicas tentam se desvincular da imagem de região exportadora.

Agora, a produção da fronteira serviria ao imperativo nacionalista de desenvolver o capitalismo industrial brasileiro. As falas das elites locais incorporam e recriam o nacionalismo e o desenvolvimentismo, tanto apresentando a região como “brasileira” e ameaçada por forças estrangeiras, como requerendo os benefícios da atuação dos aparelhos de governo para promover e dinamizar a economia regional. Nesse sentido, a primeira representação do Território Federal do Guaporé, no período delimitado para estudo, é no aniversário de seis anos da criação do Território e descreve a população como “abandonada de qualquer assistência do poder público”, mas “apta á integração das faixas de fronteira na órbita dos interesses da defesa nacional”[11]. Trata-se de uma Amazônia fornecedora de matérias-primas “essenciais ao maior desenvolvimento da nação”[12] e, em paralelo, de autonomia econômica, que atua como substrato do nacionalismo varguista da época, como pode ser observado em matéria de comemoração pelo 69º aniversário do presidente Getúlio Vargas. Nesta ocasião, as classes dominantes aproveitaram para promover diversas comemorações, exaltando a figura do presidente enquanto responsável pela criação do Território Federal e emancipação de sua população, antes “mergulhados num indiferente olvido”.

[A] ação patriótica do Sr. Getulio Vargas que sentiu e observou em sua visita a este Território, as grandes possibilidades que oferecia esta região, tão brasileira como as que demais o sejam, pela exuberância de suas terras e como centro produtor por excelência, verificando a necessidade do aproveitamento dessas riquesas de tanta utilidade para a vida da nação e para suprir suas deficiências econômicas, e hoje, si o Guaporé não é a locomotiva que arrasta a composição nacional, é no entanto, um dos wagons que transporta os elementos básicos para a formação e fomentação de uma das maiores industrias do Paiz (sic).[13]

O texto demonstra a representação da Amazônia que embora produzindo “elementos básicos”, estes contribuíam para a “formação e fomentação” do setor industrial do país. Ao mesmo tempo, enfatizava-se que a região também despertava “a cobiça do extrangeiro”, ambiciosos por “esta faixa de terra que constitue um patrimônio fértil de riquezas inexploradas e uma fonte de recursos inexgotaveis á grandesa nacional (sic)[14]”.

Arthur César Ferreira Reis[15] apresenta descrições valiosas sobre o assunto. Ao ser nomeado para o cargo de superintendente da SPVEA em 1953, prometeu cercar-se de funcionários vindos da própria região[16] e ao discursar na Câmara dos Deputados por ocasião de sua posse, condenou o país pelo “grande pecado de haver lançado a Amazônia ao abandono”, fazendo apelos nacionalistas, querendo “demonstrar ao mundo” que o “colonialismo” já foi deixado[17]. Em suas falas, Reis apresenta um projeto para internalizar as decisões na própria Amazônia, fazendo referência a uma auto-suficiência regional como prova da “brasilidade” e teste de capacidade do brasileiro em geral. O postulado da Amazônia enquanto região negligenciada pelo Poder Público é também central nos seus discursos para a imprensa regional, como se vê a seguir[18]:

Nossas populações amazônicas vivem ao Deus dará, desassistidas em tudo, lutando contra os obstáculos criados pela natureza selvagem. (...) A nossa participação na conjuntura econômica é ainda participação de grupos submetidos a processos de trabalho rotineiros que encarecem e desqualificam a produção (...) (REIS, 1953, p. 1; ver nota de rodapé anterior).

Sua fala demonstra a perspectiva das elites intelectuais e econômicas da região. É dele o constante apelo nacionalista, ou, em suas palavras, a necessidade de empenho “de alto sentido cívico e de alto conteúdo civilizador que exige sacrifícios [e] sentimento de brasilidade”[19]. Na ocasião de sua visita ao Território, em agosto de 1953, Reis se reuniu com políticos locais e a elite do Guaporé – a Associação Comercial e a Associação dos Seringalistas. Dos relatos desta reunião, podemos extrair a descrição da Amazônia feita pelo então governador do Território Federal do Guaporé, Jesus Burlamaqui Hosannah. Para ele a região era uma das “mais singulares dentro da espetacular singularidade da Amazônia”, “uma região excêntrica”, resultado de um processo de ocupação apressado e não sistematizado, necessitando de planejamento e ordenamento do poder estatal para melhor uso do “Território de riquezas latentes, que se dizem imensas, da vasta região deste planalto”[20].

Finalmente, em 1954, a representação do espaço amazônico encontrou eco em Getúlio Vargas, então Presidente da República, que atendendo a convite de Arthur César Ferreira Reis[21], visita a região, onde pronunciou o discurso que se segue:

A Amazônia já não é para nós apenas a gigantesca floresta adormecida, a selva inviolada, densa de mistério e de perigos traiçoeiros, onde as forças da natureza ainda parecem tumultuadas (...). Já não a consideramos como uma portentosa expressão geográfica, ou um Eldorado fabuloso cujas promessas ilusórias se desfazem na inconsistência das miragens, e sim como a imensa base física onde a vossa gente erguerá uma civilização de paz e de trabalho recompensador. (...) [P]odemos vislumbrar, na distancia dos tempos, a Amazônia sonhada pelo nosso patriotismo. (...) Haveremos de ver a Amazônia não como o inferno verde das figurações literárias e de curiosidade turística, mas como um elemento atuante, uma célula criadora, integrada em toda a plenitude dos seus inesgotáveis recursos na vida da Nação. (...) Promovendo a redenção econômica do nosso imenso potencial de riquezas (...) (VARGAS, 1954, p. 1[22]).

A fala de Vargas corrobora o padrão presente nos outros atores políticos já descritos, apresentando uma Amazônia de vastidão sem medida, de inúmeras possibilidades e riscos, de prósperas terras que podem contribuir para a constituição da Nação, oferecendo necessárias riquezas e testando o próprio homem, tanto da região como o brasileiro. O discurso se articula com a representação de uma região ameaçada pelo espectro soviético e, contra o qual, o desenvolvimento econômico é estratégia de contenção. O Programa Ponto 4 de Truman, presidente dos Estados Unidos da América (EUA), passa a ser propagandeado e desejado. Mas para receber as dádivas dos EUA era preciso que a região fosse um signo de algo valioso a ser perdido. São reiteradas matérias que descrevem a região como subdesenvolvida e, ato contínuo, o capital internacional como “uma necessidade” para superação da atual condição[23].

Um exemplo da representação do espaço amazônico, enquanto área sob ameaça foi feita por Ênio Pinheiro, futuro Governador do Território, em sua posse como diretor da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1953. Ele aponta que a região “constitui um dos pontos mais sensíveis da vasta fronteira ocidental do Brasil” e, no entanto, é “de grande valor econômico e estratégico”[24]. Em 1954, Ênio Pinheiro, já governador do Território Federal, retrata a região como promissora, podendo muito “oferecer das variadas e vultosas riquezas que possue nos seus gigantescos mananciais – as florestas, a borracha, a agricultura, a castanha e os minerais do seu pontentoso sub-solo (sic)[25]”.

Há uma evidente contradição na retórica nacionalista. Embora se fale em internalização das decisões, autonomia econômica e no desenvolvimento da economia nacional, são evidentes a dependência de outras matérias-primas além da borracha para a produção de pneus (principal produto industrializado a partir do látex) como aço, arame, cobre, enxofre e outros produtos químicos. Todas estas outras matérias eram importadas, apesar da eloqüência contrária ao capital internacional. A falta destes produtos de origem estrangeira quase provocou uma crise, estancando o consumo do látex em decorrência da ausência de condições para manufaturar os pneumáticos[26]. O estranho nacionalismo[27] é particular do momento de equilíbrio instável entre as classes sociais, em que frações das classes dominantes ainda disputam a hegemonia.

E assim se transformou a fronteira: a partir de sua representação orquestrada pelas elites locais e nacionais. Nesta dinâmica, o espaço amazônico foi representado como repleto de riquezas, ostentando opulências que estariam apenas aguardando a sábia exploração e colonização de iluminados desbravadores. Mas esta riqueza em potencial estava sob a ameaça da cobiça estrangeira, um perigo nunca delimitado. Esta elasticidade do inimigo é vantajosa por permitir sua exploração retórica de acordo com o contexto, a audiência e o agente discursivo, de forma que pode ser o “imperialismo” britânico ou estadunidense, o comunismo internacional sob a tutela do regime soviético ou mesmo forças hostis latino-americanas. Portanto, era preciso defender os limites territoriais da Nação. Isto seria feito através da atuação do Estado, promovendo o desenvolvimento econômico e a ocupação da região.

 

As elites amazônicas e a construção de uma hegemonia política

Mas podemos dizer que o discurso das elites locais alcançou a hegemonia política nacional? Para responder esta questão, estabelecemos dois critérios. Primeiro, é possível encontrar o discurso das elites locais em atores nacionais? De outro modo, as representações do espaço amazônico, feitas pelos grupos dominantes locais, encontram eco na esfera política nacional ou estas representações ficam restritas à região? Um segundo critério é atendido respondendo a seguinte pergunta: as elites locais tiveram suas demandas atendidas? De que modo suas propostas e aspirações foram acolhidas?

Para o primeiro critério a resposta é sim, outros personagens importantes da política nacional repetem, reproduzem e amplificam as representações originadas na região. Conforme verificamos na pesquisa, Assis Chateaubriand[28], jornalista, empresário e influente político, ao visitar a região em 1950, alarmou-se com “o aspecto de abandono e precariedade no mundo amazônico”, reiterando, em seu discurso, o “retardamento” da economia local em relação aos outros estados do país, e enfatizando a necessidade de modernizar seu centenário modelo produtivo, em vistas dos problemas que poderia causar a economia nacional[29]. Mas este local “pouco desenvolvido” também apresentava qualidades positivas, que poderiam torná-la a “alavanca do industrialismo”[30] nacional, em razão da seiva elástica. As idéias predominantes nos discursos de Chateaubriand representam uma Amazônia enquanto fornecedora de matérias-primas e gêneros alimentícios, que deveria concentrar-se, para tal, no desenvolvimento da agricultura e pecuária, negando a opção de dedicar-se “com grandes e dispendiosos custeios ao suntuarismo das cidades”, aliviando, portanto, a “preocupação de [uma] urbanização suntuária que não deixa rendimentos duradouros”[31] ao Governo brasileiro.

Outro exemplo é a fala do candidato à presidência, Cristiano Machado[32], no ano de 1950. Ele fala de uma “terra prestigiosa”, “remota”, “isolada”, “segregada”, com “riquezas numerosas e de vários tipos”, uma “paisagem equatorial, revôlta e ameaçadora”[33]. Repetem-se os discursos das elites locais, reafirmando no imaginário social nacional, a Amazônia sempre rica e, ao mesmo tempo, miserável; como fonte de riquezas, mas de fragilidade econômica; detentora de potenciais latentes, conquanto ponto de vulnerabilidade à soberania nacional.

Finalmente, outro personagem expressivo dessas representações é Euvaldo Lodi[34], engenheiro, industrialista e influente político. Em reunião com o governador eleito da Bahia, Regis Pacheco, Lodi apresenta, em tom de urgência, suas concepções:

Corremos o risco de perder a Amazônia em futuro próximo, talvez em dez anos, se não agirmos no sentido de unificarmos economicamente o Brasil. A Amazônia, pelas suas imensas riquesas em borracha, petróleo, manganês e carvão tipo Cardiff, tem despertado a cobiça de todos os povos quer da América, quer de outros continentes, razão porque precisamos nos aproximar dessa região (sic)[35].

É refeita a dialética entre nacional/estrangeiro e reintroduzida a idéia de ameaça, que faz uma chantagem para a promoção da integração nacional e do desenvolvimento econômico, postulados do nacional-desenvolvimentismo. Com estes três exemplos, A. Chateaubriand, C. Machado e E. Lodi, todos eminentes políticos e integrantes das classes dirigentes nacionais, fica claro que as representações do espaço amazônico não eram restritas à região. A Amazônia era um signo hegemônico no imaginário social e, por isso, outros atores políticos repetiam os discursos das classes dirigentes locais cujos interesses eram percebidos como universais e não apenas como restritos. A Amazônia se tornou, pelo processo de significação (que é em si, parte da luta de classes), “um signo ideológico” entendido como “monovalente” e “acima das diferenças de classe” (BAKHTIN, 2006), um momento de consenso. Uma idéia de um grupo particular (as elites amazônicas) foi capaz anular forças discordantes, obtendo o monopólio da opinião pública/imaginário social e foi competente o suficiente para apresentar-se como um intelectual orgânico, dirigindo o processo político (GRAMSCI, 2000).

Finalmente, vamos ao segundo critério: “as elites locais tiveram suas demandas atendidas?”. Também podemos comprovar que sim. No momento de declínio do consumo da borracha, as elites locais obtêm a colaboração direta do Ministério da Fazenda, por meio do ministro Horácio Lafer, para tornar obrigatório o investimento de partes dos lucros do setor industrial na produção de borracha[36]. Além disso, os seringalistas recebiam constantemente créditos e financiamentos estatais para auxiliar a produção.

Em 1953, o Ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, prorroga o Decreto Federal 30.694 que tornava compulsória a transferência de 20% dos lucros das indústrias ligadas à borracha para um fundo de fomento ao plantio de seringueiras, projeto proposto pelo Conselho Consultivo do BCA[37], instrumento privilegiado para implementação de políticas e transferência de recursos para a região. Em julho do mesmo ano, começam a aparecer sinais de um redirecionamento do foco da economia regional, buscando fomentar a agropecuária regional e solucionar a crise da falta de carne e altos preços de alimentos que assolava o Território. Assim, técnicos do Instituto Agronômico do Norte (IAN) visitaram a região com o objetivo de instalar uma fazenda experimental de criação de gado, ao mesmo tempo em que o BCA obtém mais recursos para incentivar estes projetos[38].

Simultaneamente, a Associação dos Seringalistas do Guaporé, sob a justificativa de estimular o aumento de seu cultivo, então estagnado, reivindicava o aumento do preço pago pelo BCA pela borracha aqui produzida. O responsável pela articulação, Carlos Mendonça, representante do Guaporé no Conselho Consultivo do BCA, obteve unânime aceitação neste órgão em dezembro de 1953. Em fevereiro de 1954, o presidente Vargas envia uma mensagem ao Congresso colocando-se favorável ao aumento de 30%. A queda-de-braço se arrasta durante o mês de março, até o momento em que o representante do Guaporé na Câmera Federal, Aluízio Ferreira, a delegação do Conselho Consultivo do BCA e o superintendente da SPVEA, Arthur César Ferreira Reis, se reúnem com o Ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha. Diante da pressão desses representantes, o Ministro passa a criticar a Amazônia, dizendo se tratar de uma região onde os homens só recebem financiamentos, descrevendo-os como “vagabundos” e “doentes”.

O ponto central da crítica de Aranha dizia respeito aos custos da borracha nacional, na época, três vezes superior à borracha importada. Por fim, em abril, a pressão é amplificada, quando a Comissão Executiva de Defesa da Borracha (CEDB) resolve se juntar as reivindicações do BCA e da SPVEA, pelo aumento do preço do produto, alegando ser um “imperativo de ordem econômica”, tratando-se de um “problema social”, dada as “condições desfavoráveis ao homem nas zonas produtoras”. Aranha tenta resistir, alegando não poder fazer o impossível, por conta da situação econômica do país. Contudo, cede em 14 de abril, concedendo o aumento integral reivindicado pelos seringalistas[39].

 

Concluindo: cultura, espaço e transformação

No imaginário social e nas representações dos discursos das elites locais a fronteira existia como fonte de bens ilimitados, manancial inesgotável de recursos, e mostrada como possibilidade de ascensão social para as classes dominadas. Como explica Becker (1990), reportando-se a Velho (1979), a fronteira é “virtualidade”, possibilidade latente, potencialidade em inércia, ativa e manuseada pelo Estado que a preserva como estoque de capital simbólico onde será possível a generalização de um modo de produção. A(s) fronteira(s) é (são) espaço(s) de manobra de forças sociais e uma incógnita colocada, onde se projetam expectativas e recriam-se (ideologicamente) alternativas para o desenvolvimento do capitalismo. O espaço físico delineou a área de atuação política dos grupos sociais. De outra maneira, podemos dizer que os grupos políticos se apropriaram do espaço físico e usaram-no para seus objetivos, assim como a paisagem política foi também influenciada pela paisagem natural e a realidade física traçou os limites para o desempenho das elites envolvidas.

Estes fatos mostram que o consenso não existe; ele é organizado por um grupo que conduz a aceitação de seus interesses particulares por todos os outros grupos subalternos (GRAMSCI, 2000). A hegemonia política é um momento em que essas idéias privadas são apresentadas/aceitas como totais e universalizadas. Quando os diversos grupos da organização social “compartilham” (pela aceitação, subordinação de alguns e dominação de outros) um interesse agora entendido como “comum”, têm-se o momento de hegemonia. Evidentemente, é de difícil aferição se o discurso nacional sobrepõe e se impõe ao regional obtendo hegemonia ou seu contrário, com prevalência do nacional sobre o local. Embora estejamos apresentando uma aparente predominância do regional sobre o nacional neste texto, novas pesquisas seriam necessárias.

Teoricamente, nossos apontamentos são de uma co-determinação. Seria uma grande simplificação anti-dialética explicar os fenômenos aqui descritos sem reconhecer as inumeráveis forças sociais envolvidas dando resultado ao evento histórico. É imperativo apontar que as vontades individuais, embora não obtenham aquilo que “individualmente” almejam, têm suas aspirações condensadas em um resultante comum, onde cada parcela contribui em um nível ou outro para a sua formatação. Assim sendo, diante do falso embate e abstração entre causa e efeito, o materialismo histórico aponta para um vasto processo de interação e dupla determinação (ENGELS, 1890).

As elites locais foram capazes de exercer seu poder além das instâncias regionais. No Território Federal do Guaporé, elas conquistaram posições nos aparelhos de governo. Na esfera nacional, outros atores de importância significativa incorporaram e aceitaram as concepções das elites locais, cujo ápice foi a SPVEA, em 1953. Por fim, estas elites foram capazes de obter privilégios expressivos do governo central, de forma que existem provas a corroborar a tese de que houve uma hegemonia das elites locais.

 

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Notas



[1] Cientista Social (UNIR) e Mestre em Ciência Política (Universidade de Glasgow). Pesquisador associado do Laboratório de Geografia e Planejamento Ambiental (LABOGEOPA - UNIR).

[2] Acadêmica do curso de Ciências Sociais (UNIR). Integrante do LABOGEOPA – UNIR.

[3] Elite, para os propósitos deste trabalho, é intercambiável com classe dominante ou classe dirigente. Estamos simplesmente usando o termo como classe social politicamente e/ou economicamente dominante, estando nas altas posições da estrutura social. Classe social, como definiu Bensaid (1999), não é apenas um supra-indivíduo ou agrupamento de indivíduos. Há um elemento constituinte da classe que é o reconhecimento de uma solidariedade de seus membros com interesses comuns que almejam serem espraiados por toda a sociedade por meio da disputa política (GRAMSCI, 2000). É a consciência de classe que cria a classe.

[4] Jornal publicado em Porto Velho (RO), vinculado a rede dos “Diários Associados” do empresário Assis Chateaubriand. Foram avaliados 873 exemplares do jornal, assim como utilizados outras fontes de dados secundários como Miguel (2008); Santos (2008, 2009) e Rabello, Santos e Miguel (2008). As citações presentes neste trabalho mantêm a integridade dos dados coletados, assim como seus respectivos erros de português e digitação.

[5] Com esta afirmação, temos em mente Halford Mackinder, precursor (mesmo não desejando e sendo por fim vítima do modelo autoritário Nazista) da “ideologia do espaço vital” e principal difusor da geopolítica. Em síntese, seus estudos indicavam a possibilidade do esgotamento dos recursos naturais/matérias-primas e insuficiência do território para o crescimento populacional alemão, o que justificaria/justificou o expansionismo beligerante hitlerista. A ocupação de novos territórios era justificável e uma necessidade imediata (ARON, 2004).

[6] Hegemonia [política] é um dos mais complexos conceitos gramscianos; materializa habilidade de um segmento social em “conduzir” os outros, direcionando-os para onde bem entender. Comporta a trama de perspectivas políticas e sociais dominantes, comportamentos e práticas. Podemos dizer que um grupo atinge/obtém a hegemonia quando é capaz de impor sua agenda e interesses particulares, fazendo com que os outros grupos subalternizados aceitem estes (interesses/visões de mundo) como consensuais. A hegemonia é, permanentemente, disputada e refeita na sociedade civil.

[7] O conceito aqui explorado é definido por Gramsci (2000) e amplamente desenvolvido pela literatura marxista subseqüente. Os aparelhos privados de hegemonia existem enquanto unidades da sociedade civil (em oposição à estrutura estatal), local onde se criam, preparam e difundem formas de hegemonia política. São “privados” por serem em oposição à esfera pública, chamados por Gramsci de “aparelhos de governo” ou “sociedade política”. São de vinculação não obrigatória e objetivam principalmente disseminar uma dada hegemonia.

[8] Como, por exemplo, a Associação de Seringalistas da Amazônia e a Confederação Nacional dos Seringalistas, o que demonstra a capacidade de articulação estadual, macro-regional e nacional.

[9] O BCA foi criado pela Lei n. 1.184 de 30 de agosto de 1950, sancionada pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra. Já a SPVEA é instituído pela Lei 1.806 de 6 de janeiro de 1953, sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas. O Plano de Valorização Econômica da Amazônia (PVEA) havia sido criado anos antes, através da Constituição Federal de 1946, art. 199.

[10] Imaginário social é uma modalidade de crença, pensar e sentir, através das quais uma cultura é capaz de entender seu passado, seu presente e se estruturar enquanto tal (BACZKO, 1984). Também é “[u]m contexto social de saberes que permite a articulação de discursos – palavras, pessoas e coisas - que pondo em contigüidade, fusão e intercruzamentos as positividades, as empiricidades, construindo-as” (CEMIN, 2001, s.p.). Os sistemas de símbolos são instrumentos de integração social, fazendo ser possível uma integração “lógica” e entendimento da realidade (BOURDIEU, 2000).

[11] ALTO MADEIRA. Aniversario da Instalação do Território. Porto Velho, 29 de janeiro de 1950. Ano XXXII, n. 3492, p. 4.

[12] ALTO MADEIRA. Todos os recursos aos serviços públicos essenciais. Haverá dinheiro para a borracha, afirma Lafer. Porto Velho, 31 de julho de 1952. Ano XXV, n. 4097, p. 1.

[13] ALTO MADEIRA. Getulio Vargas. Porto Velho, 19 de abril de 1951. Ano XXXIV, n. 3733, p. 2.

[14] Id., Ibd.

[15] Nascido em Manaus, Amazonas e formado em Direito, Reis atuava como um intelectual orgânico da Amazônia, chegando a ocupar o cargo de governador do Amazonas entre 1964 e 1966. Em julho de 1953 foi superintendente do PVEA.

[16] “(...) todos os meus auxiliares serão nomeados entre elementos amazônicos” (in ALTO MADEIRA. Artur Reis na Valorização da Amazônia. Porto Velho, 23 de julho de 1953. Ano XXXVI, n. 4.309, p. 1). Não poderia ser diferente, pois assim determinava a lei que regulamentava a lei de criação da referida superintendência.

[17] ALTO MADEIRA. Todos os esforços para o país redimir-se do grande pecado de haver lançado a Amazônia ao abandono. Porto Velho, 30 de julho de 1953. Ano XXXVI, n. 4.315, p. 1.

[18] ALTO MADEIRA. Arthur Reis manifesta vivo interesse pelos problemas guaporenses. Porto Velho, 6 de agosto de 1953. Ano XXXVI, n. 4.321, p. 1.

[19] Id.,Ibd.

[20] ALTO MADEIRA. Desde ontem no Guaporé o Superintendente da Valorização Amazônica. Porto Velho, 19 de agosto de 1953. Ano XXXVI, n. 4.332, p. 1.

[21] ALTO MADEIRA. Vamos executar o Plano de Emergência. Porto Velho, 16 de janeiro de 1954. Ano XXXVI, n. 4.457, p. 1.

[22] VARGAS, Getúlio. Haveremos de ver a Amazônia não como o ‘Inferno Verde’, mas como uma célula criadora, integrada em toda a plenitude dos seus inesgotáveis recursos na vida da Nação. Alto Madeira. Porto Velho, 24 de janeiro de 1954. Ano XXXVI, n. 4.464, p. 1.

[23] ALTO MADEIRA. Porto Velho, 3 de abril de 1951. Ano XXXIII, n. 3727, p. 2. E também, ALTO MADEIRA. Região Sub-Desenvolvida. Porto Velho, 10 de julho de 1952. Ano XXXV, n. 3989, pp. 1-2.

[24] ALTO MADEIRA. Criou Vargas a Comissão de Socorro à Amazônia. Porto Velho, 7 de maio de 1953. Ano XXXVI, n. 4241, p. 1.

[25] ALTO MADEIRA. Tem o Guaporé o Governo que merece – Entrevista concedida pelo governador Enio Pinheiro. Porto Velho, 16 de janeiro de 1954. Ano XXXVI, n. 4.457, p. 1.

[26] ALTO MADEIRA. Grave ameaça pairava sobre toda a região Amazônica. Porto Velho, 2 de agosto de 1952. Ano XXXV, N. 4009, p. 1. E em ALTO MADEIRA. Solução para a crise da hévea - Garantido o consumo da produção gumífera. Porto Velho, 3 de agosto de 1952. Ano XXXV, n. 4.010, p. 1.

[27] Nacionalismo que assumiu a função ideológica de propiciar o soldamento do tecido social, evitando antagonismos entre o proletariado e a burguesia, unificados diante do inimigo externo. Exprime os confrontos da burguesia nacional tentando sua acomodação em face ao capital estrangeiro. Portanto é um nacionalismo que expressa interesses econômicos de uma camada da sociedade (IANNI, 1963).

[28] O notório jornalista e empresário brasileiro, dono dos “Diários Associados”, uma rede com 34 jornais (entre os quais o Alto Madeira), 2 revistas, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão e uma agência de notícias, foi também eleito senador por duas vezes, demonstrando ser um representante típico da burguesia nacional. Apesar das posturas pró-capital estrangeiro e de ser partidário do imperialismo britânico e estadunidense como fica claro em vários pronunciamentos, era amigo de Getúlio Vargas, a quem apoiara no movimento de 1930 (MORAIS, 1994).

[29] Expressões extraídas do exemplar: ALTO MADEIRA. Grandezas e misérias no mundo amazônico. Porto Velho, 26 de fevereiro de 1950. Ano XXII, n. 3507, p. 2.

[30] ALTO MADEIRA. O Homem da Amazônia. Porto Velho, 4 de julho de 1950. Ano XXII, n. 3563, p. 1.

[31] ALTO MADEIRA. Depende a Amazônia da pecuária e agricultura. Porto Velho, 14 de janeiro de 1954. Ano XXXVI, n. 4.455, p. 1.

[32] Cristiano Machado tinha bases políticas em Minas Gerais, onde havia sido prefeito da capital, Belo Horizonte. Foi candidato pelo Partido Social Democrático, no entanto, seu próprio partido abandonou-o, preferindo apoiar Getúlio Vargas.

[33] MACHADO, C. Este é o Estado e esta é a região em que o homem brasileiro realizará o teste definitivo de sua capacidade. Alto Madeira. Porto Velho, 3 de Setembro de 1950. Nº 3605, pp. 2-4.

[34] E. Lodi era um engenheiro de Minas Gerais que havia apoiado o levante armado de 1930, que conduziu Vargas ao poder. Foi nomeado por Vargas para integrar o Centro Industrial do Brasil. Também participou da Federação de Indústrias do Rio de Janeiro e exerceu ainda o cargo de primeiro presidente da Confederação Nacional da Indústria. Foi deputado federal por Minas Gerais pelo Partido Social Democrático (FGV, 2009).

[35] ALTO MADEIRA. Advertência de Lodi: Perderemos a Amazônia talvez em dez anos. Porto velho, 31 de Dezembro de 1950. Ano XXII, n. 3672, p. 2.

[36] ALTO MADEIRA. Todos os recursos aos serviços públicos essenciais. Haverá dinheiro para a borracha, afirma Lafer. Porto Velho, 31 de julho de 1952. Ano XXXV, N. 4.097, p. 1. E também em: ALTO MADEIRA. Plano para aumentar a produção de borracha será financiado em parte pela indústria. Porto Velho, 6 de março de 1951. Ano XXXIII, n. 3.708, p. 1.

[37] ALTO MADEIRA. Oswaldo Aranha atende as pretenções (sic) do Conselho Consultivo do BCA. Porto Velho, 3 de julho de 1953. Ano XXXVI, n. 4.291, p. 1.

[38] ALTO MADEIRA. Criada uma fazenda experimental de gado vacum as margens do rio Guaporé. Porto Velho, 4 de julho de 1953. Ano XXXVI, n. 4.293, p. 1.; DÓRIA, F. Importante decreto. Alto Madeira. Porto Velho, 5 de julho de 1953. Ano XXXVI, n. 4.294, p. 3 e ALTO MADEIRA. Nova era para a Amazônia. Porto Velho, 4 de julho de 1953. Ano XXXVI, n. 4.293, p. 4.

[39] ALTO MADEIRA. Reação dos seringalistas a uma decisão do BCA. Porto Velho, 28 de outubro de 1953. Ano XXXVI, n. 4.391, p. 1.; ALTO MADEIRA. Unânime o Conselho do BCA pelo aumento do preço da hévea. Porto Velho, 27 de dezembro de 1953. Ano XXXVI, n. 4.441, p. 1. ; ALTO MADEIRA. Mensagem de Vargas ao Congresso pró aumento da borracha. Porto Velho, 14 de fevereiro de 1954. Ano XXXVI, n. 4.482, p. 1.; ALTO MADEIRA. Solução satisfatória para o reajustamento da borracha. Porto Velho, 26 de março de 1954. Ano XXXVI, n. 4.514, p. 1. ; ALTO MADEIRA. Nas mãos de Artur Reis a solução para o aumento da borracha. Porto Velho, 6 de abril de 1954. Ano XXXVI, n. 4.524, p. 1. ; ALTO MADEIRA. Concedido aumento do preço da borracha. Porto Velho, 14 de abril de 1954. Ano XXXVI, n. 4.531, p. 1.


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