Nosso
texto tem
como intenção apreender à luz de alguns conceitos
oriundos da antropologia do
Imaginário uma maneira dos antropólogos afirmarem sua
ciência a partir de uma
concepção do homem, enquanto produto das
interações do meio sócio-cultural,
psicológico e biológico. Para isso, centraremos nosso
estudo sobre as seguintes
afirmações de Gilbert Durand:
(...) ... Não
deve o antropólogo postar, em sua alma e em sua
consciência, sob pena de
insignificância, o que eu chamaria de “juramento de
Hermes”? tríplice
juramento, como seria de se esperar, afirmando de início que o
homem é uma
constante com relação à qual podemos, na melhor
das hipóteses, prever as
recorrências: a seguir, que o homem é a ambigüidade
paradigmática, a
multiplicidade antagonista, o paradoxo criador: enfim que o homem
é o modelo
primordial – a própria imagem de Hermes para o qual todo
universo que ele usa
não é senão um espelho, quer dizer, um
símbolo... tríplice juramento que
precisamente funda a arte e a ciência do antropólogo sobre
a recorrência, o
paradoxo e a similitude. (BADIA,1999, p. 25 e 26.)
Partiremos, então, da
análise da primeira afirmação
do “juramento de Hermes, para, em seguida, nos determos sobre as
outras
proposições que resultam desse procedimento
analógico como caminho que deve ser
considerado dentro da arte e da ciência dos antropólogos.
Dizer que “o homem é uma
constante”, leva-nos de
início a afirmarmos que as estruturas antropológicas de
seu imaginário se
configuram enquanto estruturas a-históricas de
reprodução da cultura, pois
resultam das ações subjetivas que são mobilizadas
pelos arquétipos do
inconsciente coletivo e que desde os primórdios estão
presentes no homem.
Mas como apreender através do
Imaginário tais
estruturas de reprodução da cultura?
Em As Estruturas
Antropológicas do
Imaginário, Gilbert
Durand, para
desenvolver o estudo do sentido dos significantes dos símbolos
estruturais da
imaginação, elaborou o conceito de trajeto
antropológico, o que o levou a uma
necessária procura das categorias de motivação dos
símbolos do Imaginário nos
comportamentos triviais do psiquismo humano, bem como o ajustamento
desses
comportamentos aos seus complementos
sócio-biológico-culturais.
Assim, o conceito de trajeto
antropológico do
imaginário se constituiu - após vários estudos
sobre a imaginação simbólica -
em um instrumento metodológico capaz de apreender de acordo com
as próprias
palavras do autor:
(...) a
incessante troca que existe ao nível do imaginário entre
as pulsões subjetivas
e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do
meio cósmico e social.
(DURAND,1997, p. 29).
Porém, qual foi o fundamento
principal em que o autor
se apoiou para o desenvolvimento desse trajeto da
imaginação?
Apoiou-se na idéia da
existência de uma
reversibilidade natureza x cultura criadora do homem, ou seja, de que
existe
uma gênese recíproca que se estabelece a partir das
relações entre o gesto
pulsional e o meio material e vice-versa. Sendo que a
investigação
antropológica deve se instalar no intervalo dessas
relações reversíveis.
Novamente de acordo com Durand:
(...) No fim de
contas, o imaginário não é mais que esse trajeto
no qual a representação do
objecto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do
sujeito, e
no qual, reciprocamente, como provou magistralmente Piaget, as
representações
subjetivas se explicam “pelas acomodações
anteriores do sujeito” ao meio
objetivo. O (...) símbolo é sempre o
produto dos imperativos biopsíquicos pelas
intimações do meio. (DURAND ,1997,
p. 30)
Dessa forma, o conceito de trajeto
antropológico
enquanto instrumento metodológico revolucionou a antropologia.
Sua utilização
para a realização de estudos sobre o imaginário
proporcionou de forma
indistinta a possibilidade de se partir tanto da cultura ou do natural
psicológico, já que o que existe de essencial da
representação e do símbolo se
estabelece entre esses aspectos reversíveis da realidade.
Mas como o Imaginário foi concebido
em estruturas a
partir do conceito de trajeto antropológico, para que possamos
continuar a
nossa explicação sobre o fato do homem ser uma constante
dentro da antropologia
deste autor?
Se o trajeto antropológico deve se
instalar no
intervalo de reversibilidade entre a cultura e o natural
psicológico, temos, a
partir disso, o estabelecimento do imaginário, enquanto um
reservatório
antropológico, onde se é possível recortar
esquemas, trajetos, a partir de
imagens que são dadas pelas culturas ou pelas análises
psicológicas. Estes
esquemas são capazes, por sua vez, de fornecer as
intencionalidades contidas na
estética dos fenômenos antropológicos (BADIA, 1999,
p. 4), ou seja, os “símbolo
funcionais” ou os “símbolos motores” que
fazem a junção não entre a imagem e o conceito,
mas entre os gestos
inconscientes sensório-motores, entre as dominantes reflexas e
as
representações.
Assim, são os esquemas que
começam por dar uma
primeira idéia de estruturação do
imaginário, pois constituem-se de uma maneira
dinâmica em esqueleto funcional da imaginação,
estabelecem o trajeto dos gestos
reflexiológicos encarnados em representações
concretas. De acordo com o autor
(...) o esquema aparece como o
“presentificador” dos gestos e das pulsões
inconscientes. (DURAND, 1997, p. 60)
Mas a problemática do
Imaginário do homem, enquanto
uma recorrência, não se limita à sua amostragem a
partir dos esquemas,
justamente porque o Imaginário implica outras
sobreposições estruturais sobre
estes mesmos esquemas. Vejamos:
Se o imaginário tem suas origens na
corporeidade dos
esquemas, estes, por sua vez, induzem
as imagens arquetípicas, pois a diferenciação dos
gestos em esquemas determina
em contato com o ambiente natural e social os grandes
arquétipos. Estes
constituem-se enquanto substantificações dos esquemas.
Dessa forma, a noção de
arquétipo se faz dentro da idéia de sinônimo de
“imagem original” que, em Jung,
evidencia-se como trajeto antropológico:
(...) A imagem
primordial deve incontestavelmente estar em relação com
certos processos
perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e
são sempre ativos, mas
por outro lado é igualmente indubitável que ela diz
respeito também a certas
condições interiores da vida do espírito e da vida
em geral. (DURAND, 1997,
p.60)
Por isso, o arquétipo sendo
intermediário entre
esquemas subjetivos e imagens constituídas a partir do ambiente,
coloca-se
dentro de um estágio preliminar como mais uma etapa da
estruturação do
imaginário, justamente por estruturar uma zona matricial da
idéia, pois esta
constitui-se como o comprometimento pragmático do
arquétipo em um determinado
contexto histórico e epistemológico. De acordo com Jung,
citado por Durand:
(...) “as imagens que servem de base a
teorias científicas mantêm-se nos mesmos limites.... (que
as que inspiram
contos e lendas)”. (DURAND, 1997, p.61)
Portanto, a importância essencial
dos arquétipos
reside na percepção de que formam estruturas
simbólicas, que engendram relações entre o
imaginário e os processos racionais.
As recorrências do
Imaginário, porém, vão além dessa
estruturação do mesmo pelos arquétipos, e devemos
dizer que o entendimento do
imaginário deve ser considerado dentro também das
relações dos arquétipos com
os símbolos.
O símbolo constitui-se como uma
forma inferior porque
possui caráter singular do esquema que se apresenta, muitas
vezes, na
particularidade de um “objeto sensível”, que
é uma imagem concreta do arquétipo
do esquema.
Para Durand:
(...) Enquanto
o arquétipo está no caminho da idéia e da
substantificação, o símbolo está
simplesmente no caminho do substantivo, do nome, e mesmo algumas vezes
do nome
próprio. (DURAND, 1997, p.62)
Essa concreticidade do símbolo,
porém, reverte-lhe
uma grande fragilidade, pois perdendo polivalência, ele tende a
se aproximar
muito de um simples signo, o que o faz imigrar do semantismo para o
semiologismo.
A ocorrência, por sua vez, de uma
relação formadora
de um sentido racional entre os arquétipos e os símbolos
culminam na
estruturação de um sistema que se constitui como um
esforço de racionalização e
que se faz a partir da constituição dos mitos. Sistema
este que se encontra na
base das grandes doutrinas e pensamentos filosóficos.
Como
pudemos notar
até aqui, o Imaginário, enquanto uma recorrência
que pode ser apreendida a partir de um
trajeto do sentido
antropológico das imagens produzidas pelo homem em confronto com
o meio
psico-biológico-cultural, é formado, enfim, por um
sistema de estruturas
capazes de designar os esquemas originais que agrupam certos protocolos
normativos das representações imaginárias.
Definido, dessa forma, o imaginário
do homem como uma
recorrência de estruturas antropológicas capazes de
conterem subjetividades que
são ativadas por toda uma gama de arquétipos do
inconsciente coletivo, desde os
primórdios da existência do homem e que reproduzem
constantemente a cultura,
partiremos para a análise do segundo aspecto do “juramento
de Hermes”. Este,
proposto por Durand, enquanto perspectiva que deve ser considerada
quando da
análise do Imaginário pelos antropólogos, ou seja,
de que o homem deve ser
encarado como “um paradoxo criador”.
Dentro da perspectiva da antropologia do
Imaginário, em Gilbert Durand,
desenvolveu-se um solo comum de hermenêuticas que culminaram em
uma nova
maneira dos antropólogos conceberem o homem. Isso, justamente
por causa de uma
concepção de cultura, que passou a ser transversalmente
construída juntamente
com as ações subjetivas ligadas a ela para a
análise das representações do
Imaginário.
Tal perspectiva hermenêutica em
Durand desenvolveu-se
dentro do chamado “novo espírito
antropológico”, que passou, sobretudo, a
partir do “pensamento tradicional” como também do
“pensamento holonômico”, a
apreender o homem enquanto uma “ambigüidade
paradigmática”.
Assim colocadas, tais perspectivas
advindas do
pensamento tradicional e do pensamento holonômico proporcionaram
a construção
de um procedimento analógico, que a partir de um enfoque
transversal
possibilitou o estudo do Imaginário através de uma
análise da cultura do homem,
desde seus primórdios.
Dessa
forma, o novo espírito antropológico, segundo Denis
Badia, estabeleceu o
caráter antropológico, hermenêutico e
filosófico da antropologia do Imaginário,
o que a fez elaborar-se como uma
antropologia profunda e uma “filosofia geral” centrada em
um pensamento
simbólico. Essa perspectiva , por sua vez, abriu as
possibilidades de “um
retorno ao mito” através de uma “mitodologia”
como também de um “reencantamento
do mundo” enquanto projeto-vetor-escatológico. Isso,
através da desmistificação
do pensamento desmitizador - que se caracteriza na falsa antinomia
historicista
e filosófica ocidental do mito e da
história -, como também em uma
“desmistificação às avessas”, ou seja,
o
reencontro do numinoso nos aspectos sagrados sob o profano que
fundamentam esse
mesmo pensamento desmitizador (BADIA, 1999, p.24).
Esta “antropologia profunda” e
esta “filosofia geral”
foram, então, capazes de demonstrar como o homem, enquanto um
ser complexo,
deve ser culturalmente constituído a partir de todo um trajeto
hermenêutico que
o estabelece como uma ambigüidade paradigmática.
Assim,
percebemos que este trajeto hermenêutico para a
estruturação da antropologia do
Imaginário, em Durand, proporcionou - a partir de uma
experiência e de uma
experienciação com o mundo do imaginal em várias
perspectivas paradigmáticas em
relação ao imaginário do homem -, a
instauração de uma eficácia simbólica e uma
eficácia imaginal do numinoso capaz de provocar o
“reencantamento do mundo” por
tanto tempo singrado pelo dualismo cartesiano.
A idéia de um “reencantamento
do mundo” relacionada a
um resgate da eficácia do imaginal em nossa
civilização, leva-nos à discussão
do terceiro aspecto do “julgamento de
Hermes”, utilizado enquanto parte de uma nova postura do
antropólogo, e que diz
respeito a uma apreensão do homem, a partir da similitude que as
imagens
produzidas pelo mesmo possuem em suas relações com a
cultura e a natureza.
Utilizando-se das análises de
Bachelard, vejamos como
a forma teofânica constitui-se em similitude da cultura e da
natureza.
Enquanto uma das hermenêuticas
instauradoras da
antropologia do Imaginário em Durand, a fenomenologia da
imaginação em
Bachelard foi decisiva com relação ao estudo da
totalidade do imaginário, pois
proporcionou um acesso à experiência na consciência
dos mitos, dos ritos,
apesar desse autor ter se concentrado na linguagem poética para
estruturação
dos seus estudos sobre as imagens. Sua antropologia reverteu devido ao
seu
próprio método uma integração maior dos
poderes da imaginação, no centro da
consciência (DURAND, [199-], p.71).
Bachelard, partindo da análise da
linguagem poética,
foi capaz de nos mostrar como a imaginação
simbólica, a partir do poema,
constitui-se enquanto um espelho para o homem, pois a literatura
poética
denuncia em suas imagens uma revelação objetiva e ao
mesmo tempo o enraizamento
obscuro desta mesma revelação no indivíduo
biológico (DURAND, [199-], p.61 e
62).
Mas foi justamente pela
percepção de que a linguagem-poema
confere um sentimento de percepção de um
“não eu-meu” humanizador que leva o
homem a se desempenhar plenamente em sua consciência e não
se pautar só pela
existência de uma árida objetividade ou de uma viscosa
subjectividade (DURAND,
[199-], p. 62), que o aspecto da imagem como similitude que ora
discutimos,
passou a possuir em Bachelard seus primeiros contornos essenciais.
Bachelard,
de
acordo com Durand, ao ter orientado sua investigação para
o sobre-consciente
poético, que se exprime a partir das palavras e das
metáforas, como também para
o sistema de expressão menos retórico da fantasia,
possibilitou uma percepção
criativa na imaginação dos aspectos afetivos e
sentimentais e não só racionais
do homem. Estes são captados naturalmente em suas simbologias
tanto pelos
próprios poetas como pelos leitores de poesia. Tal
prospecção fenomenológica
dos símbolos poéticos proporcionou, aos poucos, na obra
desse autor, as
perspectivas de uma ontologia simbólica, que, a partir de
encerramentos
sucessivos, conduziria aos três grandes temas da ontologia: o eu,
o mundo e
Deus (DURAND, [199-], p. 64).
Assim,
a partir do
desenvolvimento dessa ontologia, através de uma cosmologia
simbólica dos quatro
elementos e todos os seus derivados que inspiram a
criação poética - lugar
natural onde o imaginário se prende à
sensação - Bachelard procurou realizar um
resgate da eficiência do imaginal devido ao fato de tal
cosmologia simbólica
ser capaz de demonstrar uma expressão plena do homem no mundo. Daí, então, percebermos, como aos
poucos o autor nos proporcionou o entendimento da
imaginação enquanto
similitude, pois nesta cosmologia material não existe, segundo
Durand:
(...) oposição entre a fantasia e a realidade
sensível, mas “cumplicidade... entre
o eu sonhador e o mundo determinado, existe conivência secreta
numa região
intermédia, uma região plena, de uma plenitude de fraca
densidade. (DURAND,
[199-], p.65).
Trata-se, portanto, da
revelação de uma
sobreconsciência poética dos símbolos da
emoção, do desejo, da criação
artística, da idéia, denunciadora de sua
relação de similitude com os quatro
elementos, mas que não se limita as quatro
sensações desses elementos, pois
amplifica-se a partir das mais variadas sensações e das
relações possíveis
entre elas, apoderando-se a fenomenologia de Bachelard de tais imagens
para
reconstrução de um mundo acolhedor das
atitudes do homem,(...) um mundo de
felicidade pela concordância. (DURAND,
[199-], p. 65)
Mas se
o cosmos simbólico remete, então, à
felicidade do homem, da mesma forma e paralelamente uma
consciência ligada a
esse sobreconsciente simbólico em sua expressão
imaginária complexa, faz-se
dentro de uma consciência plena, dialogante, criadora, pois o ser
que participa
da consciência em Bachelard, segundo Durand, nos mostra sua
relação inerente
com um ser dele mesmo que sempre o interpela através dos
símbolos. Esse ser que
participa da consciência, de acordo com Durand, que nos é
revelado no
sobreconsciente poético, realiza-se plenamente no momento de seu
encontro súbito
com a anima mediadora, consoladora, que permite ao solipsismo do cogito
ligar-se ao mundo (DURAND, [199-], p. 66) dentro de um aspecto de
concordância
consciente diante das coisas dos outros, o que o faz a partir
daí entender o
universo como um espelho, quer dizer, um símbolo do qual a sua
consciência é
parte constitutiva. Segundo Durand:
(...) “O cogito
está no interior do ser e não o inverso.”
Teríamos vontade de escrever que o
cogito bachelardiano é secretamente preparado pelo ser.
Bachelard encontra nesta
descoberta da anima poética a angelologia do
“medium” imaginário. A anima do
sonhador não é mais do que o Anjo Outro que anima e
“interpela” a sua alma.
Mas, sobretudo, esta fenomenologia do símbolo descobre a
“quadripolaridade” do
sonhador e do ser sonhado. “Eu estou
só,
logo somos quatro” e Bachelard vai esboçar uma
espécie de erótica dos “quatro
seres em duas pessoas, ou melhor, dos quatro seres num sonhador e numa
fantasia”, ao referir-se directamente ao Banquete (...) de
Platão. Isto porque,
sendo o sonhador duplo por natureza psicoanalítica, projeta por
sua vez, uma
espécie de projeção cruzada, um objeto do seu
sonho que também é duplo...“O
nosso duplo (sonhado) é o duplo do nosso ser duplo...” O
que a fenomenologia do símbolo
encontra na base da antropologia
que inaugura, é uma Androginia. No plano do cosmos, o
símbolo levava a
reconhecer uma fraterna e feliz
consubstancialização entre o macrocosmos e microcosmos,
embebendo-se o espírito
sensorial de um na materialidade do outro, e a materialidade de um
ganhando
sentido sob a fantasia tecnicista do outro. No plano da antropologia, o
símbolo
leva a uma co-naturalidade “do homem e da mulher
intímos”, que, na fantasia,
“falam para confessar os seus desejos, para comungar”
através do jogo dos seus quatro
pólos reunidos dois a dois,“na tranquilidade de uma dupla
natureza em boa
concordância”. (DURAND, [199-], p.67)
Como podemos notar através da
fenomenologia de
Bachelard, o imaginário captado, a partir da linguagem
poética, revela-se
dentro de uma perspectiva de fenômeno que possui similitude
simbólica com o
mundo, devido ao fato da consciência somente poder entender-se
como plena, a
partir de suas relações estreitas com o chamado
sobreconsciente simbólico
mobilizador de forças subjetivas que emanam da
relação do homem diante de sua
reprodução cultural em confronto com a natureza.
1. Imaginário
Denis Domeneghetti Badia, ao discutir em seu Imaginário
e Ação Cultural o conceito de Imaginário,
utilizou-se da seguinte afirmação
de Gilbert Durand para auxiliá-lo: “O imaginário
é o universo das polissemias
simbólicas que constituem o domínio dos conjuntos
psicoculturais.” Sendo que
tal compreensão sobre o imaginário levou Durand, segundo
Badia, ao
desdobramento de algumas “balizas hermenêuticas” que
se estabelecem em cinco
blocos de proposições:
1. As polissemias simbólicas ou
conjunto
psicoculturais constituem-se de forma plural e descontínua, pois
formam
sistemas diferenciados de conjuntos imaginários, nos quais a
coerência de
classificação dos grandes complexos míticos e
simbólicos que os compõem, supõe
uma modelização matemática da descontinuidade que
existe entre os mesmos. Essa
realidade, por sua vez, faz com que não haja a possibilidade de
redução de um
conjunto em relação ao outro, de acordo com o valor e a
opção que possam ser
dadas pelas hermenêuticas que os instauram, e daí a
necessidade da existência
de uma epistemologia politeísta.
2. Os conjuntos semânticos (porque
envolvem uma
imagem literal e outra profunda das polissemias ou conjuntos) provindos
das
polissemias simbólicas ou conjuntos psicoculturais constituem-se
de forma
sistêmica, dentro de uma “coerência dialética
tetrapolar” aplicada ao
imaginário de uma forma geral, o que quer dizer que, se por um
lado, não há
possibilidade de redução de um conjunto ao outro, existe
a possibilidade de
transformação dos mesmos, pois um conjunto coerente de
imagens literais,
explícitas, potencializa outro conjunto de imagens coerentes que
se constituem
de maneira implícita e latente em relação ao
conjunto manifesto. Tal
equivalência entre os conjuntos mostraria que uma identidade
sempre é
estabelecida a partir de suas relações com uma
alteridade, o que
necessariamente introduz o inconsciente na dinâmica do
simbólico.
3. O salto semântico - que
caracteriza a mudança dos
sistemas que compõem as polissemias simbólicas ou os
conjuntos psicoculturais
nos seus aspectos semânticos de coerência dialética
tetrapolar - manifesta-se -
de acordo com a recorrência de Durand à teoria das
catástrofes e tendo-se em
mente a catástrofe absoluta do sistema, bem como, ao
“ciclo de histerésis”, ou
seja, a repetição dos estados passados de um sistema - de
duas maneiras: de um
lado, pela destruição do sistema a partir da perda de
potencial ou tensão
dialética, o que em termos de polissemia simbólica,
significa provocar uma
“de-simbolização” por entropia do
simbolizante, ou acarretar por saturação, a
transformação dos símbolos em sintemas e signos.
De outro, a provocar um
reequilíbrio do sistema devido a saturação
não chegar às últimas conseqüências,
atingindo-se uma contraposição simbólica
inconsciente que aos poucos se impõe a
uma tendência unilateral simbólica anteriormente
dominante. Mas diante dessas
possibilidades, o sistema realiza um salto semântico
reequilibrador, porém, que
não permite nem previsão e controle sobre o que se
seguirá a partir do mesmo:
trata-se, como fala Badia, de uma indecibilidade-limite. Assim,
sistemas
simbólicos estarão sempre sujeitos ao
“equilíbrio contraditorial” através de
saltos ou catástrofes indecidíveis. E isso, segundo
Badia, devido a duas
razões: primeiro, em razão do próprio conflito das
identidades, o que, em
Durand, se transforma em lei: (...) uma
mudança é indecidível na razão direta de
sua carga semântica, isto é, de sua
carga em significado, e em razão inversa de sua precisão
de localização
lexical, de sua identidade espacial; segundo, porque no
domínio do
imaginário não lidamos, de acordo com Badia, apoiado nos
trabalhos de Lupasco, (...) com
“sistemas assimétricos contraditoriais’ como o
macrofísico e o
biológico, mas com ‘sistemas simétricos
contraditoriais’, como o microfísico e
o psíquico, esses últimos como ‘sistemas T’,
definem a matéria-energia-psíquica
e os sistemas simbólicos que são seus produtos, de modo
que o universo dos
sistemas psicosimbólicos é o universo do
“contraditorial” ou da
‘conflitorialidade”. (BADIA, 1999, p. 27 a 30)
4. O imaginário é apreendido
a partir de uma lógica
de transdução, ou seja, a partir elaboração
de uma gnose, tanto como saber
unitário e suas diversificações, como para
situação existêncial.
5. Sendo o imaginário
constituído por um sistema de
sistemas deve, necessariamente, dar conta de uma semelhança de
estrutura e de
origem entre as formulações matemáticas e os
procedimentos poéticos em suas
expressões (BADIA, 1999, p.27 a 31).
2.
Trajeto antropológico
Em As Estruturas
Antropológicas do
Imaginário, Gilbert
Durand, para
desenvolver o estudo do sentido dos significantes dos símbolos
desenvolveu o
conceito de trajeto antropológico, justamente por afirmar que as
motivações que
engendram os símbolos não podem ser explicadas de forma
linear do tipo dedução
lógica ou mesmo através de uma narrativa introspectiva.
Por isso, procurou
desenvolver um método compreensivo das motivações
que substituísse o
determinismo de tipo causal, e que as estabelecesse através de
categorias
compactas de determinações que apresentam
complicações simultâneas em diversas
direções, sendo tais aspectos pluridimensionais e, dessa
forma, espaciais do
mundo do símbolo, essenciais; ou seja, o desenvolvimento de um
método que
passou a dar conta do poder dos símbolos de ligarem mais do que
as contradições
naturais, os elementos inconciliáveis, as
compartimentações sociais e as
segregações dos períodos históricos. Isso
levou a uma necessária procura das
categorias de motivação dos símbolos, a partir dos
comportamentos triviais do
psiquismo humano, bem como o ajustamento desse comportamento aos seus
complementos ou aos seus jogos semiológicos. Para tanto, Durand
afirmou que
para se estudar o simbolismo imaginário foi preciso enveredar
pela via da
antropologia, e daí o estabelecimento de um trajeto
antropológico do
imaginário, que se constituiu em um conceito metodológico
capaz de apreender,
de acordo com suas próprias palavras (...) a
incessante troca que existe ao nível do imaginário entre
as pulsões subjetivas
e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do
meio cósmico e social.
(DURAND, 1997, p. 29)
Este conceito apoiou-se na idéia de
que existe uma
gênese recíproca que se estabelece a partir das
relações entre o gesto
pulsional e o meio material, e vice-versa; sendo que é neste
intervalo, neste
caminhar que se forma a partir de relações
reversíveis que deve se instalar a
investigação antropológica. De acordo com Durand:
(...) No fim de contas, o imaginário não
é mais que esse trajeto no qual a
representação do objecto se deixa assimilar e modelar
pelos imperativos
pulsionais do sujeito, e no qual, reciprocamente, como provou
magistralmente
Piaget, as representações subjetivas se explicam
“pelas acomodações anteriores
do sujeito” ao meio objetivo. O (...) símbolo
é sempre o produto dos imperativos biopsíquicos pelas
intimações do meio.
(DURAND, 1997, p.30).
Colocado dessa forma, o trajeto
antropológico pode,
de forma indistinta, partir tanto da cultura ou do natural
psicológico, já que
o que existe de essencial da representação e do
símbolo se estabelece entre
esses aspectos reversíveis da realidade. Essa
posição, por sua vez, levou
Durand a adotar uma metodologia de investigação
antropológica do imaginário
apoiada na pesquisa sobre a psicanálise, as
instituições rituais, o simbolismo
religioso, a poesia, a mitologia, a iconografia (DURAND, 1997, p. 30 e
31).
3. Esquemas
Segundo Durand, o imaginário
constitui-se no
reservatório antropológico onde é
possível recortar esquemas, os trajetos, a partir
de imagens que são
dadas pelas culturas ou pelas análises psicológicas,
capazes de fornecerem as
intencionalidades contidas na estética dos fenômenos
antropológicos. Assim, o
termo esquema significa nas palavras de Durand: (...) uma
generalização dinâmica e afetiva da imagem,
constitui a factividade
e a não-substantividade geral do imaginário. (DURAND,
1997, p. 60)
O esquema
constitui-se como o “símbolo funcional” ou o
“símbolo motor” . Faz a junção
não
entre a imagem e o conceito, mas entre os gestos inconscientes
sensório-motores,
entre as dominantes reflexas e as representações.
São os esquemas que
estruturam de forma dinâmica o esqueleto funcional da
imaginação. Os esquemas
estabelecem o trajeto dos gestos reflexiológicos encarnados em
representações
concretas. De acordo com Durand: (...) ao
gesto postural correspondem dois esquemas: o da
verticalização ascendente e o
da divisão quer visual quer manual, ao gesto do engolimento
corresponde o
esquema da descida e o acocoramento na intimidade. Como diz Sartre, o
esquema
aparece como o “presentificador” dos gestos e das
pulsões inconscientes.
(DURAND, 1997, p. 60)
4. Arquétipos
Se o imaginário tem suas origens na
corporeidade dos
esquemas, estes, por sua vez, induzem as imagens arquetípicas. A
diferenciação
dos gestos em esquemas determinam em contato com o ambiente natural e
social os
grandes arquétipos. Estes constituem as
substantificações dos esquemas. Dessa
forma, a noção de arquétipo se realiza, enquanto
sinônimo de “imagem original”,
que em Jung se evidencia como trajeto antropológico: (...) “A imagem primordial deve incontestavelmente estar em
relação com
certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem
cessar e são
sempre ativos, mas por outro lado é igualmente
indubitável que ela diz respeito
também a certas condições interiores da vida do
espírito e da vida em geral...”
(DURAND, 1997, p. 60)
Por
isso, o arquétipo, sendo intermediário entre esquemas
subjetivos e imagens
constituídas a partir do ambiente, coloca-se como o
estágio preliminar, a zona
matriz da idéia; esta constitui-se como o comprometimento
pragmático do
arquétipo em um determinado contexto histórico e
epistemológico. De acordo com
Jung, citado por Durand: (...) “as
imagens que servem de base a teorias científicas mantêm-se
nos mesmos
limites... (que as que inspiram contos e lendas)”. (DURAND, 1997,
p. 61)
Portanto, os
arquétipos possuem importância enquanto ponto de
relação entre o imaginário e
os processos racionais.
5. Símbolo
O símbolo constitui-se como uma
forma inferior porque
possui caráter singular do esquema, que se apresenta muitas
vezes na
particularidade de um “objeto sensível”, que se
coloca como uma imagem concreta
do arquétipo do esquema.
Para Durand: (...) Enquanto o
arquétipo está no caminho da idéia e da
substantificação, o símbolo
está simplesmente no caminho do substantivo, do nome, e mesmo
algumas vezes do
nome próprio. Essa concreticidade do símbolo,
porém, reverte-lhe uma grande
fragilidade, pois perdendo polivalência, o símbolo tende a
se aproximar muito
de um simples signo, o que o faria imigrar do semantismo para o
semiologismo
(DURAND, 1997, p. 62).
6. Mito
G. Durand entende por mito (...) um sistema dinâmico de símbolos,
arquétipos e esquemas, sistema
dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a compor-se em
narrativa.
(DURAND, 1997, p. 63 e 64)
Assim, o mito
constitui-se como um esforço de racionalização,
já que utiliza o caminho do
discurso, em que símbolos se transformam em palavras e os
arquétipos em
idéias. O mito se
explicita a partir de um esquema ou um grupo de esquemas, o que o leva
a
promover a doutrina religiosa, o sistema filosófico, a narrativa
histórica e
lendária. E Durand nos proporciona o exemplo da obra de
Platão, em que o
pensamento racional está irremediavelmente ligado a um sonho
mítico e, muitas
vezes, possui saudade dele.
7. Estruturas
As estruturas definem-se em Durand como
uma outra
maneira de se designarem os esquemas originais que agrupam certos
protocolos
normativos das representações imaginárias,
conceitualizados e relativamente
estáveis, cuja existência pode ser percebida
através do isoformismo dos
esquemas, arquétipos e símbolos no centro dos sistemas
míticos ou de
constelações estáticas. Durand afirma o conceito
de estrutura da seguinte
forma: (...) O substantivo “estrutura”,
acrescentado a atributos com sufixos tomados da etimologia da palavra
“forma”,
e que, na falta de melhor, utilizaremos metaforicamente,
significará
simplesmente duas coisas: em primeiro lugar que essas
“formas” são dinâmicas,
ou seja, sujeitas a transformações por
modificações de um dos termos, e
constituem “modelos” taxionômicos
e
pedagógicos, quer dizer, que servem comodamente para a
classificação mas que
podem servir, dado que são transformáveis, para modificar
o campo imaginário.
Em segundo lugar, estando mais de acordo neste caso com Radcliffe-Brown
que com
Lévi-Strauss, esses “modelos” não
são
quantitativos mas sintomáticos, as estruturas tal como os
sintomas médicos são
modelos que permitem o diagnóstico e a terapêutica.
(DURAND, 1997, p. 63)
Dessa forma,
em relação ao seu agrupamento em síndromas, o
aspecto matemático constitui-se
em um segundo plano, sendo tais estruturas descritas mais como modelos
etiológicos do que de forma algébrica. A estrutura
constitui-se enquanto uma
forma transformável, realizando a função de
protocolo motivador para todo um
conjunto de imagens e tendendo a se reunir em uma estrutura mais ampla,
e que
Durand chama de Regime.
8. Novo espírito
antropológico
Dentro da perspectiva hermenêutica e
do legado através
do qual se recorta a antropologia do Imaginário de Durand (autor
que matriciou
a Escola de Glenoble), desenvolveu-se um solo comum de
hermenêuticas que
culminaram no novo espírito antropológico. Este
espírito remete tanto “ao
pensamento tradicional” como também ao “pensamento
holonômico” (BADIA, 1999, p.
16 e 17).
9. Pensamento tradicional
De acordo com Garagalza, segundo Denis
Badia, o
pensamento tradicional abrange de um lado, a Escola de Eranos, e de
outro, “a hermenêutica
oriental de Corbin”. Da
Escola de Eranos, fundada por Jung em 1936, surgiu uma
orientação gnóstica
baseada em investigações interdisciplinares, sobretudo a
partir da
arquetipologia jungiana e da mitologia comparada e que culminaram na
fundação
de uma antropologia hermenêutica do sentido. Por gnose
entendido-se “um
conhecimento salvífico” que possui um referencial duplo:
uma hermenêutica
simbólica e o “mundus imaginalis”, ambos aspectos
fundadores do “estruturalismo
simbólico” e da hermenêutica docetista” de
Durand. A partir daí, a hermenêutica
simbólica de Durand utilizou-se da “Naturphilophie”
romântica e suas ligações
com a magia renascentista, com os poetas das
“correspondências e similitudes”,
com os “hermeneutas suspeitos” da psicologia profunda e da
ciência das
religiões, sobretudo da Escola de Eranos. Com isso, Durand
pretendeu elaborar
uma antifilosofia que resgatasse o sentido imaginal na filosofia
ocidental
cartesiana. Para isso, recorreu também à
tradição hermética e sua hermenêutica
simbólica, que resgatou o pensamento tradicional operativo pelos
símbolos e que
tem como concepção a “figura tradicional do
Homem”; como também recorreu à
concepção de homem elaborada pela antropologia
simbólica ligada a outras
concepções de tempo e espaço, em que a
história se constitui como uma das
formas de temporalidade. Daí, a constituição
segundo Durand de uma
“Anti-história da Antifilosofia” e de suas
estruturas “antifilosóficas” que
proporcionam o “retorno do mito” (BADIA,
1999, p. 17 a
21).
10. Pensamento holonômico
O novo espírito
antropológico desenvolveu-se também
pelo lado da ciência, a partir de um pensamento
pós-Bachelard”, através de um
“novo espírito científico” definidor de uma
ciência holonômica que se traduziu
em um pensamento simbólico capaz de confluir
Tradição e Ciência, e Ciência e
Poesia, onde foi definida uma nova forma de abordagem da filosofia o
que levou
aos seguintes passos: primeiro, valorização da
“transdução” enquanto “abordagem
poética experimental” da realidade, a partir da
medição de sua função simbólica
e sua transformação em método. Por
sua vez, essa transdução transformada em método
levou ao estabelecimento de uma “bacia semântica
gnóstica”, ou seja, a
constituição de um saber unitário com suas
diversificações. Assim, essa
transdução levou à confluência da
Tradição e da Ciência, dentro da idéia de
uma
“fenomenologia da gnose” e “da gnose como
situação existencial”. Essa nova
filosofia abriu caminho a uma integração em um plano de
igualdade heurística
dos saberes racionais e imaginários, o que levou a uma
possibilidade de
confluência da Ciência e da Poesia, pois tal aliança
passou a ser exigida pelo
“chreodos” epistemológico criado pela
convergência de saberes (BADIA, 1999, p. 21 a 23).
11. Antropologia profunda e
“filosofia geral”
Através do novo espírito
antropológico, Durand,
segundo Denis Badia, estabeleceu o caráter antropológico,
hermenêutico e
filosófico da antropologia do Imaginário, o que a fez com
que se elaborasse
como uma antropologia profunda e uma “filosofia geral”
centrada em um pensamento
simbólico. Essa perspectiva de elaboração, por sua
vez, abriu as possibilidades
de “um retorno ao mito” através de uma
“mitodologia” como também de um
“reencantamento do mundo” enquanto
projeto-vetor-escatológico. Isso se
estabeleceu através da desmistificação do
pensamento desmitizador - que se
caracteriza na falsa antinomia historicista e filosófica
ocidental do mito e da
história -, como também em uma
“desmistificação às avessas”, ou seja,
o
reencontro do numinoso nos aspectos sagrados sob o profano que
fundamentam esse
mesmo pensamento desmitizador (BADIA, 1999, p. 23 e 24).
12. Mitodologia
A elaboração de uma
mitodologia permitiu a construção
de uma filosofia geral da metodologia e da epistemologia da
Antropologia capaz
de realizar em, um primeiro momento, um “retorno ao mito” e
suas relações com
os arquétipos (“démarches” primárias e
espontâneas). Construção essa capaz de
apreender os símbolos que se manifestam a partir do
imaginário do homem, não só
através de sua relação com um tempo
histórico, mas também de sua relação com o
tempo mítico e que se manifesta desde os primórdios do
homem. Mas essa
filosofia geral propiciou em, um segundo momento, a
elaboração de uma gnose -
através de uma desinscrição ontológica que
se expressa enquanto uma espécie de
teologia, uma teologia sem teólogos -, capaz de apreender por
sua vez as
“démarches” secundárias dos estudos dirigidos
ao homem (BADIA, 1999, p. 24 e
25).
13. Reencantamento do mundo
O reencatamento do mundo surge a partir da
percepção
de que uma mitodologia ligada à construção de uma
filosofia geral da
metodologia, bem como da epistemologia da antropologia, proporciona uma
visão
de que “homo simbólicus” se completa no “homo
religiosus” (BADIA, 1999, p. 24 e
25).
14. Imagem
A imagem, segundo Durand, se constitui
enquanto uma
cópia autêntica da sensação ou apenas a
sinalização de alguma coisa. Sendo que
ao se colocar como cópia fiel realiza-se como
adequação total, uma presença
perceptiva daquilo que é sentido; por outro lado, ao só
sinalizar algo,
realiza-se a partir de uma inadequação extrema daquilo
que é sentido, ou seja,
produz um signo sempre separado de seu significado que não seria
mais que um
símbolo (DURAND, [199-], p. 8).
15. Signo
Os signos, de acordo com Durand,
configuram-se como
subterfúgios de economia que remetem a um significado que
poderia estar
presente ou ser verificado. Temos, como exemplo, o sinal que previne
sobre a
presença de um determinado objeto que possa representar. Da
mesma forma que uma
palavra, uma sigla, um algoritmo poderia substituir de forma
econômica uma
longa definição conceitual. Porém, sendo os
símbolos constituídos dessa forma,
ou seja, com um meio de se economizar operações mentais,
nada impediria de
serem utilizados de maneira arbitrária. Mas existiriam casos em
que os signos
são obrigados a perder o seu aspecto arbitrário. Isso
aconteceria quando
remetem para abstrações ligadas às qualidades
espirituais ou aos domínios da
moral. Qualidades que seriam de difícil
apresentação “em carne e osso”. O pensamento
não costuma abrir-se ao arbitrário quando deseja
significar a Justiça ou a
Verdade, justamente porque tais conceitos seriam menos evidentes do que
os que
se assentariam em percepções objetivas. Segundo Durand, a
alegoria seria a
tradução da concreticidade de uma idéia de
difícil compreensão ou de expressão
muito complexa para ser exposta de um maneira simplificada. Portanto,
podemos
distinguir, em tese, dois tipos de signos: o signos arbitrários
que seriam
indicativos, que remeteriam para uma significação, se em
um primeiro momento
não presente pelo menos apresentável; e os signos
alegóricos que remeteriam
para uma significação que dificilmente pode ser
apresentada (DURAND, [199-], p.
8).
16. Trajeto hermenêutico
O “trajeto
hermenêutico”, que envolve sobretudo a
“hermenêutica oriental” de Corbin e a gnose da Escola
de Eranos, implica em uma
recondução ao/do Imaginal que se estabelece a partir de
uma experiência vivida
e uma experienciação da
imagem-ícone-símbolo. Sendo que a operatividade
icônica, que surge dessa experiência e dessa
experienciação com o mundo das
imagens, é capaz de instaurar uma eficácia
simbólica e uma eficácia imaginal do
numinoso. Dessa forma, tal recondução constitui-se em uma
re-unificação que
supera a falsa oposição entre monoteísmo e
politeísmo, pois realiza-se enquanto
um teomonismo, ou seja, um conhecimento perfeito da totalidade dos
caminhos que
levam ao resgate do imaginal como do entendimento das
funções simbólicas do
mesmo (BADIA, 1999, p. 40 e 41).
17. Imaginação
Segundo Corbin, citado por Denis Badia, a
Imaginação
é um “entre dois”, pois de um lado, a
Imaginação está subjugada a uma
percepção
do sensível, onde suas imagens não vão para
além desse nível. De outro lado,
está a serviço do intelecto, possuindo um caráter
de mediação entre o
“intellectus sanctus” e o “sensorium”.
Suas imagens aí se estabelecem de forma
metafísica. Seria o órgão do
conhecimento profético. Assim, de acordo com Corbin: (...) a ambigüidade da Imagem se deve ao fato de que possa
ser, por um lado,
um “ídolo” (o grego “eidolon”) e que
possa, por outro lado, ser um “ícone” (o
grego “eikon”). É um “ídolo”
quando estanca sobre si mesma a visão do
contemplador. É opaca, sem transparência, situando-se ao
nível de onde emergiu.
Mas é um “ícone” quando se trata de uma
imagem gráfica ou de uma imagem mental,
quando sua “transparência” permite ao contemplador
ver através dela mas além
dela e porque aquilo que está além dela não pode
ser percebido senão através
dela. Tal é o
estatuto da Imagem que se chama “forma teofânica. (BADIA,
1999, p. 41)
18. Sobreconsciência
Bibliografia
BADIA, Denis Domeneghetti. Imaginário
e ação cultural: as
contribuições de de G. Durand e a Escola de Grenoble.
Londrina: Editora UEL,
1999.
Texto apresentado no livro Alinhavos em Ciências Humanas,
organizado pelo Prof. Dr. Nilson Santos e lançado em 2008 pela
Editora da
Universidade Federal de Rondônia (Edufro)
Professor
do
Departamento de História da Universidade Federal de
Rondônia - e-mail: allle1@yahoo.com.br