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Universidade Federal de Rondônia
Revista Eletrônica do
Centro de Estudos do Imaginário

Labirinto - Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário

  

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As estruturas antropológicas do Imaginário e o “tríplice juramento de Hermes” [1]

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  Alexandre Pacheco[2]

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Primeiras Notas






CONSELHO EDITORIAL
Arneide Cemin
Ednaldo Bezerra Freitas
Valdir Aparecido de Souza

  

                                   

Nosso texto tem como intenção apreender à luz de alguns conceitos oriundos da antropologia do Imaginário uma maneira dos antropólogos afirmarem sua ciência a partir de uma concepção do homem, enquanto produto das interações do meio sócio-cultural, psicológico e biológico. Para isso, centraremos nosso estudo sobre as seguintes afirmações de Gilbert Durand:

 (...) ... Não deve o antropólogo postar, em sua alma e em sua consciência, sob pena de insignificância, o que eu chamaria de “juramento de Hermes”? tríplice juramento, como seria de se esperar, afirmando de início que o homem é uma constante com relação à qual podemos, na melhor das hipóteses, prever as recorrências: a seguir, que o homem é a ambigüidade paradigmática, a multiplicidade antagonista, o paradoxo criador: enfim que o homem é o modelo primordial – a própria imagem de Hermes para o qual todo universo que ele usa não é senão um espelho, quer dizer, um símbolo... tríplice juramento que precisamente funda a arte e a ciência do antropólogo sobre a recorrência, o paradoxo e a similitude. (BADIA,1999, p. 25 e 26.)
Partiremos, então, da análise da primeira afirmação do “juramento de Hermes, para, em seguida, nos determos sobre as outras proposições que resultam desse procedimento analógico como caminho que deve ser considerado dentro da arte e da ciência dos antropólogos.

Dizer que “o homem é uma constante”, leva-nos de início a afirmarmos que as estruturas antropológicas de seu imaginário se configuram enquanto estruturas a-históricas de reprodução da cultura, pois resultam das ações subjetivas que são mobilizadas pelos arquétipos do inconsciente coletivo e que desde os primórdios estão presentes no homem. 

Mas como apreender através do Imaginário tais estruturas de reprodução da cultura?

Em As Estruturas Antropológicas do Imaginário, Gilbert Durand, para desenvolver o estudo do sentido dos significantes dos símbolos estruturais da imaginação, elaborou o conceito de trajeto antropológico, o que o levou a uma necessária procura das categorias de motivação dos símbolos do Imaginário nos comportamentos triviais do psiquismo humano, bem como o ajustamento desses comportamentos aos seus complementos sócio-biológico-culturais.

Assim, o conceito de trajeto antropológico do imaginário se constituiu - após vários estudos sobre a imaginação simbólica - em um instrumento metodológico capaz de apreender de acordo com as próprias palavras do autor:

(...) a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social. (DURAND,1997, p. 29).

 Porém, qual foi o fundamento principal em que o autor se apoiou para o desenvolvimento desse trajeto da imaginação?

Apoiou-se na idéia da existência de uma reversibilidade natureza x cultura criadora do homem, ou seja, de que existe uma gênese recíproca que se estabelece a partir das relações entre o gesto pulsional e o meio material e vice-versa. Sendo que a investigação antropológica deve se instalar no intervalo dessas relações reversíveis. Novamente de acordo com Durand:

(...) No fim de contas, o imaginário não é mais que esse trajeto no qual a representação do objecto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito, e no qual, reciprocamente, como provou magistralmente Piaget, as representações subjetivas se explicam “pelas acomodações anteriores do sujeito” ao meio objetivo. O (...) símbolo é sempre o produto dos imperativos biopsíquicos pelas intimações do meio. (DURAND ,1997, p. 30)

Dessa forma, o conceito de trajeto antropológico enquanto instrumento metodológico revolucionou a antropologia. Sua utilização para a realização de estudos sobre o imaginário proporcionou de forma indistinta a possibilidade de se partir tanto da cultura ou do natural psicológico, já que o que existe de essencial da representação e do símbolo se estabelece entre esses aspectos reversíveis da realidade.

Mas como o Imaginário foi concebido em estruturas a partir do conceito de trajeto antropológico, para que possamos continuar a nossa explicação sobre o fato do homem ser uma constante dentro da antropologia deste autor? 

Se o trajeto antropológico deve se instalar no intervalo de reversibilidade entre a cultura e o natural psicológico, temos, a partir disso, o estabelecimento do imaginário, enquanto um reservatório antropológico, onde se é possível recortar esquemas, trajetos, a partir de imagens que são dadas pelas culturas ou pelas análises psicológicas. Estes esquemas são capazes, por sua vez, de fornecer as intencionalidades contidas na estética dos fenômenos antropológicos (BADIA, 1999, p. 4), ou seja, os “símbolo funcionais” ou os “símbolos motores”  que fazem a junção não entre a imagem e o conceito, mas entre os gestos inconscientes sensório-motores, entre as dominantes reflexas e as representações.

Assim, são os esquemas que começam por dar uma primeira idéia de estruturação do imaginário, pois constituem-se de uma maneira dinâmica em esqueleto funcional da imaginação, estabelecem o trajeto dos gestos reflexiológicos encarnados em representações concretas. De acordo com o autor (...) o esquema aparece como o “presentificador” dos gestos e das pulsões inconscientes. (DURAND, 1997, p. 60)

Mas a problemática do Imaginário do homem, enquanto uma recorrência, não se limita à sua amostragem a partir dos esquemas, justamente porque o Imaginário implica outras sobreposições estruturais sobre estes mesmos esquemas. Vejamos:

Se o imaginário tem suas origens na corporeidade dos esquemas, estes, por sua vez,   induzem as imagens arquetípicas, pois a diferenciação dos gestos em esquemas determina em contato com o ambiente natural e social os grandes arquétipos. Estes constituem-se enquanto substantificações dos esquemas. Dessa forma, a noção de arquétipo se faz dentro da idéia de sinônimo de “imagem original” que, em Jung, evidencia-se como trajeto antropológico:

 (...) A imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições interiores da vida do espírito e da vida em geral. (DURAND, 1997, p.60) 

Por isso, o arquétipo sendo intermediário entre esquemas subjetivos e imagens constituídas a partir do ambiente, coloca-se dentro de um estágio preliminar como mais uma etapa da estruturação do imaginário, justamente por estruturar uma zona matricial da idéia, pois esta constitui-se como o comprometimento pragmático do arquétipo em um determinado contexto histórico e epistemológico. De acordo com Jung, citado por Durand: (...) “as imagens que servem de base a teorias científicas mantêm-se nos mesmos limites.... (que as que inspiram contos e lendas)”. (DURAND, 1997, p.61)

Portanto, a importância essencial dos arquétipos reside na percepção de que formam  estruturas simbólicas, que engendram relações entre o imaginário e os processos racionais.

As recorrências do Imaginário, porém, vão além dessa estruturação do mesmo pelos arquétipos, e devemos dizer que o entendimento do imaginário deve ser considerado dentro também das relações dos arquétipos com os símbolos.

O símbolo constitui-se como uma forma inferior porque possui caráter singular do esquema que se apresenta, muitas vezes, na particularidade de um “objeto sensível”, que é uma imagem concreta do arquétipo do esquema.

Para Durand:

(...) Enquanto o arquétipo está no caminho da idéia e da substantificação, o símbolo está simplesmente no caminho do substantivo, do nome, e mesmo algumas vezes do nome próprio. (DURAND, 1997, p.62)

 

Essa concreticidade do símbolo, porém, reverte-lhe uma grande fragilidade, pois perdendo polivalência, ele tende a se aproximar muito de um simples signo, o que o faz imigrar do semantismo para o semiologismo. 

A ocorrência, por sua vez, de uma relação formadora de um sentido racional entre os arquétipos e os símbolos culminam na estruturação de um sistema que se constitui como um esforço de racionalização e que se faz a partir da constituição dos mitos. Sistema este que se encontra na base das grandes doutrinas e pensamentos filosóficos. 

Como pudemos notar até aqui, o Imaginário, enquanto uma recorrência que pode ser apreendida  a partir de um trajeto do sentido antropológico das imagens produzidas pelo homem em confronto com o meio psico-biológico-cultural, é formado, enfim, por um sistema de estruturas capazes de designar os esquemas originais que agrupam certos protocolos normativos das representações imaginárias.

Definido, dessa forma, o imaginário do homem como uma recorrência de estruturas antropológicas capazes de conterem subjetividades que são ativadas por toda uma gama de arquétipos do inconsciente coletivo, desde os primórdios da existência do homem e que reproduzem constantemente a cultura, partiremos para a análise do segundo aspecto do “juramento de Hermes”. Este, proposto por Durand, enquanto perspectiva que deve ser considerada quando da análise do Imaginário pelos antropólogos, ou seja, de que o homem deve ser encarado como “um paradoxo criador”.

Dentro da perspectiva da antropologia do Imaginário, em Gilbert Durand, desenvolveu-se um solo comum de hermenêuticas que culminaram em uma nova maneira dos antropólogos conceberem o homem. Isso, justamente por causa de uma concepção de cultura, que passou a ser transversalmente construída juntamente com as ações subjetivas ligadas a ela para a análise das representações do Imaginário.

Tal perspectiva hermenêutica em Durand desenvolveu-se dentro do chamado “novo espírito antropológico”, que passou, sobretudo, a partir do “pensamento tradicional” como também do “pensamento holonômico”, a apreender o homem enquanto uma “ambigüidade paradigmática”.

Por parte do pensamento tradicional que abrange, de um lado, a Escola de Eranos, e de outro, “a hermenêutica oriental de Corbin”, surgiu uma orientação gnóstica baseada em investigações interdisciplinares, vinda, sobretudo, a partir da arquetipologia jungiana e da mitologia comparada, e que culminaram na fundação de uma antropologia hermenêutica do sentido, ambos aspectos fundadores do “estruturalismo simbólico” e da “hermenêutica docetista” de Durand (BADIA, 1999, p.17 a 19).

Com relação ao pensamento holonômico, a antropologia de Durand desenvolveu-se pelo lado da ciência, a partir de um pensamento “pós-Bachelard” definidor de uma ciência holonômica e que se traduziu em um pensamento simbólico capaz de confluir Tradição e Ciência, e Ciência e Poesia. Dessa perspectiva, surgiu uma forma de abordagem de uma nova filosofia dentro da antropologia que levaria à valorização da “transdução”. Método para estudo da função simbólica que estabeleceu a constituição de um saber unitário com suas diversificações e que levou à confluência da Tradição e da Ciência, dentro da idéia de uma “fenomenologia da gnose” e “da gnose como situação existencial” (BADIA, 1999, p.21 a 23) enquanto posicionamento epistemológico.

Assim colocadas, tais perspectivas advindas do pensamento tradicional e do pensamento holonômico proporcionaram a construção de um procedimento analógico, que a partir de um enfoque transversal possibilitou o estudo do Imaginário através de uma análise da cultura do homem, desde seus primórdios.  

Dessa forma, o novo espírito antropológico, segundo Denis Badia, estabeleceu o caráter antropológico, hermenêutico e filosófico da antropologia do Imaginário, o que a fez  elaborar-se como uma antropologia profunda e uma “filosofia geral” centrada em um pensamento simbólico. Essa perspectiva , por sua vez, abriu as possibilidades de “um retorno ao mito” através de uma “mitodologia” como também de um “reencantamento do mundo” enquanto projeto-vetor-escatológico. Isso, através da desmistificação do pensamento desmitizador - que se caracteriza na falsa antinomia historicista e filosófica ocidental  do mito e da história -, como também em uma “desmistificação às avessas”, ou seja, o reencontro do numinoso nos aspectos sagrados sob o profano que fundamentam esse mesmo pensamento desmitizador (BADIA, 1999, p.24).

Esta “antropologia profunda” e esta “filosofia geral” foram, então, capazes de demonstrar como o homem, enquanto um ser complexo, deve ser culturalmente constituído a partir de todo um trajeto hermenêutico que o estabelece como uma ambigüidade paradigmática.  

Assim, percebemos que este trajeto hermenêutico para a estruturação da antropologia do Imaginário, em Durand, proporcionou - a partir de uma experiência e de uma experienciação com o mundo do imaginal em várias perspectivas paradigmáticas em relação ao imaginário do homem -, a instauração de uma eficácia simbólica e uma eficácia imaginal do numinoso capaz de provocar o “reencantamento do mundo” por tanto tempo singrado pelo dualismo cartesiano.

A idéia de um “reencantamento do mundo” relacionada a um resgate da eficácia do imaginal em nossa civilização, leva-nos à discussão do terceiro aspecto do “julgamento  de Hermes”, utilizado enquanto parte de uma nova postura do antropólogo, e que diz respeito a uma apreensão do homem, a partir da similitude que as imagens produzidas pelo mesmo possuem em suas relações com a cultura e a natureza.

Utilizando-se das análises de Bachelard, vejamos como a forma teofânica constitui-se em similitude da cultura e da natureza.

Enquanto uma das hermenêuticas instauradoras da antropologia do Imaginário em Durand, a fenomenologia da imaginação em Bachelard foi decisiva com relação ao estudo da totalidade do imaginário, pois proporcionou um acesso à experiência na consciência dos mitos, dos ritos, apesar desse autor ter se concentrado na linguagem poética para estruturação dos seus estudos sobre as imagens. Sua antropologia reverteu devido ao seu próprio método uma integração maior dos poderes da imaginação, no centro da consciência (DURAND, [199-], p.71).   

Bachelard, partindo da análise da linguagem poética, foi capaz de nos mostrar como a imaginação simbólica, a partir do poema, constitui-se enquanto um espelho para o homem, pois a literatura poética denuncia em suas imagens uma revelação objetiva e ao mesmo tempo o enraizamento obscuro desta mesma revelação no indivíduo biológico (DURAND, [199-], p.61 e 62).

Mas foi justamente pela percepção de que a linguagem-poema confere um sentimento de percepção de um “não eu-meu” humanizador que leva o homem a se desempenhar plenamente em sua consciência e não se pautar só pela existência de uma árida objetividade ou de uma viscosa subjectividade (DURAND, [199-], p. 62), que o aspecto da imagem como similitude que ora discutimos, passou a possuir em Bachelard seus primeiros contornos essenciais.

Bachelard, de acordo com Durand, ao ter orientado sua investigação para o sobre-consciente poético, que se exprime a partir das palavras e das metáforas, como também para o sistema de expressão menos retórico da fantasia, possibilitou uma percepção criativa na imaginação dos aspectos afetivos e sentimentais e não só racionais do homem. Estes são captados naturalmente em suas simbologias tanto pelos próprios poetas como pelos leitores de poesia. Tal prospecção fenomenológica dos símbolos poéticos proporcionou, aos poucos, na obra desse autor, as perspectivas de uma ontologia simbólica, que, a partir de encerramentos sucessivos, conduziria aos três grandes temas da ontologia: o eu, o mundo e Deus (DURAND, [199-], p. 64).

Assim, a partir do desenvolvimento dessa ontologia, através de uma cosmologia simbólica dos quatro elementos e todos os seus derivados que inspiram a criação poética - lugar natural onde o imaginário se prende à sensação - Bachelard procurou realizar um resgate da eficiência do imaginal devido ao fato de tal cosmologia simbólica ser capaz de demonstrar uma expressão plena do homem no mundo. Daí, então, percebermos, como aos poucos o autor nos proporcionou o entendimento da imaginação enquanto similitude, pois nesta cosmologia material não existe, segundo Durand:

(...) oposição entre a fantasia e a realidade sensível, mas “cumplicidade... entre o eu sonhador e o mundo determinado, existe conivência secreta numa região intermédia, uma região plena, de uma plenitude de fraca densidade. (DURAND, [199-], p.65).

Trata-se, portanto, da revelação de uma sobreconsciência poética dos símbolos da emoção, do desejo, da criação artística, da idéia, denunciadora de sua relação de similitude com os quatro elementos, mas que não se limita as quatro sensações desses elementos, pois amplifica-se a partir das mais variadas sensações e das relações possíveis entre elas, apoderando-se a fenomenologia de Bachelard de tais imagens para reconstrução de um mundo acolhedor das atitudes do homem,(...) um mundo de felicidade pela concordância. (DURAND, [199-], p. 65)

Mas se o cosmos simbólico remete, então, à felicidade do homem, da mesma forma e paralelamente uma consciência ligada a esse sobreconsciente simbólico em sua expressão imaginária complexa, faz-se dentro de uma consciência plena, dialogante, criadora, pois o ser que participa da consciência em Bachelard, segundo Durand, nos mostra sua relação inerente com um ser dele mesmo que sempre o interpela através dos símbolos. Esse ser que participa da consciência, de acordo com Durand, que nos é revelado no sobreconsciente poético, realiza-se plenamente no momento de seu encontro súbito com a anima mediadora, consoladora, que permite ao solipsismo do cogito ligar-se ao mundo (DURAND, [199-], p. 66) dentro de um aspecto de concordância consciente diante das coisas dos outros, o que o faz a partir daí entender o universo como um espelho, quer dizer, um símbolo do qual a sua consciência é parte constitutiva. Segundo Durand:

(...) “O cogito está no interior do ser e não o inverso.” Teríamos vontade de escrever que o cogito bachelardiano é secretamente preparado pelo ser. Bachelard encontra nesta descoberta da anima poética a angelologia do “medium” imaginário. A anima do sonhador não é mais do que o Anjo Outro que anima e “interpela” a sua alma. Mas, sobretudo, esta fenomenologia do símbolo descobre a “quadripolaridade” do sonhador e do ser sonhado.  “Eu estou só, logo somos quatro” e Bachelard vai esboçar uma espécie de erótica dos “quatro seres em duas pessoas, ou melhor, dos quatro seres num sonhador e numa fantasia”, ao referir-se directamente ao Banquete (...) de Platão. Isto porque, sendo o sonhador duplo por natureza psicoanalítica, projeta por sua vez, uma espécie de projeção cruzada, um objeto do seu sonho que também é duplo...“O nosso duplo (sonhado) é o duplo do nosso ser duplo...” O que a fenomenologia  do símbolo encontra na base da antropologia que inaugura, é uma Androginia. No plano do cosmos, o símbolo levava a reconhecer  uma fraterna e feliz consubstancialização entre o macrocosmos e microcosmos, embebendo-se o espírito sensorial de um na materialidade do outro, e a materialidade de um ganhando sentido sob a fantasia tecnicista do outro. No plano da antropologia, o símbolo leva a uma co-naturalidade “do homem e da mulher intímos”, que, na fantasia, “falam para confessar os seus desejos, para comungar” através do jogo dos seus quatro pólos reunidos dois a dois,“na tranquilidade de uma dupla natureza em boa concordância”. (DURAND, [199-], p.67)
Como podemos notar através da fenomenologia de Bachelard, o imaginário captado, a partir da linguagem poética, revela-se dentro de uma perspectiva de fenômeno que possui similitude simbólica com o mundo, devido ao fato da consciência somente poder entender-se como plena, a partir de suas relações estreitas com o chamado sobreconsciente simbólico mobilizador de forças subjetivas que emanam da relação do homem diante de sua reprodução cultural em confronto com a natureza.       

Para finalizarmos, as relações estabelecidas a partir dos ensinamentos da metáfora do tríplice “juramento de Hermes” enquanto caminho metodológico e epistemológico do antropólogo, que passa pela idéia do homem enquanto uma constante, um paradoxo criador, como também “a própria imagem de Hermes” para o qual todo o universo que ele utiliza não é senão um espelho, um símbolo, leva-nos às seguintes conclusões:

1- Que o homem pode ser entendido a partir de certas estruturas de seu imaginário, que desde os primórdios são capazes de produzir certas ações subjetivas a partir de toda uma dinâmica de arquétipos de seu inconsciente coletivo.

2 - Tais estruturas só podem ser mobilizadas através de uma gama de hermenêuticas que revertem a partir da idéia de uma construção transversal da cultura um saber unitário, ou seja, gnóstico sobre o homem e suas relações de reprodução cultural diante da natureza.

3 - Se o imaginário constitui-se como uma representação simbólica da própria maneira de como o homem se relaciona com o mundo, ou seja, se revela uma similitude com esse mesmo mundo, então, a antropologia do Imaginário constitui-se como um resgate da eficácia simbólica do imaginal, em nossa sociedade contemporânea, abrindo caminho para que o homem moderno possa se encontrar com o próprio Hermes que o habita desde os primórdios, e, assim, fazer-se unitário em sua constituição, tanto racional como mitológica.

Estes três aspectos, que devem ser considerados pelos antropólogos para o estudo do homem e seu imaginário, podem ser vislumbrados pela própria trajetória de Hermes:

Hermes surgiu na alvorada, diz o hino homérico e, sem fazer barulho, saiu discretamente da caverna onde nasceu. Com suas formas simultaneamente móveis e definitivas, tem traços que permanecem constantes desde a antigüidade até os tempos modernos: “sua função de guia, ligada a sua extrema mobilidade”, e “seu domínio do discurso e da interpretação, <é> garantia de um certo tipo de saber”. Voa através do vento e das nuvens como mensageiro dos deuses, sem, contudo, percorrer uma “estrada que liga dois pontos”, pois o objetivo geográfico não importa; faz do caminho, enquanto aquisição do saber, “um mundo em si”. “Reivindica a glória de haver descoberto as ciências e as artes” e converte-se em “mestre de um certo saber, ou melhor, de uma maneira de alcançar o conhecimento, divino, gnóstico, eclético. (PEREIRA, 2001, p. 183)

Principais conceitos utilizados:

1. Imaginário

Denis Domeneghetti Badia, ao discutir em seu Imaginário e Ação Cultural o conceito de Imaginário, utilizou-se da seguinte afirmação de Gilbert Durand para auxiliá-lo: “O imaginário é o universo das polissemias simbólicas que constituem o domínio dos conjuntos psicoculturais.” Sendo que tal compreensão sobre o imaginário levou Durand, segundo Badia, ao desdobramento de algumas “balizas hermenêuticas” que se estabelecem em cinco blocos de proposições:

1. As polissemias simbólicas ou conjunto psicoculturais constituem-se de forma plural e descontínua, pois formam sistemas diferenciados de conjuntos imaginários, nos quais a coerência de classificação dos grandes complexos míticos e simbólicos que os compõem, supõe uma modelização matemática da descontinuidade que existe entre os mesmos. Essa realidade, por sua vez, faz com que não haja a possibilidade de redução de um conjunto em relação ao outro, de acordo com o valor e a opção que possam ser dadas pelas hermenêuticas que os instauram, e daí a necessidade da existência de uma epistemologia politeísta.

2. Os conjuntos semânticos (porque envolvem uma imagem literal e outra profunda das polissemias ou conjuntos) provindos das polissemias simbólicas ou conjuntos psicoculturais constituem-se de forma sistêmica, dentro de uma “coerência dialética tetrapolar” aplicada ao imaginário de uma forma geral, o que quer dizer que, se por um lado, não há possibilidade de redução de um conjunto ao outro, existe a possibilidade de transformação dos mesmos, pois um conjunto coerente de imagens literais, explícitas, potencializa outro conjunto de imagens coerentes que se constituem de maneira implícita e latente em relação ao conjunto manifesto. Tal equivalência entre os conjuntos mostraria que uma identidade sempre é estabelecida a partir de suas relações com uma alteridade, o que necessariamente introduz o inconsciente na dinâmica do simbólico.

3. O salto semântico - que caracteriza a mudança dos sistemas que compõem as polissemias simbólicas ou os conjuntos psicoculturais nos seus aspectos semânticos de coerência dialética tetrapolar - manifesta-se - de acordo com a recorrência de Durand à teoria das catástrofes e tendo-se em mente a catástrofe absoluta do sistema, bem como, ao “ciclo de histerésis”, ou seja, a repetição dos estados passados de um sistema - de duas maneiras: de um lado, pela destruição do sistema a partir da perda de potencial ou tensão dialética, o que em termos de polissemia simbólica, significa provocar uma “de-simbolização” por entropia do simbolizante, ou acarretar por saturação, a transformação dos símbolos em sintemas e signos. De outro, a provocar um reequilíbrio do sistema devido a saturação não chegar às últimas conseqüências, atingindo-se uma contraposição simbólica inconsciente que aos poucos se impõe a uma tendência unilateral simbólica anteriormente dominante. Mas diante dessas possibilidades, o sistema realiza um salto semântico reequilibrador, porém, que não permite nem previsão e controle sobre o que se seguirá a partir do mesmo: trata-se, como fala Badia, de uma indecibilidade-limite. Assim, sistemas simbólicos estarão sempre sujeitos ao “equilíbrio contraditorial” através de saltos ou catástrofes indecidíveis. E isso, segundo Badia, devido a duas razões: primeiro, em razão do próprio conflito das identidades, o que, em Durand, se transforma em lei: (...) uma mudança é indecidível na razão direta de sua carga semântica, isto é, de sua carga em significado, e em razão inversa de sua precisão de localização lexical, de sua identidade espacial; segundo, porque no domínio do imaginário não lidamos, de acordo com Badia, apoiado nos trabalhos de Lupasco, (...) com “sistemas assimétricos contraditoriais’ como o macrofísico e o biológico, mas com ‘sistemas simétricos contraditoriais’, como o microfísico e o psíquico, esses últimos como ‘sistemas T’, definem a matéria-energia-psíquica e os sistemas simbólicos que são seus produtos, de modo que o universo dos sistemas psicosimbólicos é o universo do “contraditorial” ou da ‘conflitorialidade”. (BADIA, 1999, p. 27 a 30)

4. O imaginário é apreendido a partir de uma lógica de transdução, ou seja, a partir elaboração de uma gnose, tanto como saber unitário e suas diversificações, como para situação existêncial.  

5. Sendo o imaginário constituído por um sistema de sistemas deve, necessariamente, dar conta de uma semelhança de estrutura e de origem entre as formulações matemáticas e os procedimentos poéticos em suas expressões (BADIA, 1999, p.27 a 31).

2. Trajeto antropológico

Em As Estruturas Antropológicas do Imaginário, Gilbert Durand, para desenvolver o estudo do sentido dos significantes dos símbolos desenvolveu o conceito de trajeto antropológico, justamente por afirmar que as motivações que engendram os símbolos não podem ser explicadas de forma linear do tipo dedução lógica ou mesmo através de uma narrativa introspectiva. Por isso, procurou desenvolver um método compreensivo das motivações que substituísse o determinismo de tipo causal, e que as estabelecesse através de categorias compactas de determinações que apresentam complicações simultâneas em diversas direções, sendo tais aspectos pluridimensionais e, dessa forma, espaciais do mundo do símbolo, essenciais; ou seja, o desenvolvimento de um método que passou a dar conta do poder dos símbolos de ligarem mais do que as contradições naturais, os elementos inconciliáveis, as compartimentações sociais e as segregações dos períodos históricos. Isso levou a uma necessária procura das categorias de motivação dos símbolos, a partir dos comportamentos triviais do psiquismo humano, bem como o ajustamento desse comportamento aos seus complementos ou aos seus jogos semiológicos. Para tanto, Durand afirmou que para se estudar o simbolismo imaginário foi preciso enveredar pela via da antropologia, e daí o estabelecimento de um trajeto antropológico do imaginário, que se constituiu em um conceito metodológico capaz de apreender, de acordo com suas próprias palavras (...) a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social. (DURAND, 1997, p. 29)

Este conceito apoiou-se na idéia de que existe uma gênese recíproca que se estabelece a partir das relações entre o gesto pulsional e o meio material, e vice-versa; sendo que é neste intervalo, neste caminhar que se forma a partir de relações reversíveis que deve se instalar a investigação antropológica. De acordo com Durand: (...) No fim de contas, o imaginário não é mais que esse trajeto no qual a representação do objecto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito, e no qual, reciprocamente, como provou magistralmente Piaget, as representações subjetivas se explicam “pelas acomodações anteriores do sujeito” ao meio objetivo. O (...) símbolo é sempre o produto dos imperativos biopsíquicos pelas intimações do meio. (DURAND, 1997, p.30).

Colocado dessa forma, o trajeto antropológico pode, de forma indistinta, partir tanto da cultura ou do natural psicológico, já que o que existe de essencial da representação e do símbolo se estabelece entre esses aspectos reversíveis da realidade. Essa posição, por sua vez, levou Durand a adotar uma metodologia de investigação antropológica do imaginário apoiada na pesquisa sobre a psicanálise, as instituições rituais, o simbolismo religioso, a poesia, a mitologia, a iconografia (DURAND, 1997, p. 30 e 31).      

3. Esquemas

Segundo Durand, o imaginário constitui-se no reservatório antropológico onde é  possível recortar esquemas, os trajetos, a partir de imagens que são dadas pelas culturas ou pelas análises psicológicas, capazes de fornecerem as intencionalidades contidas na estética dos fenômenos antropológicos. Assim, o termo esquema significa nas palavras de Durand: (...) uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, constitui a factividade e a não-substantividade geral do imaginário. (DURAND, 1997, p. 60)

O esquema constitui-se como o “símbolo funcional” ou o “símbolo motor” . Faz a junção não entre a imagem e o conceito, mas entre os gestos inconscientes sensório-motores, entre as dominantes reflexas e as representações. São os esquemas que estruturam de forma dinâmica o esqueleto funcional da imaginação. Os esquemas estabelecem o trajeto dos gestos reflexiológicos encarnados em representações concretas. De acordo com Durand: (...) ao gesto postural correspondem dois esquemas: o da verticalização ascendente e o da divisão quer visual quer manual, ao gesto do engolimento corresponde o esquema da descida e o acocoramento na intimidade. Como diz Sartre, o esquema aparece como o “presentificador” dos gestos e das pulsões inconscientes. (DURAND, 1997, p. 60)

4. Arquétipos

Se o imaginário tem suas origens na corporeidade dos esquemas, estes, por sua vez, induzem as imagens arquetípicas. A diferenciação dos gestos em esquemas determinam em contato com o ambiente natural e social os grandes arquétipos. Estes constituem as substantificações dos esquemas. Dessa forma, a noção de arquétipo se realiza, enquanto sinônimo de “imagem original”, que em Jung se evidencia como trajeto antropológico: (...) “A imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições interiores da vida do espírito e da vida em geral...” (DURAND, 1997, p. 60)

 Por isso, o arquétipo, sendo intermediário entre esquemas subjetivos e imagens constituídas a partir do ambiente, coloca-se como o estágio preliminar, a zona matriz da idéia; esta constitui-se como o comprometimento pragmático do arquétipo em um determinado contexto histórico e epistemológico. De acordo com Jung, citado por Durand: (...) “as imagens que servem de base a teorias científicas mantêm-se nos mesmos limites... (que as que inspiram contos e lendas)”. (DURAND, 1997, p. 61)

Portanto, os arquétipos possuem importância enquanto ponto de relação entre o imaginário e os processos racionais.

5. Símbolo

O símbolo constitui-se como uma forma inferior porque possui caráter singular do esquema, que se apresenta muitas vezes na particularidade de um “objeto sensível”, que se coloca como uma imagem concreta do arquétipo do esquema.

Para Durand: (...) Enquanto o arquétipo está no caminho da idéia e da substantificação, o símbolo está simplesmente no caminho do substantivo, do nome, e mesmo algumas vezes do nome próprio. Essa concreticidade do símbolo, porém, reverte-lhe uma grande fragilidade, pois perdendo polivalência, o símbolo tende a se aproximar muito de um simples signo, o que o faria imigrar do semantismo para o semiologismo (DURAND, 1997, p. 62). 

6. Mito

G. Durand entende por mito (...) um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a compor-se em narrativa. (DURAND, 1997, p. 63 e 64)

 Assim, o mito constitui-se como um esforço de racionalização, já que utiliza o caminho do discurso, em que símbolos se transformam em palavras e os arquétipos em idéias. O mito se explicita a partir de um esquema ou um grupo de esquemas, o que o leva a promover a doutrina religiosa, o sistema filosófico, a narrativa histórica e lendária. E Durand nos proporciona o exemplo da obra de Platão, em que o pensamento racional está irremediavelmente ligado a um sonho mítico e, muitas vezes, possui saudade dele.     

7. Estruturas    

As estruturas definem-se em Durand como uma outra maneira de se designarem os esquemas originais que agrupam certos protocolos normativos das representações imaginárias, conceitualizados e relativamente estáveis, cuja existência pode ser percebida através do isoformismo dos esquemas, arquétipos e símbolos no centro dos sistemas míticos ou de constelações estáticas. Durand afirma o conceito de estrutura da seguinte forma: (...) O substantivo “estrutura”, acrescentado a atributos com sufixos tomados da etimologia da palavra “forma”, e que, na falta de melhor, utilizaremos metaforicamente, significará simplesmente duas coisas: em primeiro lugar que essas “formas” são dinâmicas, ou seja, sujeitas a transformações por modificações de um dos termos, e constituem “modelos”  taxionômicos e pedagógicos, quer dizer, que servem comodamente para a classificação mas que podem servir, dado que são transformáveis, para modificar o campo imaginário. Em segundo lugar, estando mais de acordo neste caso com Radcliffe-Brown que com Lévi-Strauss, esses “modelos”  não são quantitativos mas sintomáticos, as estruturas tal como os sintomas médicos são modelos que permitem o diagnóstico e a terapêutica. (DURAND, 1997, p. 63)

Dessa forma, em relação ao seu agrupamento em síndromas, o aspecto matemático constitui-se em um segundo plano, sendo tais estruturas descritas mais como modelos etiológicos do que de forma algébrica. A estrutura constitui-se enquanto uma forma transformável, realizando a função de protocolo motivador para todo um conjunto de imagens e tendendo a se reunir em uma estrutura mais ampla, e que Durand chama de Regime.

 

8. Novo espírito antropológico

Dentro da perspectiva hermenêutica e do legado através do qual se recorta a antropologia do Imaginário de Durand (autor que matriciou a Escola de Glenoble), desenvolveu-se um solo comum de hermenêuticas que culminaram no novo espírito antropológico. Este espírito remete tanto “ao pensamento tradicional” como também ao “pensamento holonômico” (BADIA, 1999, p. 16 e 17).

9. Pensamento tradicional

De acordo com Garagalza, segundo Denis Badia, o pensamento tradicional abrange de um lado, a Escola de Eranos, e de outro,  “a hermenêutica oriental de Corbin”. Da Escola de Eranos, fundada por Jung em 1936, surgiu uma orientação gnóstica baseada em investigações interdisciplinares, sobretudo a partir da arquetipologia jungiana e da mitologia comparada e que culminaram na fundação de uma antropologia hermenêutica do sentido. Por gnose entendido-se “um conhecimento salvífico” que possui um referencial duplo: uma hermenêutica simbólica e o “mundus imaginalis”, ambos aspectos fundadores do “estruturalismo simbólico” e da hermenêutica docetista” de Durand. A partir daí, a hermenêutica simbólica de Durand utilizou-se da “Naturphilophie” romântica e suas ligações com a magia renascentista, com os poetas das “correspondências e similitudes”, com os “hermeneutas suspeitos” da psicologia profunda e da ciência das religiões, sobretudo da Escola de Eranos. Com isso, Durand pretendeu elaborar uma antifilosofia que resgatasse o sentido imaginal na filosofia ocidental cartesiana. Para isso, recorreu também à tradição hermética e sua hermenêutica simbólica, que resgatou o pensamento tradicional operativo pelos símbolos e que tem como concepção a “figura tradicional do Homem”; como também recorreu à concepção de homem elaborada pela antropologia simbólica ligada a outras concepções de tempo e espaço, em que a história se constitui como uma das formas de temporalidade. Daí, a constituição segundo Durand de uma “Anti-história da Antifilosofia” e de suas estruturas “antifilosóficas” que proporcionam o “retorno do mito”  (BADIA, 1999, p. 17 a 21).

 

10. Pensamento holonômico

O novo espírito antropológico desenvolveu-se também pelo lado da ciência, a partir de um pensamento pós-Bachelard”, através de um “novo espírito científico” definidor de uma ciência holonômica que se traduziu em um pensamento simbólico capaz de confluir Tradição e Ciência, e Ciência e Poesia, onde foi definida uma nova forma de abordagem da filosofia o que levou aos seguintes passos: primeiro, valorização da “transdução” enquanto “abordagem poética experimental” da realidade, a partir da medição de sua função simbólica e sua transformação em método. Por sua vez, essa transdução transformada em método levou ao estabelecimento de uma “bacia semântica gnóstica”, ou seja, a constituição de um saber unitário com suas diversificações. Assim, essa transdução levou à confluência da Tradição e da Ciência, dentro da idéia de uma “fenomenologia da gnose” e “da gnose como situação existencial”. Essa nova filosofia abriu caminho a uma integração em um plano de igualdade heurística dos saberes racionais e imaginários, o que levou a uma possibilidade de confluência da Ciência e da Poesia, pois tal aliança passou a ser exigida pelo “chreodos” epistemológico criado pela convergência de saberes (BADIA, 1999, p. 21 a 23).   

 

11. Antropologia profunda e “filosofia geral”

Através do novo espírito antropológico, Durand, segundo Denis Badia, estabeleceu o caráter antropológico, hermenêutico e filosófico da antropologia do Imaginário, o que a fez com que se elaborasse como uma antropologia profunda e uma “filosofia geral” centrada em um pensamento simbólico. Essa perspectiva de elaboração, por sua vez, abriu as possibilidades de “um retorno ao mito” através de uma “mitodologia” como também de um “reencantamento do mundo” enquanto projeto-vetor-escatológico. Isso se estabeleceu através da desmistificação do pensamento desmitizador - que se caracteriza na falsa antinomia historicista e filosófica ocidental do mito e da história -, como também em uma “desmistificação às avessas”, ou seja, o reencontro do numinoso nos aspectos sagrados sob o profano que fundamentam esse mesmo pensamento desmitizador (BADIA, 1999, p. 23 e 24).

 

12. Mitodologia

A elaboração de uma mitodologia permitiu a construção de uma filosofia geral da metodologia e da epistemologia da Antropologia capaz de realizar em, um primeiro momento, um “retorno ao mito” e suas relações com os arquétipos (“démarches” primárias e espontâneas). Construção essa capaz de apreender os símbolos que se manifestam a partir do imaginário do homem, não só através de sua relação com um tempo histórico, mas também de sua relação com o tempo mítico e que se manifesta desde os primórdios do homem. Mas essa filosofia geral propiciou em, um segundo momento, a elaboração de uma gnose - através de uma desinscrição ontológica que se expressa enquanto uma espécie de teologia, uma teologia sem teólogos -, capaz de apreender por sua vez as “démarches” secundárias dos estudos dirigidos ao homem (BADIA, 1999, p. 24 e 25).

 

13. Reencantamento do mundo

O reencatamento do mundo surge a partir da percepção de que uma mitodologia ligada à construção de uma filosofia geral da metodologia, bem como da epistemologia da antropologia, proporciona uma visão de que “homo simbólicus” se completa no “homo religiosus” (BADIA, 1999, p. 24 e 25).

 

14. Imagem

A imagem, segundo Durand, se constitui enquanto uma cópia autêntica da sensação ou apenas a sinalização de alguma coisa. Sendo que ao se colocar como cópia fiel realiza-se como adequação total, uma presença perceptiva daquilo que é sentido; por outro lado, ao só sinalizar algo, realiza-se a partir de uma inadequação extrema daquilo que é sentido, ou seja, produz um signo sempre separado de seu significado que não seria mais que um símbolo (DURAND, [199-], p. 8).

 

15. Signo

Os signos, de acordo com Durand, configuram-se como subterfúgios de economia que remetem a um significado que poderia estar presente ou ser verificado. Temos, como exemplo, o sinal que previne sobre a presença de um determinado objeto que possa representar. Da mesma forma que uma palavra, uma sigla, um algoritmo poderia substituir de forma econômica uma longa definição conceitual. Porém, sendo os símbolos constituídos dessa forma, ou seja, com um meio de se economizar operações mentais, nada impediria de serem utilizados de maneira arbitrária. Mas existiriam casos em que os signos são obrigados a perder o seu aspecto arbitrário. Isso aconteceria quando remetem para abstrações ligadas às qualidades espirituais ou aos domínios da moral. Qualidades que seriam de difícil apresentação “em carne e osso”. O pensamento não costuma abrir-se ao arbitrário quando deseja significar a Justiça ou a Verdade, justamente porque tais conceitos seriam menos evidentes do que os que se assentariam em percepções objetivas. Segundo Durand, a alegoria seria a tradução da concreticidade de uma idéia de difícil compreensão ou de expressão muito complexa para ser exposta de um maneira simplificada. Portanto, podemos distinguir, em tese, dois tipos de signos: o signos arbitrários que seriam indicativos, que remeteriam para uma significação, se em um primeiro momento não presente pelo menos apresentável; e os signos alegóricos que remeteriam para uma significação que dificilmente pode ser apresentada (DURAND, [199-], p. 8).

 

16. Trajeto hermenêutico

O “trajeto hermenêutico”, que envolve sobretudo a “hermenêutica oriental” de Corbin e a gnose da Escola de Eranos, implica em uma recondução ao/do Imaginal que se estabelece a partir de uma experiência vivida e uma experienciação da imagem-ícone-símbolo. Sendo que a operatividade icônica, que surge dessa experiência e dessa experienciação com o mundo das imagens, é capaz de instaurar uma eficácia simbólica e uma eficácia imaginal do numinoso. Dessa forma, tal recondução constitui-se em uma re-unificação que supera a falsa oposição entre monoteísmo e politeísmo, pois realiza-se enquanto um teomonismo, ou seja, um conhecimento perfeito da totalidade dos caminhos que levam ao resgate do imaginal como do entendimento das funções simbólicas do mesmo (BADIA, 1999, p. 40 e 41).

 

17. Imaginação

Segundo Corbin, citado por Denis Badia, a Imaginação é um “entre dois”, pois de um lado, a Imaginação está subjugada a uma percepção do sensível, onde suas imagens não vão para além desse nível. De outro lado, está a serviço do intelecto, possuindo um caráter de mediação entre o “intellectus sanctus” e o “sensorium”.  Suas imagens aí se estabelecem de forma metafísica. Seria o órgão do conhecimento profético. Assim, de acordo com Corbin: (...) a ambigüidade da Imagem se deve ao fato de que possa ser, por um lado, um “ídolo” (o grego “eidolon”) e que possa, por outro lado, ser um “ícone” (o grego “eikon”). É um “ídolo” quando estanca sobre si mesma a visão do contemplador. É opaca, sem transparência, situando-se ao nível de onde emergiu. Mas é um “ícone” quando se trata de uma imagem gráfica ou de uma imagem mental, quando sua “transparência” permite ao contemplador ver através dela mas além dela e porque aquilo que está além dela não pode ser  percebido senão através dela. Tal é o estatuto da Imagem que se chama “forma teofânica. (BADIA, 1999, p. 41)

18. Sobreconsciência

Segundo Bachelard, em suas intenções de elucidar o que se referiu como sendo o falso problema  da “sublimação”, a sobreconsciência é a fantasia criadora, e, a consciência, que a ela se aplica, seria também criadora justamente por essa ligação, culminando em uma hermenêutica que se torna uma integração desses aspectos da produtividade psíquica do imaginário (DURAND, [199-], p. 63).

 

Bibliografia

BADIA, Denis Domeneghetti. Imaginário e ação cultural: as contribuições de de G. Durand e a Escola de Grenoble. Londrina: Editora UEL, 1999.

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia geral.Lisboa: Ed. Presença, 1997.

DURAND, G. A imaginação simbólica. Lisboa: Edições 70, [199-].

PEREIRA. R.H. S. Avicena: a viagem da alma. São Paulo: Perspectiva, 2001, p.183.



[1] Texto apresentado no livro Alinhavos em Ciências Humanas, organizado pelo Prof. Dr. Nilson Santos e lançado em 2008 pela Editora da Universidade Federal de Rondônia (Edufro)
Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia - e-mail: allle1@yahoo.com.br
                                               


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