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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário
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_______________________________________________________ A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO NACIONAL: Edinaldo Bezerra de Freitas*
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Resenhas Biblioteca Entrevistas Primeiras Notas CONSELHO EDITORIAL Arneide Cemin Ednaldo Bezerra Freitas Valdir Aparecido de Souza |
O estudo da historiografia pode ser
um bom lugar para pensar as contradições de ideologias e imaginários de uma
sociedade. Neste artigo, procuro acompanhar as representações da presença (e
ausência) das populações indígenas na chamada “História do Brasil”, procurando
constituir interpretações sobre o
próprio desafio de sobrevivência dessas populações, no dilema da alteridade,
diante de uma historicidade adversa e perante discursos predominantemente
preconceituosos, carregados de versões evolucionistas e de exclusão. A
historiografia brasileira tem se
negado ao longo de sua trajetória a estudar de forma coerente a
trajetória das
diversas sociedades indígenas, pré-existentes,
coetâneas e atuais ao processo
de sua formação histórica. Quando muito, restou ao
indígena um papel de figura
retórica, como elemento estratégico de
fundamentação de um “projeto étnico”
nacional,
onde em conjunto com “brancos” e “negros”
amalgama uma certa concepção de “mito
fundador” , onde as três raças comporiam os elementos propulsores da chamada “democracia racial
brasileira”. É assim na maioria dos livros didáticos, onde os indígenas
aparecem como elemento genérico, estereotipado e posto no passado,
fundamentando um proclamado “marco zero” dessa história - o denominado
“descobrimento do Brasil” - em 1500, onde se privilegia como denotação, apenas
sua condução de “conquista colonial”. Indagando-se sobre uma história
indígena no Brasil as fronteiras se alargam. Em retrospecto sabe-se que eram
muitos os grupos que habitavam o correspondente ao atual espaço territorial
brasileiro, quando da chegada do colonizador. Calcula-se, só para a bacia
amazônica, em mais de cinco milhões de índios (Neves, Eduardo Góes in: Silva e
Grupioni, 1995:174). Contabilizados na atualidade em todo território nacional
em aproximadamente quatrocentos mil, persistem muitas perguntas. Como foi o
contato interétnico ao longo destes cinco séculos? Como foram os processos de
resistências, conflitos, as incorporações, a exploração de mão de obra, as
eliminações, e como foi possível o desaparecimento quase total dessa população?
E na contrapartida indígena, como reagiram? Como perceberam o processo
colonizador?Onde estão as vozes desse passado? A maior parte da historiografia se
calou. Sabemos que o silêncio tem sua própria eloqüência. A omissão da voz e da
vez dos índios faz pensar sobre os limites constitutivos do próprio fazer
historiográfico, onde perfis ideológicos implicam, nesse caso, em uma tomada de
posição europeizante, elitista, que tende a um compromisso com padrões de
produção e reprodução sócio-cultural, segundo posições ocidentais, mal
classificados pela ciência evolucionista do século XIX como “civilização”. Uma
postura que põe nas rebarbas da história, as comunidades que malgrado os
limites, persistiram aquém e além dos contextos negativos. Um
projeto de exclusão dos índios na
historiografia brasileira já está exposto claramente por
um dos seus
fundadores. Precisamente no momento em que, em meados do século
XIX,
tentavam-se alicerçar as bases de um projeto de Estado
Nação para o Brasil,
Antonio Adolfo Varnhagen, o considerado pela tradição
“pai da História do
Brasil”, decretava em 1854: “de tais povos na
infância, não há história; há
só
etnografia” (Varnhagen, 1981:30). Sua História Geral do Brasil é uma
apologia à “Nobreza” do Império brasileiro e ao governo da dinastia dos
Bragança. Para os índios, ao que deixava explícito , traçava um destino menor.
É bom lembrar que é justamente no século XIX, que se vai buscar no índio, um
elemento de expressão romântica para fomentar os princípios cívicos de
sustentáculo para o Estado Nação brasileiro. Trata-se do “Movimento
Indianista”, onde pontificaram figuras como o romancista José de Alencar e
poetas como Gonçalves Dias. O Índio apropriado por esse romantismo é, no
entanto, um elemento puramente de literatura, estilizado, simbólico, adaptado e
a serviço do projeto colonizador. Nessa conjuntura, em contrapartida às figuras
folhetinescas de Ubirajara, Iracema e Peri, estão distantes das populações
indígenas que de fato, naquele momento, continuavam a se debater com o avanço
das frentes econômicas, em processos de invasões, perseguições e massacres
sobre seus territórios (Moreira Neto, 1971). Mas, o século XIX teve seus intentos
em busca de conhecimento sobre os indígenas brasileiros Nesse período, o grande
impulso partiu dos trabalhos dos viajantes e naturalistas, participantes de
expedições científicas, patrocinadas principalmente pelos governos europeus. Os
viajantes excursionaram pelo território do Brasil e muitos dos seus relatos
passaram a ter importância para o estudo e compreensão dos povos indígenas,
além de estudos do espaço geográfico, flora e fauna do país. Basta lembrar a
importância das narrativas de Spix e Martius de 1819 - 1820 (Martius, 1982), do
príncipe Maximiliano Wied-Neuwied de 1815 - 1817 (Wied-Neuwied, 1984) e de
Saint-Hilaire de 1816 – 1822 (Saint-Hilaire, 1974). Um bom balanço sobre a
contribuição das narrativas desses viajantes, enquanto via etnográfica e como
produção intelectual, encontra-se em “Elementos para uma sociologia dos
viajantes” de João Pacheco de Oliveira Filho, etnólogo do Museu Nacional do
Rio de Janeiro (Oliveira Fº, 1987). Nesse período, porém, o espaço
concreto de produção de conhecimento mais sistemático sobre as comunidades
indígenas, será o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB. Fundado
sob auspícios da monarquia e criado à semelhança dos similares franceses de
então, a instituição albergava nomes representativos da elite econômica e
política do império. Em 1839, o primeiro número de sua revista, traz no texto
de sua apresentação, o uso da alegoria indígena para si: “Qual robusta indígena
das florestas brasileiras, se apresentava garrida e bem disposta para a rude
missão de trabalhar pelo engrandecimento de sua tribo” (RIHGB, 1839 I:177). Em 1844 o Instituto Histórico e
Geográfico promoveu um concurso de redação sobre “Como escrever a História
do Brasil”. O concurso declarava assim, uma dupla tarefa da instituição: a
explícita necessidade de produção de uma historiografia para fundamentar o
recente processo de independência política de Portugal e portanto um discurso constitutivo de legitimação da
nova nação. Por outro lado, ficava visível a carência de caráter
metodológico, do como produzir tal
conhecimento. O vencedor do pleito foi sintomaticamente um estrangeiro.
Trata-se do naturalista alemão Karl Friedrich Phillipp Von Martius, o mesmo que
no início do século XIX estivera em viagem pelo Brasil e tornara-se sócio
correspondente daquela casa. A sua dissertação propõe uma didática apresentação
do Brasil, composta de elementos provenientes de três raças: Qualquer
que se encarregar de escrever a História do Brasil, país que tanto promete,
jamais deverá perder de vista quais os elementos que aí concorrerão para o
desenvolvimento do homem. São porém estes elementos de natureza muito diversa,
tendo para a formação do homem convergido de um modo particular três raças, a
saber: a de cor de cobre ou americana, a branca ou caucasiana, e enfim a preta
ou etiópica. Do encontro, da mescla das reações mútuas e mudanças dessas três
raças, formou-se a atual população, cuja história por isso mesmo tem um cunho
muito particular
(Martius, 1982: 87). Apresenta então o naturalista uma
descrição sumária de como observar a “índole” característica a cada raça,
constatando a existência dos “cruzamentos”, e propõe uma ordenação, onde
através de metáforas, o
“sangue
português” aparece como “um poderoso rio” onde
deveriam ser absolvidos os
“confluentes” das “raças índias e
etiópicas”. Lembra que é na “classe
baixa”
que tem lugar esta “mescla” e prevê a
formação das “classes superiores”. Sugere
assim mecanismos que comunicarão “aquela atividade
histórica para a qual
Império do Brasil é chamado” (Martius, 1982: 88).
Fica claro assim o projeto
conservador de história, embora ao mesmo tempo persista na
importância de
conhecer os elementos distintivos das três raças. Na
visão de Martius, os
índios eram “ruínas de povos”, isto é,
uma raça em estado de decadência. Para
tratar sobre estes, aconselha o estudo da vida e a história do
desenvolvimento
dos “aborígines”. Segundo ele os caminhos para
realizar tais estudos, estariam
nos “documentos históricos”, assim por ele
classificados: língua, mitologia,
“teogonia” (ou vestígios de religiões) e
“geogonia” (distribuição e uso do
espaço físico) , além dos por ele considerado
“vestígios” de “símbolos” e
“tradições de direito”. Por fim, cita a
importância de também se considerar o
estudo de investigações arqueológicas. Para a
realização dessa tarefa, o autor
fala da necessidade de “um historiador filosófico e
etnógrafo”. Seu texto,
embora resumido, é de grande valor para o entendimento de todo
um ideário em
muito hegemônico, sobre a historiografia brasileira e neste caso
específico,
sobre o olhar de uma história para os índios do Brasil. Seguramente é esta a fonte onde se
inspirou Varnhagen ao defender a proposta de delimitação sobre sua História
Geral do Brasil, havendo em parte até uma guinada ainda mais conservadora neste
historiador, principalmente no que respeita a suas tomadas de posições
antiindígenas. Em sua obra os indígenas ganham descrições extremamente detratoras,
indo desde as tradicionais acusações de
indolentes, canibalismo, a falta de patriotismo e de valores humanitários de
coletividade. A principal contribuição do IHGB para
o conhecimento sobre os indígenas brasileiros, foi, sobretudo com a publicação
de textos, ensaios, coletâneas de palavras indígenas e extratos de mitologias.
Entre seus sócios, agregavam-se posições controversas, onde se debatia sobre o
papel dos indígenas naquele momento. De um lado, Varnhagen chegou a proclamar a
necessidade de guerra e escravidão para as populações “selvagens e hostis”
(Varnhagen, 1851 e 1867), por outro, os poetas românticos como Gonçalves de
Magalhães e Gonçalves Dias, portadores de visão preservacionista, muito embora
comungassem com a visão decadentista de Martius, antagonizavam e denunciaram as
posições belicistas de Varnhagen . De Gonçalves Dias, além do valor literário
de seus poemas-manifestos a favor da causa indígena (I Juca-Pirama, Marabá,
Canção do Tamoio), sabe-se que intercalou sua produção artística com uma série
de pesquisas etnográficas, tendo viajado e coletado material em áreas
indígenas, enquanto membro do Instituto, e funcionário público (Amoroso e Sàez
in: Silva e Grupioni, 1995 e Guimarães, 1988). É interessante acompanhar as notícias
de um acirrado debate que na época envolvia a temática indígena, expresso no
IHGB e fora dele, nos jornais, onde se instigavam argumentos sobre a identidade
da nação brasileira. Para os indígenas, entrava na ordem do dia uma definição
quanto a seu papel, ora como força de trabalho, ou na continuidade do papel da
catequese como tarefa civilizadora, ora ainda sobre suas funções enquanto papel
militar de guardas das fronteiras do Império Brasileiro (Freitas, 1999). Também membro do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, o General Couto de Magalhães, político de grande
penetração no Segundo Império Brasileiro (1840-1889), defendeu por essa época,
um projeto de “indigenismo pragmático”. Advogava a criação de “colônias
militares” onde os índios receberiam treinamento para servirem de intérpretes e
agentes para outros elementos indígenas, visando o aproveitamento eficaz de sua
mão-de-obra. O militar em suas publicações contribuiu com descrições de traços
culturais de grupos indígenas e é um dos pilares do discurso assimilacionista
tão presente na história do pensamento indigenista brasileiro (Magalhães, 1935
e 1957). É necessário ter em conta que o
conjunto de idéias científicas em vigor no século XIX, é em grande maioria de
cunho pessimista, negativo e preconceituoso em relação aos indígenas. Segundo
as teorias racistas e evolucionistas de então, são eles vistos em estágio
inferior ou de degradação. Prevalece a tese de extinção eminente. São posições
díspares, ora implicando em conceitos como de poligenia e mutações biológicas
(Agassiz), ora prendendo-se a visões de racismo histórico (Gobineau), ou
tendendo a aspectos os mais bizarros como a defesa da perfectibilidade e da
Eugenia. Os ideários transitavam assim entre os extremos da edenização à
detração racial (Schwarcz, 1993). Nesse momento é mesmo sugestivo
tomarmos como referência o pensamento de um dos mais importantes filósofos
europeus do século XIX, representante da ilustração racionalista. Para Hegel,
as sociedades indígenas não possuíam qualquer importância para a humanidade
enquanto história, pois não detinham sequer existência objetiva. Segundo ele,
somente através da sociedade de Estado seria possível o desenvolvimento da
única realidade possível: a razão. Nesse propósito, No Brasil, todavia, mesmo se a
história oficial de então impingisse ao esquecimento os índios, delegando como
sua protagonista uma elite “branca” e
“cristã”, temos exemplos historiográficos de exceção. Capistrano de Abreu,
funcionário da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, professor de história e
também membro do IHGB, desenvolveu, pela passagem do século, uma obra de
estimado valor no conhecimento da História Nacional. Com propensões críticas,
percebeu o preconceito contra os índios. Foi em contra esses valores, que esse
pesquisador veio a realizar trabalhos de conteúdo etnográfico. Artigos e livros
sobre grupos indígenas, suas línguas e costumes são parte de sua produção
intelectual. Não é por acaso que este seu papel de divulgador do conhecimento
sobre a cultura indígena foi, e é em parte até a atualidade tão esquecido,
sendo ele à época criticado, por “negligenciar” assuntos julgados mais
relevantes. Capistrano de Abreu pôs em ação sua lida historiográfica em um
período de transição política entre o fim da Monarquia e a instalação da
República no Brasil. Suas posições polemizaram, seja com o grupo conservador
anterior (contra Varnhagen) , seja com eminências de sua contemporaneidade, como
os grandes pensadores da nacionalidade brasileira como Sílvio Romero,
germanicista que defendia então valores recrudescentes sobre a teoria das raças
superiores (Amoroso e Sãez in: Silva e Grupioni, 1995 e Araújo, 1988). De Capistrano, vale destacar o trabalho
pioneiro realizado com pesquisas com informantes indígenas. Nessa área, suas
principais contribuições são estudos das línguas dos índios Kaximawá, o Rã-txa
hu-rú-ku-i (“falar de gente verdadeira, de gente fina”, na tradução do
autor) estudo publicado em 1910 (Capistrano de Abreu, 1914). Outra obra sobre
os Bacairi do Xingu foi publicada na época, em revistas e teve recente
impressão em Ensaios e Estudos patrocinada pelo Ministério da Educação
(Capistrano de Abreu, 1976). Pode-se dizer, no entanto, que o exemplo deste
historiador não foi seguido pelas próximas gerações que se lhe sucederam. Para o período de instauração e
solidificação do regime republicano brasileiro, a única menção importante no
contexto do conhecimento sobre os índios no Brasil é a campanha desenvolvida
pelos membros do Apostolado Positivista - a Igreja Positivista do Brasil de
inspiração nas idéias de Augusto Comte. Durante os debates sobre a primeira
Constituição da Republica, o apostolado positivista, liderado por Miguel Lemos e
Teixeira Mendes apresentou propostas específicas para o trato com a população
indígena. Suas idéias, que chegavam a ser extremamente inovadoras, propagavam a
criação não de um, mas dois Estados Confederados para o país, sendo um destes -
denominado “Estados Americanos Brasileiros”, que deveria ser constituído pelas
“hordas fetichistas esparsas pelo território de toda a república” (Lemos e
Mendes, 1934). Animado pela teoria comteana o Apostolado Positivista foi
responsável por debates que ganharam a via pública, pelos jornais e pela edição
de uma série de pequenos livretos onde divulgavam suas posições. Nesse caso, a
defesa da causa indígena, justificava-se filosoficamente por serem considerados
representantes da etapa “fetichista” da humanidade, assim escalonada por fases
de evolução e por os considerarem em uma espécie de “infância” primeira, e,
portanto, necessitando de “proteção fraternal”. Somente assim, pensavam, depois
de estimulados, atingiriam o “estado positivo” apontado como o estágio
superior, científico e atual, visto como o definitivo da humanidade. O projeto de Constituição apresentado
pelos positivistas, como era de se esperar, não foi aprovado pelos
republicanos. Porém, não deixou de ser esse, um primeiro passo em torno de um
bem sucedido percurso de influência desse grupo sobre os destinos das
populações indígenas brasileiras. Nesse sentido, tal processo culminou com o
debate sobre a forma política de atenção do Estado sobre essas comunidades.
Advogava os positivistas a substituição do trabalho catequético das missões e
ordens religiosas por um serviço laico. É esta a origem do Serviço de Proteção
aos Índios - SPI, Órgão criado em 1910 e dirigido pelo então Tenente-Coronel e
depois Marechal do Exercito Brasileiro Cândido Mariano Rondon, membro confesso
da Igreja positivista e maior nome do indigenismo oficial brasileiro. Para a historiografia brasileira, os
reflexos da presença indígena enquanto temário continuou pífio. Somente a
partir da década de trinta do Século XX, alguns trabalhos apontaram para uma
tomada de posição, em um momento em que processos políticos redirecionavam a
trajetória do próprio Estado Nacional brasileiro. Entre os historiadores,
merece destaque a contribuição de Sérgio Buarque de Holanda. Já em Raízes do
Brasil, editado pela primeira vez em 1936 (Holanda, 1978), aparece
nitidamente uma valorização dos indígenas na formação do homem brasileiro ,no
por ele denominado “homem cordial”, padronizando a face patrimonialista dos
valores. Esse livro em conjunto com Casa Grande & Senzala de
Gilberto Freyre que teve primeira edição em 1933 (Freyre, 1995), fundamentam as
grandes explicações do “caráter” brasileiro produzidos no século XX (Leite,
1969 e Mota, 1980). Buarque de Holanda deteve parte de sua
obra aos estudos da expansão e ocupação territorial brasileira. Nesse intento,
procurou dar lugar de destaque a presença indígena. Em Monções de 1945
(Holanda, 1976), o autor apresenta a importância das frentes de comércio
colonial, onde essas populações contavam, seja como colaboradores, seja como
conflitantes. Em Caminhos e Fronteiras de 1957 (Holanda, 1975),
esta presença é ainda mais acentuada, dedicando capítulos à identificação de
“índios e mamalucos”, ou seja, ai incluindo as populações miscigenadas,
imputando-lhes como base do conhecimento e da cultura formulada na colônia, e
do seu papel como condutores das estradas de percurso para “entradas e
bandeiras”. O tema indígena tem recorrência na sua
obra, tendo destaque na Visão do Paraíso, de 1959 (Holanda, 1985), e
ainda em uma obra inacabada - O Extremo Oeste, publicado em 1986
(Holanda, 1986), onde também ali está destacada a nítida presença indígena na
colonização, descrevendo de um lado a “insana caça a peças indígenas” - a
chamada “preação” pelos sertanistas, para venda no mercado escravo -
principalmente no século XVII, e por outro, alertando para o importante papel
exercido pela cultura indígena a favor da adaptação da vida colonial nos
“inóspitos” sertões. Vale ainda um adendo, para o trabalho
deste historiador como coordenador da publicação da História Geral da
Civilização Brasileira, dirigindo os tópicos referentes à Época Colonial e
do Império, onde se esmerou em convidar figuras de destaque no conhecimento
sobre história e cultura indígenas, para preencher os espaços dedicados a estes
- valendo destacar nomes como do etno-sociólogo Florestan Fernandes e o
antropólogo Egon Schaden. A obra teve início de publicação nos anos de 1960-70
e delimitou a partir daí, para toda uma hegemonia da historiografia paulista e
uspiana (da Universidade de São Paulo - USP) sobre a própria historiografia
brasileira (Holanda, 1963 e 1967). Afora o caso desse historiador, e de forma
bem menos acentuada, os indígenas terão lugar em algumas páginas no trabalho de
outro grande historiador daquele momento, Caio Prado Júnior, o primeiro a
aplicar a teoria marxista ao estudo da História do Brasil. A população indígena, em contato com
os brancos, vai sendo progressivamente eliminada e repetindo mais uma vez um
fato que sempre ocorreu em todos os lugares e em todos os tempos em que se
verificou a presença, uma ao lado da outra, de raças de níveis culturais muito
apartadas: a inferior e dominada desaparece. E não fosse o cruzamento,
praticado em larga escala entre nós e que permitiu a perpetuação do sangue
indígena, este estaria fortemente condenado à extinção total (Prado Jr., 1979:
105-106). Um terceiro historiador também desse
período, Nelson Werneck Sodré, é ainda mais restrito ao conhecimento das
sociedades indígenas. A sua Formação Histórica do Brasil, de 1962
(Sodré, 1976) é nesse sentido bastante tradicional. Trata-se de um escritor de
orientação marxista e em seu trabalho fica facilmente perceptível o quanto à
rigidez metodológica sacrifica suas idéias. Assim, o autor parece estar sempre
mais interessado em comprovar uma doutrina pré-estabelecida, do que analisar
historicidades. Sodré fala, por exemplo, em feudalismo como etapa de
colonização brasileira e quanto à presença indígena, quando aparece em sua
obra, são estes citados como meros coadjuvantes da “Conquista do Sertão”. Todo
o conflito interétnico fica explicito pelo autor na aparente simplicidade de
uma incompatibilidade de convivência entre a economia natural dos índios e a
produção de estágio escravista (Sodré, 1976: 58). Ainda da década de quarenta, o
trabalho solitário de Alexander Marchant, um dos pioneiros na produção de
trabalhos dos chamados “brasilianistas”, ou seja, os intelectuais estrangeiros
dedicados ao estudo de aspectos da história e cultura brasileiras. Nesse caso,
com a produção de uma obra que aponta para as possibilidades de recortes
históricos específicos, onde a temática indígena é eleita como caminho para
compreensões e interpretações de certos momentos. Seu Do Escambo à
Escravidão é de 1943 (Marchant, 1980), nele, são focados aspectos
econômicos do usufruto da mão-de-obra indígena no Brasil quinhentista. A
primeira edição desse livro sendo publicada em inglês. Nos anos 1950 David Hall Stauffer
apresentou à Universidade do Texas (Austin) a tese de doutoramento intitulada “The
Origin and Establishment of Brazil's Indian Service, 1889 - As críticas impetradas a obra de
Stauffer, apontam para os limites de sua “História-Narrativa” e à apologia
quanto à “prática rondoniana”. Antônio Carlos de Souza Lima, na dissertação de
mestrado em Antropologia - Aos Fetichistas Ordem e Progresso: em estudo do
campo indigenista no seu estado de formação, dedica um longo
capítulo ao trabalho desse brasilianista, classificando sua obra como uma
história “interna” do SPI, isto é, sem a crítica necessária à sua
contextualidade. (Lima, 1985 e 1995). Só mais recentemente, com o advento da
chamada “Nova-História”, quando o olhar do historiador se adequa a uma
perspectiva ampla de questões e mediante o predomínio da chamada história
cultural, a temática indígena parece ter sido despertada. Ainda é pequeno o
número de obras publicadas,algumas teses e dissertações acadêmicas aparecem
timidamente. É possível apontar nesse caso, o trabalho vigoroso de John
Monteiro - Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São
Paulo (Monteiro, 1994), que lança uma nova luz sobre os estudos da relação
entre mão-de-obra indígena e escravidão, fazendo repensar o processo de
formação da região bandeirante paulista. Destaca-se ainda o trabalho de Ronaldo
Vainfas - A Heresia dos Índios - Catolicismo e Rebeldia no Brasil
Colonial
(Vainfas, 1995). Nesse caso, trata-se de obra bastante instigante,
percorrendo a tendência mais atual da história cultural e
apresentando o
processo de formação e destruição das
“santidades” - manifestações religiosas
praticadas por índios, mamelucos e indianizados, e onde afere
simbologias de
sincretismos culturais, no caso especialmente localizados já nos
primeiros
séculos da colonização brasileira. Também
recente, o livro Imagens da
Colonização. Representação do Índio de Caminha a Vieira, de Ronald
Raminelli (Raminelli, 1996), igualmente envereda pelo campo das representações
indígena, desta feita buscando na iconografia e nos registros descritivos dos
primeiros séculos da colonização, o olhar de quem retratou sua presença e daí
partindo para uma análise da natureza, estereótipos e conflitos do período. O processo historiográfico parece ter
sido esse. Apontam-se lacunas e limites e deve ser percebido como diálogo e
complemento à considerável produção da linha de Etno-História mais recentemente
desenvolvida pelos antropólogos. O desafio do conhecimento sobre culturas e
histórias das populações indígenas no Brasil tem o tamanho e a simbologia do
próprio desafio contemporâneo de sobrevivência dessas populações, diante da
luta para preservar seus espaços territoriais, a organização social e política
e suas especificidades de identidade cultural e étnica. Tem-se o alento e a
esperança de se estar pouco a pouco alargando o espaço do conhecimento da
História Indígena Brasileira. Alguma mudança qualitativa nesse campo tem
ocorrido. Muitos outros passos deverão ainda ser dados. BIBLIOGRAFIA ARAUJO, Ricardo Benzaquem de Araújo.
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